- domingo, 23 abril 2017 23:57
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No curso de “economia da gestão de recursos naturais“, aprendi a estimar custos e benefícios de projetos. Porém, é inviável estimar em termos monetários todos os custos e benefícios. Por exemplo, podemos estimar que uma hidrelétrica gerará “x” milhões de receita. Mas é impossível estimar o valor das “y” espécies que serão extintas pelo alagamento de um ecossistema único e do sofrimento dos índios que terão seus cemitérios alagados e das pessoas que serão deslocadas. O curso “métodos quantitativos para tomada de decisão” foi mais iluminador do que a economia.
Aprendi técnicas que permitem organizar e comparar muitas variáveis além das financeiras. No caso da hidrelétrica, eu poderia comparar “x” de receita gerada, as perdas de “x” espécies extintas, “y” pessoas a serem deslocadas, “z” cemitérios e terras indígenas inundados. Mas os programas e cálculos matemáticos não decidem a relevância dessas variáveis. Eles criam um meio para o gestor revelar suas preferências, seus valores. O gestor decidirá se constrói ou não a hidrelétrica que alaga as terras indígenas e extingue espécies e desloca pessoas.
Aprendi sobre valores no curso “fundamentos de gestão e política de recursos naturais". As necessidades básicas e a visão de mundo influenciam o que valorizamos, incluindo bem-estar, riqueza, poder, respeito, reputação, sabedoria e a afeição.
Seguindo no exemplo da hidrelétrica, se o gestor despreza os índios e outras espécies, construirá a obra em troca de votos de eleitores insensíveis para se manter no poder. Para deslegitimar os protestos dos índios e seus defensores, ele provavelmente usará a propaganda para mostrar como a obra trará desenvolvimento econômico e bem-estar para os eleitores. Disseminará que os índios são ignorantes, indolentes e, portanto, indignos de afeição e respeito da população dominante.
“Se o gestor acredita que os peixes e os
índios valem mais do que dinheiro e poder, ele não construirá a
hidrelétrica. Ele ou ela buscarão uma alternativa, que pode até custar
mais
O professor de “modelagem de política“, um gênio oriundo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), também ilustrou a relevância dos valores. Durante o curso, ele mostrou a aplicação de matemática para o desenho e avaliação de políticas. Mas em sua última aula, intitulada a politicagem da modelagem de política, ele deixou os números de lado para contar que deputados americanos ficaram furiosos com o estudo dele que provou que distribuir seringas novas para usuários de drogas reduzia a disseminação de Aids. O trabalho era tão brilhante que ele ganhou um prêmio.
Mas os deputados o convocaram para uma audiência pública e depois contrataram outros matemáticos para avaliar o estudo. Os revisores concluíram que a análise estava correta. Mas os políticos conservadores continuaram resistentes a adoção da abordagem. Eles achavam que viciados eram inúteis e pecadores e, portanto, mereciam o castigo da Aids. A pesquisa salvava vidas que os deputados não queriam salvar.
Os valores também determinam que problemas o gestor enxerga e quer resolver. Morar nos EUA durante o mestrado me permitiu refletir mais sobre o Brasil. Das observações diretas e leituras concluí que o maior problema brasileiro é a desigualdade social, que é uma das maiores do mundo. A desigualdade aumenta a violência, a depressão, a desconfiança e a desagregação social, entre outras mazelas.
No livro Uma História do Brasil, Thomas E. Skidmore aponta duas causas fundamentais da desigualdade no país. A distribuição de terra por meio das sesmarias e outras formas gerou concentração fundiária. A escravidão prolongada e a falta de investimentos nos negros libertos deixou uma enorme população vulnerável e sem posses. Os índios perderam terras ou foram expulsos para terras menos férteis. Decisões tão antigas ainda deixam suas marcas.
A concentração fundiária ainda é alta e as diferenças de educação e saúde entre negros e brancos são enormes.
Se o país acreditar no mito do gestor, correremos o risco de empobrecer o debate nas próximas eleições. Além das habilidades de gestão, devemos perguntar que valores os candidatos usarão para governar e refletir se o Brasil será mais justo a partir destes valores.
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