terça-feira, 16 de maio de 2017

O milagre da multiplicação do carro a diesel


Por Claudio Angelo
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado.

Um milagre aconteceu no Congresso Nacional nesta semana: a liberação dos carros de passeio movidos a óleo diesel no Brasil, que um grupo de deputados vem tentando sem sucesso obrar por meio de um projeto de lei, acaba de ressuscitar no Senado. Ela reencarnou na forma de um decreto legislativo, que será apreciado nesta quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça.

O responsável por essa graça é Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal, senador pelo PRB e prefeito eleito do Rio de Janeiro. Ele foi o relator na CCJ do Projeto de Decreto Legislativo do Senado no 84/2015, que “susta atos normativos do Poder Executivo que impedem a utilização de veículos de passeio movidos a óleo diesel”. Como não está mais no Senado, Crivella não comparecerá à sessão da CCJ que apreciará seu parecer. Mas precisará explicar a seus eleitores por que atuou pela salvação de um projeto que os condena ao inferno na Terra.


O diesel é uma danação para qualquer organismo dotado de pulmões, mas em particular para moradores de cidades grandes. Mesmo com o aumento da eficiência dos motores nas últimas décadas, carros a diesel emitem pelo menos sete vezes mais óxidos de nitrogênio, precursores do tóxico ozônio, do que veículos a gasolina.

No Brasil eles trazem um risco adicional: os particulados finos (PM2,5), que aumentam o risco de câncer. Como o país decidiu ser complacente com os teores de enxofre no diesel vendido fora das metrópoles, é impossível por aqui instalar os filtros que reduzem as emissões de particulado. O resultado são emissões de PM2,5 30 vezes maiores do que as de carros a gasolina.


Tudo somado, no pior caso, o Conselho Internacional para o Transporte Limpo projeta que aceitar o diesel em carros de passeio poderá mandar 150 mil brasileiros a mais para perto de Jesus antes da hora até 2050. Entre eles, supostamente, membros do rebanho do bispo Crivella, que, se fossem consultados, prefeririam passar mais tempo entre os pecadores do que adentrar o reino dos céus.
A justificativa do então senador para ungir o projeto foi fundamentalista: segundo o parecer, as resoluções do Conselho Nacional de Trânsito e do Departamento Nacional de Combustíveis que vedam a utilização do diesel não são leis. Como ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei, elas são abusos de autoridade. Coisas do diabo. Precisam cair.


Ainda mais surreal é a argumentação do autor do projeto, o senador pelo PP de Alagoas Benedito de Lira: segundo ele – acreditem, irmãos! –, o diesel em veículos leves tem crescido na Europa “em função das menores emissões dos gases causadores do efeito estufa”. No Brasil, ele seria uma medida necessária para promover o crescimento do biodiesel, assim como a adoção maciça do álcool veicular nos anos 1970 levou ao carro flex. O argumento não faz sentido lógico. Liberar o diesel para promover o biodiesel seria mais ou menos como chutar uma santa para promover a fraternidade.

O primeiro efeito da adoção do diesel seria, isso sim, a morte do carro a álcool, uma vez que o etanol já tem dificuldades para competir com a gasolina hoje.
O primeiro efeito da adoção do diesel seria, isso sim, a morte do carro a álcool, uma vez que o etanol já tem dificuldades para competir com a gasolina hoje. Como a produção de biodiesel não tem nem de longe a escala necessária para substituir o álcool, mesmo que fosse o caso, o efeito prático seria menos biocombustível na matriz nacional – portanto, um aumento das emissões de gases de efeito estufa.


O segundo efeito seria estimular ainda mais o transporte individual (leia-se engarrafamentos), na exata contramão da necessidade dos moradores das metrópoles brasileiras.
A comparação com a Europa deveria ser exorcizada para sempre da lista de argumentos dos vendilhões do diesel. As grandes cidades europeias estão, uma após a outra, fixando calendários para eliminar carros a diesel de suas vidas nos próximos 15 anos. (Isso, claro, tem deixado as montadoras preocupadas. Abrir novos mercados para desovar o encalhe, como o brasileiro, é de interesse estratégico da indústria automobilística. Fecha parênteses.)

Em grande parte, o banimento progressivo do diesel ocorre por motivos de saúde pública, mas também por conta de regulações climáticas. Nesta segunda-feira (12), mesmo dia em que a pauta da CCJ era anunciada, circulou também uma petição com 23 mil assinaturas de moradores de grandes cidades do mundo demandando, em nome da saúde e do clima, que as montadoras parem de fabricar carros a diesel. Amém!

A petição segue um anúncio feito no último dia 2 pelos prefeitos de Paris, Atenas, Madri e Cidade do México de que essas cidades banirão esses veículos até 2025. A resolução foi adotada no âmbito do C40, o grupo de metrópoles que se dedica a avançar a agenda climática.

Não quero deixar os cariocas com saudade, mas o atual presidente do C40 é um tal Eduardo Paes.

Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.

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