quinta-feira, 04 de Maio de 2017
Em
artigo publicado nesta quarta (4/5), no jornal Diário Catarinense, a
coordenadora adjunta do ISA, Nurit Bensusan, mostra o caminho da
desconstrução de Unidades de Conservação: de Jamanxin, no Pará, a São
Joaquim, em Santa Catarina
“Parque Nacional... nem sei pra que serve esse parque...” Essa foi a frase que me recebeu quando, em fevereiro desse ano, estive em Urubici, em Santa Catarina e fui em busca de informações sobre o Parque Nacional de São Joaquim, vizinho da cidade. Ela não foi dita por qualquer pessoa e sim pelo atendente do serviço de informações turísticas do SESC da cidade.
A região de Urubici é belíssima e um ingrediente especial é o Parque que preserva florestas de araucárias já raras nesse local e conta com uma paisagem inigualável, o que faz a frase do atendente ainda mais surpreendente. Talvez, porém, ela reflita um desconhecimento da importância local, inclusive como atrativo, e nacional do Parque, como elemento de conservação da Mata Atlântica. Essa impressão é reforçada pelos dados do ICMBio, órgão que cuida das unidades de conservação federais, como os parques nacionais, que mostram que apesar do Parque Nacional de São Joaquim ser o décimo parque nacional mais visitado do Brasil, ele atrai apenas cerca de 100 mil visitantes por ano.
Na última semana, a redução dos limites do Parque Nacional de São Joaquim em 20% foi aprovada na semana passada pela Comissão Mista do Congresso que analisa a Medida Provisória (MP) 756/2016. Apesar de não ter provocado grandes comoções e nem eloquentes protestos, o processo todo não deixa de ser chocante. A história, para ser bem contada, precisar contemplar duas vertentes.
A primeira trata das Unidades de Conservação do Pará, em especial da Floresta Nacional de Jamanxim, área que o ICMBio queria ver os limites revisitados. A proposta concebida pelo Instituto já trazia, originalmente, uma questão digna de consideração: tratava-se de excluir da Floresta Nacional, áreas que haviam sido ocupadas e desmatadas após seu estabelecimento, criando um perigoso precedente. A despeito dessas considerações, a proposta de alteração dos limites da Floresta Nacional de Jamanxim e de várias outras unidades de conservação na mesma região no Pará foi feita por duas MPs, a 756 e a 758, e apresentadas ao Congresso Nacional no final do ano passado.
Haveria muito a dizer sobre a inconstitucionalidade de reduzir limites de Unidades de Conservação por meio de medidas provisórias. Haveria, também, muito a dizer sobre o que acontece nessa região, especialmente porque a proposta culminou num desastre: um milhão de hectares foram subtraídos do conjunto das áreas protegidas, desmantelando todo o sistema de prevenção e combate ao desmatamento. Entretanto, o foco aqui é o Parque Nacional de São Joaquim.
A outra vertente dessa história começa com o reajuste dos limites do Parque Nacional de São Joaquim plasmado na Lei 13.273/2016. Fruto de uma longa discussão, esse processo também abriu um perigoso precedente cujos “frutos” estão sendo colhidos agora. O reajuste fez com que algumas propriedades que estavam dentro dos limites do Parque, desde sua criação em 1961, fossem excluídas. Com isso, proprietários que já estavam conformados, e aguardavam ainda a regularização fundiária, vislumbraram uma oportunidade para terem suas propriedades excluídas do Parque e começaram a fazer pressão.
Na sequência, o ICMBio reabriu uma discussão sobre os limites do Parque, visando excluir algumas áreas e incluir outras, mantendo sua extensão original. O resultado desse processo foi uma emenda apresentada à MP 756/2016, pela bancada de deputados e senadores de Santa Catarina. Evidentemente, o controle que o ICMBio teve sobre a tramitação dessa emenda foi nulo e a consequência foi a aprovação da redução de 10 mil hectares da área do Parque, o que corresponde a cerca de 20% de sua extensão original. A nota técnica de posicionamento do ICMBio lamenta a aprovação da emenda, mas admite que sua apresentação partiu de entendimentos entre ele, o Ministério do Meio Ambiente e a bancada de parlamentares de Santa Catarina. (Veja abaixo o mapa que mostra a redução do Parque, de autoria do ICMBio).
Antes de lamentarmos o resultado desastroso, para as unidades de conservação do Pará e para o Parque Nacional de São Joaquim, vale a pena fazer uma lista dos absurdos desse processo. Primeiro, por que revisitar os limites de uma unidade de conservação para premiar quem ocupou e desmatou irregularmente, como no caso da Floresta Nacional de Jamanxim?
Segundo, por que alterar limites de unidades de conservação por Medida Provisória, sem os necessários debates técnicos e com a sociedade, contrariando o texto da Constituição? Terceiro, como fazer reajustes fundiários, como no caso do Parque de São Joaquim, sem pensar nas consequências? Quarto, por que aceitar, e nesse caso compactuar, a inserção de uma emenda sobre um Parque Nacional em Santa Catarina numa medida provisória que trata de unidades de conservação no Pará, utilizando-se de expediente vedado pelo STF, o contrabando legislativo (popularmente conhecido como “jabuti”)? Quinto, como confiar numa bancada de parlamentares, alvo de pressão de múltiplos grupos de interesse privado, em um cenário em que áreas de conservação da natureza não movem corações?
Absurdos listados, resta lamentar a imprevidência do ICMBio, a falta de valorização de nossos parques nacionais e outras unidades de conservação, o descompromisso dos parlamentares com a proteção do nosso imenso patrimônio natural e a situação do Parque Nacional de São Joaquim. Resta, ainda, torcer para que o absurdo não se consolide: nessa semana as MPs, já como projetos de conversão, aterrissam no plenário da Câmara que pode acolhê-las ou não. A adoção desses projetos sinaliza, mais claramente ainda, que conservação e uso racional dos recursos naturais não estão mais no horizonte desse país.
“Parque Nacional... nem sei pra que serve esse parque...” Essa foi a frase que me recebeu quando, em fevereiro desse ano, estive em Urubici, em Santa Catarina e fui em busca de informações sobre o Parque Nacional de São Joaquim, vizinho da cidade. Ela não foi dita por qualquer pessoa e sim pelo atendente do serviço de informações turísticas do SESC da cidade.
A região de Urubici é belíssima e um ingrediente especial é o Parque que preserva florestas de araucárias já raras nesse local e conta com uma paisagem inigualável, o que faz a frase do atendente ainda mais surpreendente. Talvez, porém, ela reflita um desconhecimento da importância local, inclusive como atrativo, e nacional do Parque, como elemento de conservação da Mata Atlântica. Essa impressão é reforçada pelos dados do ICMBio, órgão que cuida das unidades de conservação federais, como os parques nacionais, que mostram que apesar do Parque Nacional de São Joaquim ser o décimo parque nacional mais visitado do Brasil, ele atrai apenas cerca de 100 mil visitantes por ano.
Na última semana, a redução dos limites do Parque Nacional de São Joaquim em 20% foi aprovada na semana passada pela Comissão Mista do Congresso que analisa a Medida Provisória (MP) 756/2016. Apesar de não ter provocado grandes comoções e nem eloquentes protestos, o processo todo não deixa de ser chocante. A história, para ser bem contada, precisar contemplar duas vertentes.
A primeira trata das Unidades de Conservação do Pará, em especial da Floresta Nacional de Jamanxim, área que o ICMBio queria ver os limites revisitados. A proposta concebida pelo Instituto já trazia, originalmente, uma questão digna de consideração: tratava-se de excluir da Floresta Nacional, áreas que haviam sido ocupadas e desmatadas após seu estabelecimento, criando um perigoso precedente. A despeito dessas considerações, a proposta de alteração dos limites da Floresta Nacional de Jamanxim e de várias outras unidades de conservação na mesma região no Pará foi feita por duas MPs, a 756 e a 758, e apresentadas ao Congresso Nacional no final do ano passado.
Haveria muito a dizer sobre a inconstitucionalidade de reduzir limites de Unidades de Conservação por meio de medidas provisórias. Haveria, também, muito a dizer sobre o que acontece nessa região, especialmente porque a proposta culminou num desastre: um milhão de hectares foram subtraídos do conjunto das áreas protegidas, desmantelando todo o sistema de prevenção e combate ao desmatamento. Entretanto, o foco aqui é o Parque Nacional de São Joaquim.
A outra vertente dessa história começa com o reajuste dos limites do Parque Nacional de São Joaquim plasmado na Lei 13.273/2016. Fruto de uma longa discussão, esse processo também abriu um perigoso precedente cujos “frutos” estão sendo colhidos agora. O reajuste fez com que algumas propriedades que estavam dentro dos limites do Parque, desde sua criação em 1961, fossem excluídas. Com isso, proprietários que já estavam conformados, e aguardavam ainda a regularização fundiária, vislumbraram uma oportunidade para terem suas propriedades excluídas do Parque e começaram a fazer pressão.
Na sequência, o ICMBio reabriu uma discussão sobre os limites do Parque, visando excluir algumas áreas e incluir outras, mantendo sua extensão original. O resultado desse processo foi uma emenda apresentada à MP 756/2016, pela bancada de deputados e senadores de Santa Catarina. Evidentemente, o controle que o ICMBio teve sobre a tramitação dessa emenda foi nulo e a consequência foi a aprovação da redução de 10 mil hectares da área do Parque, o que corresponde a cerca de 20% de sua extensão original. A nota técnica de posicionamento do ICMBio lamenta a aprovação da emenda, mas admite que sua apresentação partiu de entendimentos entre ele, o Ministério do Meio Ambiente e a bancada de parlamentares de Santa Catarina. (Veja abaixo o mapa que mostra a redução do Parque, de autoria do ICMBio).
Antes de lamentarmos o resultado desastroso, para as unidades de conservação do Pará e para o Parque Nacional de São Joaquim, vale a pena fazer uma lista dos absurdos desse processo. Primeiro, por que revisitar os limites de uma unidade de conservação para premiar quem ocupou e desmatou irregularmente, como no caso da Floresta Nacional de Jamanxim?
Segundo, por que alterar limites de unidades de conservação por Medida Provisória, sem os necessários debates técnicos e com a sociedade, contrariando o texto da Constituição? Terceiro, como fazer reajustes fundiários, como no caso do Parque de São Joaquim, sem pensar nas consequências? Quarto, por que aceitar, e nesse caso compactuar, a inserção de uma emenda sobre um Parque Nacional em Santa Catarina numa medida provisória que trata de unidades de conservação no Pará, utilizando-se de expediente vedado pelo STF, o contrabando legislativo (popularmente conhecido como “jabuti”)? Quinto, como confiar numa bancada de parlamentares, alvo de pressão de múltiplos grupos de interesse privado, em um cenário em que áreas de conservação da natureza não movem corações?
Absurdos listados, resta lamentar a imprevidência do ICMBio, a falta de valorização de nossos parques nacionais e outras unidades de conservação, o descompromisso dos parlamentares com a proteção do nosso imenso patrimônio natural e a situação do Parque Nacional de São Joaquim. Resta, ainda, torcer para que o absurdo não se consolide: nessa semana as MPs, já como projetos de conversão, aterrissam no plenário da Câmara que pode acolhê-las ou não. A adoção desses projetos sinaliza, mais claramente ainda, que conservação e uso racional dos recursos naturais não estão mais no horizonte desse país.
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