quarta-feira, 28 de junho de 2017

AP/Valor Econômico – EUA, China e Índia elevam a extração de carvão


Por Matthew Brown e Katy Daigle | Associated Press, de Pequim e Nova Déli

Os maiores usuários de carvão do mundo - China, Estados Unidos e Índia - aumentaram a extração do mineral em 2017, numa mudança abrupta em relação à queda global recorde do ano passado na exploração desse combustível altamente poluente, e num retrocesso nos esforços para conter as emissões de gases responsáveis pelas mudanças climáticas.


Dados sobre a mineração analisados pela "Associated Press" mostram que a produção até maio aumentou pelo menos 121 milhões de toneladas, ou 6%, nos três países em comparação a igual período de 2016. A mudança é mais dramática nos EUA, onde a extração de carvão aumentou 19% nos primeiros cinco meses do ano, segundo dados do Departamento de Energia.

O destino do carvão parecia ter atingido um novo ponto baixo há duas semanas, quando a BP informou que a tonelagem extraída no mundo caiu 6,5% em 2016, a maior queda já registrada. China e EUA responderam por quase todo o declínio, enquanto na Índia houve um pequeno aumento.

Segundo especialistas, os motivos da reviravolta deste ano incluem as mudanças de política na China, mudanças nos mercados de energia dos EUA e o contínuo esforço da Índia para fornecer eletricidade às suas populações mais pobres. O papel do presidente Donald Trump de maior estimulador do carvão nos EUA, avaliam, teve um papel pequeno nessa mudança.

A popularidade do combustível caiu nos últimos anos, com o avanço das energias renováveis e do gás natural na China, que ajudou a conter os perigosos níveis de poluição urbana do ar decorrente da queima do carvão.

Se esse retorno do carvão se mostrar duradouro isso terá implicações para as metas de redução de longo prazo e nas esperanças dos ambientalistas de a China e a Índia emergirem como líderes no combate as mudanças climáticas.

A expectativa é de que o retrocesso nos EUA seja temporário, mas analistas concordam que o uso do carvão pela Índia continuará crescendo. Eles estão divididos sobre as previsões para a China ao longo da próxima década.

Representantes da indústria dizem que o retomada no crescimento do carvão reforça seu papel ainda predominante na geração de energia. Mas os analistas alertam que a perspectiva de crescimento para o carvão no longo prazo permanece desanimadora.


EUA, China e Índia produzem juntos cerca de dois terços do carvão extraído no mundo, e as duas últimas nações também importam carvão para atender suas necessidades. A produção da Índia cresceu mesmo durante a retração global do setor carvão.


"Se você olhar para esses três países, todo o resto é irrelevante no plano geral", diz Tim Buckley, diretor do Institute for Energy Economics and Financial Analysis.


A queima de carvão para a geração de energia, indústria manufatureira e aquecimento é uma das principais fontes das emissões de dióxido de carbono, que segundo cientistas vêm provocando mudanças climáticas. A redução dessas emissões era um ponto crítico do Acordo de Paris, firmado em 2015, do qual o presidente Trump anunciou este mês que vai sair.


Quase todas as demais nações continuam apoiando o acordo, incluindo a China e a Índia. Estes dois países, mais os EUA, produzem quase metade das emissões globais responsáveis pelos gases do efeito estufa. O carvão responde por quase metade das emissões do efeito estufa resultantes da queima de combustíveis fósseis, segundo o Global Carbon Project. A China é de longe o país que mais usa o carvão, consumindo metade da oferta global.


A China se comprometeu em limitar suas emissões de gases do efeito estufa até 2030, e há quem sugira que ela poderá conseguir isso uma década antes. Xizhou Zhou, analista de energia da IHS Markit, em Pequim, diz que a alta recente na produção de carvão lança dúvidas sobre esse otimismo, mas acrescenta que a China ainda deverá cumprir com a meta estabelecida para 2030.

"O consumo de carvão continuará aumentando, conduzido principalmente pelos países asiáticos", diz Zhou. "Estamos vendo o começo de uma recuperação neste ano e veremos um aumento até a metade da década de 2020, antes de chegarmos numa estabilização global do consumo de carvão."

A produção da China cresceu mais de 4% até maio, segundo dados do governo, em comparação a uma queda de mais de 8% no mesmo período do ano passado. Centenas de minas foram fechadas na China no ano passado e o governo forçou outras a reduzir as horas de trabalho numa tentativa de diminuir um excesso de oferta de carvão e estimular os preços. Desde então, o governo relaxou essa política e a produção está reagindo.

Além disso, com a China se recuperando de uma desaceleração econômica em 2015, o país registra um aumento nos investimentos no setor industrial, em rodovias, pontes e outros projetos. Isso cria mais demanda por eletricidade, a maior parte da qual ainda é gerada pela queima de carvão, mesmo depois dos enormes investimentos da China em energia eólica e solar.

Apesar do anunciado cancelamento ou suspensão da construção de cem usinas de carvão, outras continuam em construção, o que significa que o consumo de carvão para gerar energia continuará em alta, diz Zhou. Indonésia, Malásia, Vietnã e Paquistão também estão erguendo novas usinas.

Na Índia, onde 70% da eletricidade vem do carvão, a produção há muito vem crescendo e desafiando a tendência global. O país argumenta que tem o direito e a obrigação de ampliar a geração de energia enquanto amplia o acesso à eletricidade para centenas de milhões de pessoas que ainda carecem dela. A Índia também está tentando reduzir sua dependência do carvão importado com a exploração de suas próprias reservas.

Uma análise feita pela AP dos relatórios do Ministério do Carvão da Índia, constatou que a exploração pelas companhias estatais, que respondem pela grande maioria da produção do país, cresceu 4% nos primeiros cinco meses do ano.

Nos EUA, a maior parte do aumento ocorreu nos grandes estados produtores de carvão como Wyoming, Pensilvânia e Virgínia Ocidental.

A alta dos preços do gás natural - um concorrente na geração de energia - no começo do ano ajudou o carvão, segundo Andy Roberts, da firma de consultoria Wood Mackenzie. Mas acredita-se que isso será temporário em razão dos grande oferta de gás natural que o país possui. Um inverno particularmente frio em partes dos EUA também beneficiou o carvão ao aumentar a demanda por energia.

Benjamin Sporton, executivo-chefe da Associação Mundial de Carvão, reconhece que "tem sido uns anos difíceis para o carvão", mas ele observou que o mercado permanece forte, em particular na China e Índia. "Todos os sinais apontam para uma tendência positiva de alta."

Apesar disso, o papel do carvão no fornecimento de eletricidade também vem caindo nesses países. A China hoje usa mais energias renováveis do que qualquer outra nação. Os líderes do Partido Comunista prometeram investir US$ 360 bilhões no setor até 2020.

O governo da Índia disse que não precisa mais de usinas geradoras de eletricidade movidas a carvão e, no mês passado, cancelou a construção de usinas que gerariam 13,7 gigawatts, o suficiente para atender mais de dez milhões de residências. A Índia vem promovendo as fontes renováveis com uma série de incentivos e declarou que a energia gerada por algumas instalações solares deverá ser usada quando houver um aumento na demanda.

Segundo analistas, a Índia está tentando se ajustar ao que parece ser um "novo normal": no qual o crescimento da capacidade de geração de eletricidade supera o ritmo de aumento na demanda. A produção manufatureira não está crescendo tão rapidamente quanto se esperava e, embora o ritmo de construção das linhas de transmissão se mantenha firme, cerca de 260 milhões de indianos ainda não têm acesso à energia elétrica.

Como resultado, as usinas geradoras de energia do país estão operando com menos de 60% da capacidade instalada, na média. Em 2009, a Índia estava usando 75% de sua capacidade.

"O setor privado não está desenvolvendo nenhum novo investimento em usina térmica", como as de carvão, disse Ashok Khurana, diretor-geral da Associação de Produtores de Energia na Índia. "Não tem sentido nisso."

O argumento de Trump para estimular a indústria do carvão é uma exceção entre os três maiores consumidores do mundo. Apesar disso, a recuperação do carvão nos EUA poderá ser a mais breve.

O gás natural barato, um crescente interesse por energia renovável e legislações mais rígidas contra a poluição levaram as produtoras de energia a fechar ou anunciar o aposentadoria de várias centenas de usinas de carvão. É pouco provável que as companhias de energia dos EUA, que investiram pesadamente em fontes alternativas, voltem ao carvão, avalia Roberts, da Wood Mackenzie. Isso significa, segundo ele, que as forças do mercado - e não as políticas de Trump - que terão maior peso em determinar o futuro da indústria.

Buckley, o especialista em finanças energéticas, acredita que o aumento na exploração de carvão de 2017 acabará sendo uma anomalia e que a tendência de declínio global será retomada. Mas ele observa que muitas usinas movidas a carvão continuarão operando nos próximos anos. "Não estamos falando no fim do carvão amanhã, ou do fim do carvão na próxima década. Estamos falando em uma transição de cerca de 40 anos."

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