quarta-feira, 10 de maio de 2017
Ocupação irregular de terras, desmatamento, falta de estrutura e de demarcação são alguns dos problemas.
Ocupação irregular de terras, desmatamento, falta de estrutura e de
demarcação foram alguns dos problemas encontrados, em três anos de
pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em 14 unidades de
Conservação federais de proteção integral, localizadas no bioma Caatinga
brasileira. O Atlas das Caatingas reúne em detalhes informações
fundiárias e da flora de cada uma das áreas estudadas, e virou também
documentário, pré-lançado ontem (9) no Recife.
Um dos biomas brasileiros menos estudados no país, a Caatinga se estende
por dez estados e compreende 10% do território nacional, com 844 mil
quilômetros quadrados. É o único bioma encontrado exclusivamente no
Brasil e é lembrado geralmente pelo visual na época de seca, quando as
árvores perdem as folhas e a mata se torna cinzenta e quebradiça. A
pesquisa mapeou cerca de 1% desse território.
Desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), o estudo foi feito entre dezembro de 2013 e dezembro de 2016. Os
pesquisadores percorreram mais de 22 mil quilômetros nas 14 unidades de
Conservação, todas geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio). Nelas, não é permitida qualquer atividade
econômica ou mesmo o uso sustentável, exceto o turismo e a pesquisa
científica.
Para montar o diagnóstico foram entrevistados todos os chefes das
unidades de Conservação, além de funcionários do ICMBio, moradores da
região, professores que desenvolvem estudos nesses locais, entre outros.
Segundo Neison Freire, pesquisador titular da Fundaj que coordenou a
pesquisa, cada unidade tem problemas específicos, mas a falta de
recursos humanos e financeiros é uma constante e acaba agravando as
dificuldades locais.
Ele cita desde a falta de combustível para veículos de fiscalização até a
indisponibilidade dos próprios carros e da falta de dinheiro para
consertar uma bomba d’água, impedindo que um espaço disponível para
receber alunos e professores de escolas públicas seja utilizado. “Todas
têm problemas de gestão, que não é local. O problema está em nível
federal, na pouca atenção dada a esse bioma, o único exclusivamente
brasileiro”, afirma.
A sociedade também contribui para ameaçar esses espaços protegidos. Como
as unidades de Conservação pesquisadas não podem ter atividade
econômica, as populações que ainda residiam ou tinham alguma atividade
na área, quando elas foram criadas, deveriam ser indenizadas e
remajenadas. Além de comunidades de povos tradicionais, como indígenas e
quilombolas, resistirem à mudança, fazendeiros – incluindo pequenos
proprietários – permanecem nos locais proibidos. “Alguns foram
indenizados e não querem sair e outros estão especulando para ter maior
valorização da terra para se retirar, o que gera muitos problemas para a
gestão e fiscalização das unidades”, informa Freire.
Catimbau e Chapada Diamantina
O maior problema das unidades, segundo o pesquisador, está em
Pernambuco, o Parque Nacional do Catimbau. Ele não tem nem mesmo um
escritório do ICMBio, e a sua demarcação nunca foi feita. Além disso, há
conflitos fundiários, corte de madeira e atividade econômica dentro da
área. Outra unidade onde foram encontrados problemas é um dos cartões
postais brasileiros: O Parque Nacional da Chapada Diamantina.
“Temos, de um lado, o agronegócio, que usa muitos fertilizantes, que vão
contaminar rios e corpos d’água, e, do outro lado, uma especulação
imobiliária muito forte. Em Lençois já começam a surgir favelas. Fora
uma fragmentação das áreas para a construção de pousadas, um negócio que
não é feito pela comunidade local, mas por empresários da parte Sul do
país”.
Apesar das questões negativas, os pesquisadores também citaram “efeitos
não esperados” nas expedições, como a influência do Bolsa Família na
recuperação da fauna do Vale do Catimbau. É que, de acordo com o
pesquisador da Fundaj, a comunidade do entorno costumava caçar as aves
nativas para complementar a alimentação. Com o recurso federal, houve a
redução da caça. “Outro aspecto no Vale do Catimbau são as espécies
introduzidas, como a aroeira. Elas têm alto poder de fogo, lenha, então
as populações passaram a cortar essa espécie, em vez de espécies
endêmicas, próprias da Caatinga, permitindo que essa vegetação se
recuperasse”.
Mais recursos e demarcação de terras
O Atlas das Caatingas inclui recomendações para uma proteção efetiva às
áreas estudadas. Entre as propostas estão a abertura de concurso público
e mais recursos financeiros, conforme explicou Neison Freire. Além
disso, há indicações específicas voltadas a cada problema encontrado nas
unidades. “[É preciso fazer a] demarcação das áreas de forma urgente, a
regularização fundiária para que 100% fiquem em posse da União.
Mapeamentos sistemáticos com o uso de drones, torres de observação,
contratação de brigadistas, principalmente no período seco para combater
incêndios”, sugere.
O analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente, João Seyffarth,
esteve presente no pré-lançamento do filme. Atuante no combate à
desertificação, problema ambiental encontrado na Caatinga com alto grau
de degradação, Seyffarth diz que os recursos arrecadados com a visitação
das áreas protegidas podem ser usados para melhorar a gestão. “A gente
sabe que as unidades de Conservação brasileiras geram muitos recursos,
mas, em geral, eles vão para o Tesouro Nacional. É preciso encontrar uma
maneira para que os recursos gerados sejam usados na gestão das
unidades”, defende.
Instituto responde
Em nota, o ICMBio diz que ainda não teve conhecimento da pesquisa de
modo oficial, portanto não seria possível responder aos questionamentos
em detalhe. “No geral, o instituto tem se esforçado para dotar as
unidades de Conservação federais da Caatinga de todos os instrumentos de
gestão, como planos de manejo, conselhos gestores e estrutura para
abrigar servidores e pesquisadores e receber visitantes”, acrescenta.
Entre as ações, o órgão cita as fiscalizações para coibir crimes
ambientais, ações de educação ambiental para orientar comunidades locais
e um “esforço no sentido de regularizar a situação fundiária”. Sobre a
realização de concurso público para reforçar o número de funcionários
das unidades pesquisadas, o ICMBio respondeu que não há previsão.
Filme e pesquisa na internet
A pesquisa completa está disponível no site da Fundaj, junto com imagens
e mapas produzidos ao longo dos três anos de trabalho. O documentário,
com uma hora de duração e feito com imagens amadoras captadas pela
própria equipe de cientistas, deve ser disponibilizado na página “nos
próximos 30 dias”, segundo Neison. Ele também será exibido em
comunidades e locais pesquisados. As cidades já agendadas são Campina
Grande (PB) e Petrolina (PE).
Fonte: Ciclo Vivo
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