segunda-feira, 24 de abril de 2017

‘Mito do gestor’ empobrecerá debate político nas eleições de 2018

Por Paulo Barreto
Foto: Arquivo/Agência Brasil.
Foto: Arquivo/Agência Brasil.

Eu não sou um político. Sou um gestor”. Esse é um dos chavões de alguns dos novos políticos que querem se diferenciar do lamaçal da política brasileira. Embutido nele está a ideia de que o gestor é eficiente e objetivo – a gestão tem a resposta certa. Eu acreditava no mito do gestor como a solução definitiva dos problemas. Porém, ao fazer mestrado na Universidade de Yale aprendi que mais importante do que os métodos de gestão, são os valores que orientam as decisões. Precisamos discutir que valores devem orientar o Brasil. Conto aqui como desmistifiquei o mito do gestor e o que aprendi sobre valores.

No curso de “economia da gestão de recursos naturais“, aprendi a estimar custos e benefícios de projetos. Porém, é inviável estimar em termos monetários todos os custos e benefícios. Por exemplo, podemos estimar que uma hidrelétrica gerará “x” milhões de receita. Mas é impossível estimar o valor das “y” espécies que serão extintas pelo alagamento de um ecossistema único e do sofrimento dos índios que terão seus cemitérios alagados e das pessoas que serão deslocadas. O curso “métodos quantitativos para tomada de decisão” foi mais iluminador do que a economia.


Aprendi técnicas que permitem organizar e comparar muitas variáveis além das financeiras. No caso da hidrelétrica, eu poderia comparar “x” de receita gerada, as perdas de “x” espécies extintas, “y” pessoas a serem deslocadas, “z” cemitérios e terras indígenas inundados. Mas os programas e cálculos matemáticos não decidem a relevância dessas variáveis. Eles criam um meio para o gestor revelar suas preferências, seus valores. O gestor decidirá se constrói ou não a hidrelétrica que alaga as terras indígenas e extingue espécies e desloca pessoas.


Aprendi sobre valores no curso “fundamentos de gestão e política de recursos naturais". As necessidades básicas e a visão de mundo influenciam o que valorizamos, incluindo bem-estar, riqueza, poder, respeito, reputação, sabedoria e a afeição.


Seguindo no exemplo da hidrelétrica, se o gestor despreza os índios e outras espécies, construirá a obra em troca de votos de eleitores insensíveis para se manter no poder. Para deslegitimar os protestos dos índios e seus defensores, ele provavelmente usará a propaganda para mostrar como a obra trará desenvolvimento econômico e bem-estar para os eleitores. Disseminará que os índios são ignorantes, indolentes e, portanto, indignos de afeição e respeito da população dominante.


“Se o gestor acredita que os peixes e os índios valem mais do que dinheiro e poder, ele não construirá a hidrelétrica. Ele ou ela buscarão uma alternativa, que pode até custar mais
Se o gestor acredita que os peixes e os índios valem mais do que dinheiro e poder, ele não construirá a hidrelétrica. Ele ou ela buscarão uma alternativa, que pode até custar mais. Ele explicará para seus eleitores, por exemplo, que seria indigno destruir um povo e seu conhecimento para ter energia mais barata.


O professor de “modelagem de política“, um gênio oriundo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), também ilustrou a relevância dos valores. Durante o curso, ele mostrou a aplicação de matemática para o desenho e avaliação de políticas. Mas em sua última aula, intitulada a politicagem da modelagem de política, ele deixou os números de lado para contar que deputados americanos ficaram furiosos com o estudo dele que provou que distribuir seringas novas para usuários de drogas reduzia a disseminação de Aids. O trabalho era tão brilhante que ele ganhou um prêmio.


Mas os deputados o convocaram para uma audiência pública e depois contrataram outros matemáticos para avaliar o estudo. Os revisores concluíram que a análise estava correta. Mas os políticos conservadores continuaram resistentes a adoção da abordagem. Eles achavam que viciados eram inúteis e pecadores e, portanto, mereciam o castigo da Aids. A pesquisa salvava vidas que os deputados não queriam salvar.

Os valores também determinam que problemas o gestor enxerga e quer resolver. Morar nos EUA durante o mestrado me permitiu refletir mais sobre o Brasil. Das observações diretas e leituras concluí que o maior problema brasileiro é a desigualdade social, que é uma das maiores do mundo. A desigualdade aumenta a violência, a depressão, a desconfiança e a desagregação social, entre outras mazelas.

No livro Uma História do Brasil, Thomas E. Skidmore aponta duas causas fundamentais da desigualdade no país. A distribuição de terra por meio das sesmarias e outras formas gerou concentração fundiária. A escravidão prolongada e a falta de investimentos nos negros libertos deixou uma enorme população vulnerável e sem posses. Os índios perderam terras ou foram expulsos para terras menos férteis. Decisões tão antigas ainda deixam suas marcas.


A concentração fundiária ainda é alta e as diferenças de educação e saúde entre negros e brancos são enormes.


Se o país acreditar no mito do gestor, correremos o risco de empobrecer o debate nas próximas eleições. Além das habilidades de gestão, devemos perguntar que valores os candidatos usarão para governar e refletir se o Brasil será mais justo a partir destes valores.

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