- Sexta-feira, 02/02/2018, às 22:09, por Amelia Gonzalez
“As tecnologias de emissões negativas são muito
interessantes, mas não são uma alternativa para redução rápida de emissões de
CO2”. A frase foi dita pelo professor John Shepherd, da Universidade
de Southampton, no Reino Unido, um dos autores do estudo divulgado nesta
quinta-feira (1º) pelo Conselho Consultivo de Ciências das Academias
Europeias (Easac, na sigla em inglês), mostrando que as tecnologias não são uma
bala de prata contra os efeitos do aquecimento no planeta, como muitos esperam.
O Easac assessora a União Europeia e é formado pelas academias científicas
nacionais dos 28 estados membros.
Não vai funcionar, é simples assim. E, o que é pior: as
tecnologias sugeridas pelos cientistas do Painel Intergovernamental das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) podem causar
ainda mais aquecimento. O IPCC calcula
que cerca de 12 bilhões de toneladas precisarão ser capturadas, anualmente, e
armazenadas após 2050 - o equivalente a cerca de um terço de todas as emissões
globais hoje.
Para se ter uma ideia, o relatório avalia uma variedade de
tecnologias possíveis, incluindo a "bioenergia com captura e armazenamento
de carbono" (BECCS), na qual os cientistas do IPCC apostam quase todas as
fichas. Trata-se de uma técnica que consiste em plantar árvores que absorvem
CO2 da atmosfera e depois queimá-las para produzir eletricidade, enquanto os
gases são capturados e enterrados. Parece um processo complexo, e é. O diretor
do programa do Easac, e outro autor do relatório, Michael Norton, disse ao
jornal “The Guardian” que a técnica tem problemas:
“Tem que ter territórios muito extensos e poderia haver uma
extinção em massa de animais selvagens”, avisa ele. Faz sentido, já que a ideia
é criar florestas e mais florestas com um único tipo de árvore. E a
monocultura, como dizem os
ambientalistas e estudiosos sobre o assunto, não é amiga da biodiversidade.
No relatório do Conselho, os cientistas atestam algo que há
algum tempo preocupava apenas os ecossocioeconomistas. São estudiosos que
enxergam nas tecnologias de captura de carbono um outro viés, como práticas
muito caras, que não podem ser adotadas por países pobres. Tais práticas poderiam
aumentar ainda mais o fosso já profundo entre os pobres e os ricos. O Acordo de
Paris prevê que os países desenvolvidos invistam 100 bilhões de dólares por ano
em medidas de combate à mudança do clima e em adaptação nos países pobres. Mas
ainda é grande a distância entre o que é exigência oficial, não obrigatória,
e o que, de fato, será feito.
Busquei algum exemplo bem-sucedido de técnicas de emissões
negativas no mundo e encontrei o caso de uma usina de energia em Hellisheiði, na Islândia. A planta produz
apenas cerca de um terço do carbono que uma planta de carvão tradicional seria
– mas mais do que o que ele emite é capturado e armazenado no subsolo. Para isso, ela tem uma parede de ventiladores
que filtra o CO2 e o injeta na água que é, então, bombeada para o chão, onde se torna pedra.
É um processo até simples, esclarecem os pesquisadores. Mas
tem um problema de difícil solução: é caro.
Já que é assim, por que não respeitar, portanto, práticas e técnicas que
não envolvem custos astronômicos e que exercem a mesma função?
Pesquisei algo nesse sentido e encontrei um estudo realizado
por pesquisadores da Universidade da Guiana, na França, em parceria com órgãos
brasileiros e peruanos como o Instituto de Investigações da Amazônia Peruana e
a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A pesquisa avaliou, durante dez anos (entre
2002 e 2012), as mudanças em áreas de florestas não desmatadas e áreas que
sofreram corte seletivo. Os pesquisadores analisaram mais de 113 áreas de
floresta permanente e 13 áreas afetadas experimentalmente, em diferentes
regiões da Amazônia. Após a análise dos dados, observou-se que, ao longo da primeira
década após o corte, as árvores mais velhas que sobrevivem à motosserra absorvem
mais CO2 do que as mais novas.
Segundo a pesquisa, de 1999 a 2002 a extensão da
exploração madeireira seletiva na Amazônia brasileira foi equivalente
ao desmatamento no mesmo período. A situação resultou em emissões de
mais de 90 milhões de toneladas de carbono por ano, que aumentaram as emissões
antropogênicas de carbono em 25% em relação ao desmatamento sozinho.
Chama-se a esta prática de manejo florestal, muito usada
também pelos indígenas, povos tradicionais que poderiam dar sugestões bem possíveis
para os cientistas que tentam achar soluções mirabolantes para o aquecimento
global. A prática de manejo das capoeiras, retirando árvores mais velhas ou
mesmo algumas novas, mas crescidas,
respeitando seu tempo de dispersar as sementes na terra, é barata. Dá mais
trabalho, exige maior contato com o meio ambiente.
Os indígenas têm muito a compartilhar sobre esta e outras
práticas. Basta incluí-los, assim como a todos os outros povos que precisam da
floresta, nas mesas de negociações e debates. Isto não é feito porque há um
descrédito arraigado. Wolfgang Sachs,
ambientalista alemão que organizou o livro “The Development Dictionary” (Ed. Z,
ainda sem tradução no Brasil) , chama de ecocracia o discurso daqueles que
acreditam no casamento entre meio ambiente e desenvolvimento sem se preocupar
em reconsiderar a lógica do produtivismo “que está na raiz das dificuldades
ecológicas que o planeta está atravessando”.
“Esta crença reduz a ecologia a um conjunto de estratégias
gerenciais de eficiência de recursos e gerenciamento de riscos. Trata como se
fosse um problema de tecnologia o que, de fato, não passa de um impasse
civilizatório”, escreve ele.
Neste cenário, as sociedades que não escolheram investir
toda a sua energia em produção acabam se tornando inaceitáveis para o Ocidente.
A percepção ecocrática torna-se cega à diversidade fora da economia do
Ocidente.
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