ANA CAROLINA AMARAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O
presidente da França, Emmanuel Macron, promoveu nesta terça-feira (12)
uma cúpula para celebrar os dois anos da assinatura do Acordo de Paris e
colocar o dedo na ferida da discussão mais desafiadora sobre o clima:
como financiar a transição para uma economia de baixo carbono, mais
verde.
Com
a presença de chefes de Estado da Europa e da África próximos à
diplomacia francesa, um membro do alto escalão do governo chinês, além
de personalidades e uma delegação americana com figuras como Arnold
Schwarzenegger, o atual governador da Califórnia Jerry Brown e o
ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, o evento apostou em uma
mensagem política que desafia a posição americana de abandonar o Acordo
de Paris e coloca a França como protagonista das questões climáticas.
(No
entanto, a ausência da chanceler alemã Angela Merkel, vista como
parceira no protagonismo climático, foi estranhada pelos presentes.)
Entre
as dezenas de anúncios empolgantes, porém pouco explícitos, estão
fundos de adaptação ao clima e de compensação por desastres climáticos
regionais, investimentos em tecnologias e negócios de baixo carbono.
Um
anúncio do Banco Mundial empolgou analistas por sua concretude: a
organização se comprometeu a atribuir um preço (taxa) de US$ 40 por
tonelada de carbono emitida nas atividades que financia.
A
medida, conhecida como precificação de carbono, visa desencorajar
economicamente as emissões das atividades econômicas. Porém, a solução é
vista como polêmica por encarecer economias dependentes de fontes
fósseis.
PRECIFICAÇÃO POSITIVA
Como
alternativa à taxação, o governo francês está considerando a
"precificação positiva" de carbono, que incentiva as atividades que
reduzem as emissões de carbono ou o capturam, como negócios do setor
florestal e de energias renováveis.
Há
um mês, a presidência francesa encomendou um estudo a um grupo de
renomados economistas (entre eles o Jean Charles Hourcade e Dispak
Dasgupta), conselheiro do Fundo Verde do Clima.
O grupo deve entregar no primeiro semestre de 2018 uma proposta para alavancar a precificação positiva.
A
reportagem da Folha teve acesso à primeira versão da proposta, que
reúne argumentos e recomendações para alavancar um mercado de incentivos
à economia de baixo carbono.
A
proposta atribui valor financeiro à redução de emissões, criando para
isso Certificados de Redução de Emissões, que valeriam como uma nova
moeda, podendo ser negociados no mercado de ações.
Para
funcionar, a nova moeda dependeria de um "fundo garantidor" estatal,
uma espécie de fiador que daria credibilidade ao novo mercado.
Entusiastas
da precificação positiva se reuniram durante a cúpula de Macron e
criaram a Aliança 108, em alusão ao artigo 108 do Acordo de Paris, que
"reconhece o valor social e econômico das reduções de emissão de
carbono".
Um
dos membros da aliança é o secretário-executivo do Fórum Brasileiro de
Mudança do Clima, Alfredo Sirkis. Para ele, a vantagem da precificação
positiva é atuar como um incentivo em vez de uma punição. "Taxar a
emissão de carbono é usar um chicote, mas também precisamos dar a
cenoura, para encorajar a redução de emissões", compara.
Uma
vez criados, os títulos de redução de emissões devem valorizar, na
avaliação de Sirkis, pois têm valor intrínseco. "A redução de emissões é
imperativa para evitarmos uma catástrofe global, com prejuízos da ordem
de trilhões", enfatiza.
"Ousada
e radical, a proposta tem uma execução complicada", avalia o economista
da USP, José Eli da Veiga. Ele alerta que a solução só funcionaria
através de um acordo global –"no mínimo, entre os países do G-20", diz.
Como
cria uma nova moeda ao atrelar valor financeiro às reduções de emissões
de carbono, a proposta aventada pelo grupo ligado a Emmanuel Macron
"dependeria de um acerto entre os Bancos Centrais dos países e aí a
discussão precisa chegar no nível do Fundo Monetário Internacional, que é
a instituição que dialoga com esses bancos", avalia o José Eli da
Veiga, professor da USP.
Para
resolver esse desafio, a primeira proposta enviada ao governo de Macron
pela Aliança 108 sugere um "Clube das Finanças Climáticas", reunindo os
atores globais dispostos a investir no incentivo da precificação
positiva.
O clube seria uma forma de alavancar as finanças climáticas –emperradas nas negociações diplomáticas da ONU.
Ainda
no encontro dessa terça, Macron anunciou uma articulação entre fundos
soberanos de países europeus e também entre 23 bancos de desenvolvimento
para alavancar recursos para financiamento climático. Para Sirkis, os
dois anúncios dão pistas de que há disposição para reunir instituições
financeiras em um clube global.
BRASIL
Os
representantes brasileiros que atenderam ao evento em Paris já se
manifestaram a favor da precificação positiva. O ministro do Meio
Ambiente Sarney Filho discursou no encontro e defendeu o incentivo.
Reconhecido
nas Conferências do Clima como potência verde –pela cobertura florestal
e pelo potencial no uso de energia limpa–, o Brasil é visto como um
potencial beneficiário da "precificação positiva". O país, no entanto,
aumentou suas emissões de carbono nos últimos anos, com alta do
desmatamento e maior participação de fontes fósseis na matriz
energética.
A cúpula chamada por Macron também foi vista por atores internacionais como um complemento necessário à COP do Clima, da ONU.
Para
Eli da Veiga, Macron acerta ao trazer as finanças para o centro do
debate. Na avaliação de Sirkis, "a COP precisa manter aquele tom sóbrio
típico da diplomacia, enquanto Macron puxou um tom mais político e
urgente" –o presidente francês abriu o encontro anunciando que "estamos
perdendo a corrida contra as mudanças climáticas".
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