segunda-feira, 15 de maio de 2017

Richard Rasmussen e a polêmica sobre o boto


Por Vandré Fonseca
Rasmussen nega acusação e afirma que imagens foram importantes para proteger os botos. Foto: Vandré Fonseca.
Rasmussen nega acusação e afirma que imagens foram importantes para proteger os botos. 
Foto: Vandré Fonseca.


Manaus, AM -- As imagens de botos vermelhos sendo abatidos para servir de isca na pesca da piracatinga foram ao ar em julho de 2014, em uma reportagem de Sônia Bridi, no Fantástico. Elas haviam sido produzidas pelo biólogo e apresentador Richard Rasmussen a pedido da Associação Amigos do Peixe-Boi da Amazônia (Ampa) e pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), justamente para convencer autoridades a tomar providências contra a matança dos bichos. Só não se esperava que, quase três anos depois, o tiro ricocheteasse em um festival de cinema americano, com a denúncia de que Rasmussen teria pago pescadores para matar um boto.



Antes de antecipar julgamentos e comentários, é bom saber que esta semana a revista Veja publicou uma nota do próprio diretor do filme A River Below (inédito no Brasil), o australiano Mark Grieco, negando ter acusado Richard de tal absurdo e condenando a divulgação sensacionalista do documentário. “A River Below é sobre os botos ameaçados, as pessoas que lá estão tentando salvá-los e a complexidade de realizar esta tarefa quase impossível no mundo de hoje”, diz um trecho do comunicado publicado no site da revista. Um esclarecimento que só veio depois de muita polêmica.



A controvérsia chegou ao Brasil em uma entrevista dada pelo próprio Grieco ao site Central Hqs, que serviu também a uma reportagem do portal UOL. O site reproduz de forma livre, em português, uma conversa com o diretor em que ele conta ter encontrado os pescadores que filmados abatendo os botos (as imagens tinham sido borradas nas cenas gravadas por Richard para evitar a identificação). 



Eles teriam então revelado que Richard pagou R$ 100,00 para cada um deles pela captura dos animais, com a promessa de que as imagens não seriam veiculadas em lugar nenhum. O diretor confessa ainda ter armado uma armadilha para o apresentador brasileiro, levando-o a confrontar diretamente os pescadores.



De acordo com a explicação do próprio diretor, ele pretendia demonstrar que a  proibição da pesca da piracatinga envolvia questões econômicas e de sobrevivência de populações da Amazônia, além da conservação do boto. A proibição, na visão do diretor apresentada no site, seria a causa de dificuldades enfrentada por parte dos pescadores. Mas omite um ponto importante da discussão: que a atividade era ilegal, independente da moratória, pois significava o abate de botos e jacarés, o que é proibido pela lei brasileira.



Richard Rasmussen, que estava na África quando a polêmica veio à tona, publicou uma nota em seu perfil no Facebook, em que se diz indignado com a forma sensacionalista que o assunto vem sendo tratado, “uma vez que a grande maioria dos mesmos, assim como eu, ainda não teve acesso ao filme” segundo a nota. 


Ele nega ter pago aos pescadores pelo abate dos botos. Richard destaca a importância das imagens para que a moratória da pesca da piracatinga fosse decretada por 5 anos e dá detalhes da participação dele na produção das imagens. O apresentador e biólogo afirma que a intenção não era prejudicar os pescadores, mas denunciar um crime que vinha sendo incentivado e até financiado por empresários da região.
Foto: Edmar Barros/Ampa.
Boto é usado como isca na pesca da piracatinga. Foto: Edmar Barros/Ampa.



“A minha participação nesta fase foi importante, mostrando para eles que os frigoríficos estariam colocando a culpa da pesca com uso do boto nas comunidades quando se sabe que, justamente, os frigoríficos em muitos casos até financiavam esse método. Teríamos de conseguir a adesão voluntária desta comunidade, sem o envolvimento financeiro, já que como conservacionistas não poderíamos financiar um crime. E essa foi minha missão, convencê-los de que as coisas não poderiam continuar desta forma”, afirma um trecho da nota.



O biólogo Jone César acompanhou as conversas com Richard para a produção do vídeo. Naquela época, ele fazia parte da direção da Ampa e lembra que, durante pelo menos dez anos, pesquisadores e ambientalistas denunciavam a matança de botos e jacarés para a pesca da piracatinga (veja a reportagem de ((o))eco, de 2007, sobre o assunto), sem que medidas concretas fosse tomadas por autoridades estaduais ou federais. “A saída que vimos foi conseguir essas imagens e tentar divulgá-las em um programa de grande audiência”, conta Jone César. “Como não tínhamos acesso aos pescadores, buscamos uma pessoa conhecida, que teria mais chances de conseguir as imagens”, afirma Jone César.



A Ampa e o Inpa divulgaram uma nota em defesa de Richard Rasmussen e confirmando que ele não agiu de forma independente, mas em parceria com a associação e com o Inpa na produção das imagens. “A Ampa e o Inpa jamais permitiriam ou compactuariam com acordos ou encomenda de imagens que envolvessem a morte de animais ou quaisquer tipos de transações financeiras com pessoas das comunidades onde foram captadas as imagens”, afirma a nota. A Ampa afirma ainda que o apresentador é um “incansável defensor da vida selvagem e apoiou com todo seu prestígio a Campanha Alerta Vermelho que visa combater a matança de botos-vermelhos no Estado do Amazonas”.



A TV Globo também se pronunciou. Afirmando não ter sido procurada e não ter tido acesso ao documentário, informa saber a procedência das imagens e que tomou providências para chegar a veracidade das informações veiculadas na reportagem do Fantástico. A emissora cita também estudos que comprovaram a presença de carne de boto nas vísceras de piracatinga, peixe nocivo à saúde humana por conter altos níveis de metais pesados. “Para a TV Globo, a correção na apuração jornalística jamais é colocada em risco seja qual for a causa em jogo”, conclui a emissora.



À Veja, o produtor do filmes, Torus Tammer, atribui a polêmica um erro na interpretação de resenhas sobre o filme. O diretor Mark Grieco lamenta a forma sensacionalista com que o filme vem sendo recebido, o que para ele desvia as atenções do foco principal, que é a necessidade de medidas para proteger os botos da Amazônia. Providências que só começaram a ser tomadas após as polêmicas imagens irem ao ar, quando o Ministério Público Federal entrou em campo e os Ministérios da Pesca e do Meio Ambiente aceitaram impor uma moratória de cinco anos, que começou a valer em 2015, sobre a comercialização da piracatinga.

Foto: Kevin Schaeler/Ampa.
Foto: Kevin Schaeler/Ampa.


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