Se pudesse, aquele
pobre urso usado pelos russos para entregar a bola ao árbitro antes do
confronto entre Angusht e Mashuk, dois times de terceira divisão, na cidade de
Piatygorsk, estaria reagindo à altura de sua capacidade. Mas não podia.
Amordaçado numa focinheira, treinado sabe-se lá com quais métodos, ele fez
direitinho o papel de bobo da corte. Só que, como sabemos muito bem aqueles que
estudamos o tema, somos sensíveis às raças e nos interessamos pela preservação
da biodiversidade, os bobos é que estavam aplaudindo.
Sim, eu sei. As opiniões são divididas. Tem quem argumente,
dizendo que é hipocrisia criticar o show dos russos se os humanos montam em
cavalos, confinam cachorros e comem bois. Mas tem também que perceba no teatro
do urso russo uma ótima oportunidade para se debater a maneira estúpida com que
os humanos tratam os animais em geral. Estou entre esses.
"Além de ser desumano e totalmente fora de alcance,
usar um urso como servo cativo para entregar uma bola é absolutamente
perigoso", disse Elisa Allen, diretora da organização mundial People for
the Ethical Treatment of Animals (Peta) ao site da BBC.
O urso é um animal símbolo da Rússia, o que talvez tenha
motivado o uso do bicho na abertura de um jogo. Segundo algumas informações
ainda não confirmadas, a ideia é levar Tim, o nome do urso, para a abertura da
Copa do Mundo que vai acontecer naquele país a partir do dia 14 de junho. Mas é
justamente pelo fato de ser um animal símbolo do país que o uso dele como um
troféu vivo é desumano e sem sentido, acrescenta Elisa Allen:
“O urso é o símbolo da Rússia, por isso esperamos que o povo
do país mostre alguma compaixão e orgulho nacional e pare de abusar deles”,
disse ela.
Estar acorrentado, amordaçado e forçado a realizar atitudes
que não tem o hábito de realizar pode causar estresse a qualquer animal,
segundo lembrou Brian de Cal, diretor de outra ONG, a Four Paws UK. A
declaração dele me fez lembrar o triste caso da onça Juma, que em 2016 se
tornou mascote do Centro de Instrução de Guerra na Selva, levada para
a cerimônia de tocha das Olimpíadas. Depois do evento, que a deixou
estressada, a onça reagiu como reage um animal selvagem: avançou sobre um
veterinário. Doparam-na e mataram-na. Um ser vivo morto para deleite e gáudio
dos humanos, como muitas outras infinitas vezes já aconteceu.
Yuval Noah Harari, pesquisador que nos brindou com uma obra
extensa sobre a história da humanidade – “Sapiens” (Ed. L&PM) – alerta: é um crime bárbaro a
maneira como os humanos lidam com os animais, julgando que estes são seres
inferiores. Não são. Cientistas já fizeram pesquisas e descobriram que vacas,
galinhas, porcos, e até ursos têm sensações, percepções, podem sentir dor,
podem sentir medo, podem sentir amor.Com esta informação, fico pensando: o que
Tim pensou naqueles momentos em que foi apresentado como um pobre tolo a fazer
gestos que não são seus, a tocar uma bola que, para ele, nada representa?
Logo depois de a cena ganhar o mundo via internet, começaram
a surgir os primeiros comentários dos ativistas ambientais, condenando o uso do
animal. Muitos lembraram que as pessoas que estavam em volta de Tim correram um
sério risco, já que se trata, como todos nós sabemos, de um bicho selvagem e
feroz. A menos que, como não é incomum no país, segundo a Peta, eles tenham
arrancado as garras e os dentes do animal.
“Espancamentos, choques elétricos e privação de comida são
métodos usados pelos tratadores russos para fazer com que os ursos realizem
truques depreciativos e estúpidos", disse Mimi Bekcechi, chefe de
campanhas da Peta Austrália para o site da SBS News.
De qualquer maneira, a cena é bizarra e não poderia ter sido
mais infeliz. A pergunta é: será que ninguém se preocupou, por um só momento
que fosse, com o sofrimento que seria causado ao animal? Teriam imaginado, um
segundo ao menos, que a repercussão poderia ser negativa? Que as pessoas não
iam achar engraçadinho um bicho daquele tamanho se submetendo a tamanha
imbecilidade?
No livro “Animal Liberation”, escrito nos anos 70, o
filósofo australiano Peter Singer escreve sobre consideração que os humanos
deveriam ter com relação aos bichos. E respeito.Sim, os animais devem ter
direitos, merecem viver sua vida longe de opressão, sofrimento e exploração
porque têm um valor que desafia a visão da sociedade humana. São criaturas que
têm vontade de viver, lutam pela sua preservação. E não merecem ser submetidos
a tratamentos humilhantes.
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