quarta-feira, 10 de maio de 2017
Um cemitério às margens da Avenida Ewerton Xavier, em Várzea das Moças,
dentro da zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra da Tiririca
(Peset), é a mais nova ameaça ao local. Sexta-feira, o conselho
consultivo do parque se reunirá para analisar o processo de
licenciamento, encaminhado há cerca de duas semanas pela Diretoria de
Licenciamento da Secretaria municipal de Meio Ambiente, Recursos
Hídricos e Sustentabilidade.
Os ambientalistas contrários à instalação alegam que sepultamentos podem
provocar desequilíbrio, por conta da possível contaminação do solo e
dos mananciais da região. O vice-presidente da Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária Ambiental do Rio de Janeiro (Abes Rio), Gandhi
Giordanno, explica que o modelo de cemitério sugerido para o local, com
lápides horizontais, oferece mais chances de contaminação. Caso não seja
feita a coleta do necrochorume, e seu devido tratamento para descarte, o
líquido — composto nitrogenado de matéria orgânica oriunda de
decomposição dos corpos humanos — pode se infiltrar no solo e contaminar
córregos e poços. De acordo com o especialista, isso pode transmitir
doenças de veiculação hídrica.
— É preciso que esse material seja coletado, com o auxílio da
impermeabilização do solo, para uma caixa, de onde deve ser
transportado, tratado e despejado em local adequado. O ar também tem que
ser tratado, por meio da instalação de um sistema de ventilação, que
fará a lavagem e a desinfecção de gases — ressalta Giordanno.
Ele alerta ainda para possíveis danos causados pela atividade de
cremação, que a prefeitura não confirmou se consta no projeto de
implantação do cemitério na área de amortecimento do Peset:
— A cremação tem impacto maior no ar e traz consequências graves para os
animais, principalmente os pássaros. Tem que haver um processo mais
complexo de filtragem e limpeza desses gases.
Daniel Marques, advogado ambientalista e ex-secretário municipal de Meio
Ambiente, não vê problemas com a instalação do cemitério na área de
amortecimento do parque. Para ele, se forem cumpridas as normas de
impermeabilização do solo e destinação do necrochorume, o cemitério
trará menos impacto do que outros tipos de empreendimentos.
— Trata-se de uma área particular nos limites do parque. Pelo que vi do
projeto, o cemitério ocupará cerca de 30% do terreno. Acredito que,
desde que cumpra as regras ambientais, com os métodos modernos que temos
hoje de destinação para esse tipo de poluente, um cemitério trará
impacto menor do que empreendimentos residenciais, por exemplo. Pode ser
uma forma de proteger aquela margem da floresta de futuras construções —
defende.
Cássio Garcez, ambientalista e guia ecológico do grupo de caminhadas
Ecoando, demonstra cautela em relação ao assunto. Conselheiro do Peset,
ele aguarda por detalhes na reunião do grupo, para decidir seu voto.
— Precisamos conhecer a fundo o impacto disso para o meio ambiente, como
será feita a atividade e quais os critérios que terá que obedecer. A
princípio, eu sou contra, porque vai desflorestar uma parte considerável
e vai suprimir mata numa área de intercessão entre o Peset e a Reserva
Ecológica Darcy Ribeiro. Por mais cuidado que haja, sempre tem a
contaminação do solo. Alguns colegas são a favor, alegando que dos males
será o menor, já que outros empreendimentos produziriam impacto ainda
maior. Mas ainda vou analisar toda a situação e só concluirei meu voto
depois da reunião de sexta-feira — diz o ambientalista.
Também membro do conselho consultivo do Peset, representando a
Associação da Comunidade Tradicional do Engenho do Mato (Acotem),
Renatão do Quilombo se diz totalmente contrário à instalação do
cemitério em Várzea das Moças e afirma que já tem seu voto decidido.
— Os impactos de um cemitério naquela área serão enormes. O lençol
freático dessa nossa região não pode sofrer esse tipo de impacto. Aqui
no entorno temos rios e nascentes de grande importância para a cidade.
Acho curioso muitos técnicos da área ambiental criticarem supostos
impactos causados por comunidades tradicionais, que, na verdade só
protegem e preservam o ambiente, mas darem aval a um empreendimento como
esse — contesta o líder do Quilombo do Grotão. — Nossa comunidade quer o
melhor para o parque estadual e para as futuras gerações. Precisamos de
melhoria para o cemitério de Itaipu e os outros cemitérios públicos e
não de mais um cemitério, ainda mais em área de preservação. Vamos votar
contra o licenciamento.
A prefeitura não informou a área total que o cemitério ocupará na zona
de amortecimento do Peset, caso seja licenciado, nem a previsão de
árvores a serem suprimidas e os critérios que serão adotados para a
execução do projeto, que tramita na Diretoria de Licenciamento da
Secretaria municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Sustentabilidade. Em nota, diz ainda que “não emitiu licença ambiental
para a empresa Memorial Campo da Paz Ltda. porque o empreendimento está
localizado em uma unidade de conservação do Peset. A área é limítrofe ao
parque e, portanto, exige o pronunciamento da Diretoria de
Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente
(Inea)”.
O Inea não deu prazo para o parecer sobre o empreendimento. Informa, em
nota, que “o requerimento de anuência foi recebido e será submetido à
análise do conselho gestor do parque antes de uma posição definitiva”. A
equipe de reportagem tentou contato com os responsáveis pela Memorial
Campo da Paz Ltda, mas não obteve resposta.
Fonte: O Globo
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