quarta-feira, 13 de setembro de 2017
O que ainda precisamos perder para nos preocuparmos com o Cerrado?
O Cerrado é o bioma brasileiro mais desmatado no Brasil, superando em duas vezes o índice de desmatamento da Amazônia. Segundo dados recém-lançados pelo Ministério do Meio Ambiente, o Cerrado perde quase 1 milhão de hectares de vegetação nativa por ano. Se esse ritmo alarmante se mantiver, haverá, até 2050, o maior processo de extinção de espécies já registrado na história da ciência global, com perdas três vezes maiores do que as já registradas desde 1500.
Uma de cada quatro espécies de fauna que estão ameaçadas de extinção vive no Cerrado, o que significa que um total de 137 espécies estão em risco de desaparecer. Mesmo que paremos o desmatamento hoje, mais de 50% do bioma já foi dizimado e o que resta está comprometido pela expansão da nova fronteira agrícola nos estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia. Conhecida como Matopiba, essa é uma das poucas regiões que ainda concentram grande quantidade de vegetação nativa preservada.
A degradação do bioma não significa apenas extinção de espécies, pela fragmentação e falta de conectividade entre as áreas de remanescentes florestais – tanto espécies vegetais quanto animais dependem dessas conexões e das trocas genéticas que a conectividade possibilita para garantir a viabilidade de importantes populações na região –, significa também aumento nas emissões de gases de efeito estufa do país, o exaurimento de um modelo produtivo insustentável e ameaças a comunidades tradicionais e indígenas associadas.
Os impactos dessa devastação já estão evidentes na falta de água em Brasília, nas estiagens e secas mais severas como no caso da região do Matopiba, que apresentou queda de 30% na safra de grãos de 2015-2016, na escassez hídrica desde 2013 na região do São Francisco, fazendo com que os reservatórios das hidrelétricas chegassem aos menores índices da história, afetando a vida de nove em cada dez brasileiros que consomem eletricidade produzida com águas do Cerrado.
Nem parece que estamos falando do Cerrado, berço das águas, considerado a caixa-d'água do Brasil. No bioma nascem as principais bacias do país, que vertem as águas que alimentam as bacias do São Francisco, do Tocantins-Araguaia, do Paraná e Paraguai – esta última, tão importante para a vida no Pantanal.
Diante dessa situação, é urgente buscar uma série de soluções que precisam ser adotadas por toda a sociedade, pelos governos e pelo setor privado. Ações como o uso de pastagens degradadas para expansão dos plantios de oleaginosas e eucalipto, adoção da rastreabilidade das cadeias produtivas do agronegócio e acordos setoriais evitando o consumo de produtos advindos do desmatamento no Cerrado.
Mais do que isso, é fundamental criar programas de monitoramento periódico do desmatamento, a exemplo do Prodes-Cerrado, a fim de informar a taxa de perda de vegetação anual, ajudando na prevenção e combate do desmatamento e no fortalecimento de políticas de financiamento para recuperação de áreas de Cerrado em propriedades privadas, buscando atender aos passivos ambientais em conformidade com o Novo Código Florestal.
Faz-se necessário, ainda, o cumprimento das metas de Aichi da Convenção da Diversidade Biológica, em que o Brasil é signatário e prevê que 17% das zonas terrestres e de águas continentais devem estar protegidas por lei, já que no Cerrado o percentual de áreas protegidas é de apenas 7,73%, sendo que na categoria de proteção integral o índice é de míseros 2,89%. É urgente, também, aprovar um marco legal de proteção do bioma, caso da aprovação da PEC 504/2010, que trata de incluir na Constituição Federal o Cerrado e a Caatinga como patrimônio nacional, e do PL 25/2015, que dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do bioma.
Precisamos de um grande pacto contra a destruição do Cerrado, do contrário, em alguns anos, restará muito pouco desse bioma tão precioso. Está na hora de assumir que a agropecuária só pode se expandir sob pastos degradados e não sob ecossistemas naturais, ou seja, estabelecer um pacto pelo desmatamento zero no bioma, de modo que possamos salvar o Cerrado e fazer algo de concreto em prol do uso inteligente e sustentável. É o momento de a sociedade brasileira fazer uma escolha. Estamos atrasados.
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