segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O Estado que mais regenerou também pode ser o que mais destruiu a floresta


Por Guilherme José Purvin de Figueiredo
Paraná, o estado que mais regenerou também é o pior aluno da sala. Foto: María Malagón/Flickr.
Paraná, o estado que mais regenerou também é o pior aluno da sala. Foto: María Malagón/Flickr.


Em 2016, a Fundação SOS Mata Atlântica oficiou ao Governo do Paraná pedindo a interrupção da concessão de licenças para a supressão de vegetação até final de 2018, além da revisão de todas as autorizações concedidas nos últimos 24 meses, para avaliação de sua conformidade com a Lei 11.428/06. Motivo: o Paraná liderava o ranking dos maiores desmatadores da Mata Atlântica, com mais de 450 mil hectares destruídos nos últimos 30 anos.


Retornando de visitas a unidades de conservação do Paraná e Mato Grosso do Sul, leio com surpresa que a mesma entidade acaba de noticiar que o Paraná é o Estado que mais regenerou a Mata Atlântica nestes 30 anos e me pergunto se os dados são contraditório ou podem ser conciliados.


Sim, eles são conciliáveis. Paraná é, a um só tempo, o Estado que mais destruiu a Mata Atlântica nos últimos anos e o que mais a regenerou. Assim, para não cairmos no ufanismo ou no catastrofismo, a pergunta que se segue deve ser dirigida a especialistas (engenheiros agrários e florestais, biólogos, zootecnistas) para saber se o saldo final foi a ampliação ou a redução da área efetiva de Mata Atlântica no Paraná.


Mas, mais importante do que medir apenas áreas de vegetação, é preciso avaliar o impacto de tão intensa renovação, não só para a flora, mas sobretudo para a fauna. Afinal, após tamanha devastação seguida de regeneração em localidades diversas, o que temos hoje são florestas em estágio inicial e médio de regeneração.



Haters convocados pelas torcidas organizadas desqualificam quem incomoda seus interesses, rotulando-os de “ecoxiitas” ou fanáticos por “passeio rústico”. De igual forma, há também quem generalize do outro lado e chame de “maníaco da moto-serra” a todo produtor rural, ignorando aquele que, por ter averbado a reserva legal de sua propriedade e nunca haver destruído as APPs, hoje concorre em situação desigual com os que foram anistiados com o “kit” oferecido por Lula e Dilma (Decreto 6686/08, Lei nº 12.651/12 e Instrução Normativa n. 12, de 6/8/2014, do IBAMA).



Empastelar o debate aproveita apenas quem tem interesse em manter o status quo atua
Quem lucra com a ausência absoluta de interesse da União e dos Estados em investir na fiscalização e aplicação do Código Florestal nas propriedades privadas e no aparelhamento decente dos órgãos ambientais para que exerçam com eficiência seus deveres de preservação adequada dos espaços protegidos?


Aplaudir ou condenar políticas públicas ambientais e tendências do agrobusiness pela leitura de números absolutos que, isolados, não significam nada, é esfacelar a Constituição Federal e deixar de lado o art. 186, que cuida da função social da propriedade rural ou o art. 225, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Empastelar o debate aproveita apenas quem tem interesse em manter o status quo atual. Enquanto o clima de torcida perdurar, teremos que nos conformar com o jeitinho brasileiro e aceitar que informações equivocadas aos visitantes de parques sejam prestadas por brigadistas de incêndio.



Ou aplaudir a cessão de faixas de domínio da rodovia para que particulares realizem plantações a um metro das divisas do mais belo parque nacional do país, para diminuir os custos de manutenção de rodovia e ajudar a reduzir os riscos de incêndio. Nosso país merece mais do que isso.



Ilhas de vegetação
Algumas ponderações finais sobre o “mar de soja”. O Paraná conta com “ilhas” de vegetação: os parques integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), os parques urbanos e o projeto “Cultivando Água Boa”.


O SNUC, mesmo sucateado por sucessivos governos federais, conta com o trabalho heroico de alguns servidores públicos e com o empenho da sociedade civil. Este heroísmo traz bons frutos, de que são exemplos o Parque Nacional do Iguaçu e Parque Estadual do Guartelá, UCs que trazem alento àqueles que zelam pela biodiversidade.


Algumas cidades contam com uma biodiversidade que hoje faz inveja ao meio rural. Em Maringá, o Parque do Ingá, além da árvore que lhe dá nome, conta com exemplares de peroba, canela, jaracatiá e cedro, entre outras, que simplesmente não existem mais em perímetro rural. Londrina, por sua vez, conta com quase 8 milhões de m² de área verde, quase o dobro do recomendado pela ONU. No Lago Igapó e a Área de Lazer Luigi Borghesi – Zerão encontramos mais diversidade e mais pássaros do que ao longo dos 500 km que separam a cidade do Parque Nacional do Iguaçu.


Finalmente, o “Projeto Cultivando Água”. Em meu artigo anterior, ressalvei haver testemunhado a presença de fragmentos do bioma Mata Atlântica localizados no município de Santa Helena, localizado às margens do Rio Paraná. Esse município integra a área que é objeto de ações de restauração realizadas pela Itaipu no extremo oeste. O projeto é elogiado mundialmente e foi premiado pelas ONU.


 Esta iniciativa contribuiu significativamente para que o Paraná tenha se tornado, nos últimos trinta anos, não apenas o Estado que mais destruiu a Mata Atlântica, mas também o que mais a regenerou, como bem observado pelo leitor Clóvis Borges.

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