Datas comemorativas, como o Dia Mundial dos Rios, celebrado no último dia 24, sempre chamam nossa atenção. Costumam ser motivo de alegria, de enaltecimento. Entretanto, ultimamente não temos muito o que celebrar. Em nome do desenvolvimento, adotamos medidas irresponsáveis com relação às nossas águas e, infelizmente, a situação dos rios brasileiros não merece exaltação, mas sim um pedido de perdão.
Devemos às nossas águas, desculpas pelo que temos feito até agora: captação mal planejada para irrigação e abastecimento, rios contaminados por dejetos industriais e pela falta de saneamento básico. Sem falar no desmatamento das matas ciliares e no descaso com medidas de proteção, como a preservação da vegetação no entorno de nascentes e cursos d’água. A construção irresponsável de barragens, hidrelétricas e hidrovias é cada vez mais frequente. Esses barramentos impedem o ciclo natural de nutrientes nos rios, a procriação e migração de peixes e outras espécies, alteram o volume, a qualidade e as oscilações naturais da água e geram diversos impactos nas comunidades ribeirinhas - realocações e desalojamento, mudanças de hábitos seculares de alimentação e de caça e pesca.
O que temos feito pelos nossos rios, em nome do desenvolvimento, questiona nossa própria capacidade de sobrevivência, já que dependemos totalmente deles. Isso porque 61% da água que sai das torneiras e chuveiros das nossas casas vêm dos rios, 66% da energia consumida no país é gerada pela força dos rios e 70% da água consumida no país vai para a produção agrícola.
No nosso país, restam poucos rios livres, aqueles que preservam sua capacidade de fluir sem grandes impedimentos causados pelo homem, preservando suas características de qualidade e quantidade de água e provendo serviços ambientais. Um dos grandes rios brasileiros, o Rio Paraguai, se pudesse ser personificado, afirmaria no dia de hoje a plenos pulmões que envelhecer é um privilégio, mas que essa corrida, que já dura milhões de anos, parece ter se tornado uma contagem regressiva. A cada dia que passa ele é menos livre.
Seus mais de 2.600 km de comprimento estão sendo pouco a pouco estrangulados por barramentos para diversos fins, mas principalmente, hidrelétricas que se instalam em seus afluentes. Já são mais de 40 construídas e mais de 101 projetadas. Esses empreendimentos alteram o fluxo e a qualidade da água e, principalmente, criam conflitos. Hoje já são aproximadamente 20 cursos d’água interrompidos por hidrelétricas. Se todas as 101 que estão planejadas forem instaladas, mais de 45 afluentes do rio Paraguai terão seu fluxo alterado, impactando diretamente a vida no Pantanal.
A Hidrovia do rio Paraguai, que está sendo planejada, também causará grandes impactos, afetando milhões de pessoas. O estudo de viabilidade técnica-econômica e ambiental encomendado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) indica que a navegabilidade do rio Cuiabá (afluente do rio Paraguai) já está comprometida pela hidroelétrica do Manso, inviabilizando sua integração ao projeto. Esse tipo de embate, o de decidir entre a hidrovia e a geração de energia elétrica tende a se intensificar, principalmente quando há de se decidir entre as grandes captações para irrigação e a necessidade de abastecimento humano.
Pôr do sol no Rio Paraguai em Cáceres, Mato Grosso.
Certamente o exemplo do nosso querido rio Paraguai serve para tantos outros no país. Se um dia houve um conflito entre preservação e desenvolvimento, hoje já não temos mais tempo para esse tipo de embate. Urge que empresas, cidades, produtores rurais e toda a sociedade estejam engajadas e unidas por uma gestão compartilhada do território, onde a bacia hidrográfica é a unidade de manejo e planejamento.
Devemos enxergar o valor dos serviços ambientais providos por nossos rios e agregar esse valor às análises de viabilidade econômica, técnica e ambiental de grandes projetos. E principalmente, é necessário reverter a lógica atual de executar ações de recuperação e conservação somente após a degradação. Se quisermos que o Dia Mundial dos Rios seja uma data comemorativa, e não uma contagem regressiva, devemos agir agora. Estamos atrasados.
Júlio César Sampaio, coordenador do Programa Cerrado Pantanal do WWF-Brasil
Cássio Bernardino, analista de conservação do Programa Cerrado Pantanal do WWF-Brasil
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