Por Amelia Gonzalez, G1
25/07/2018 20h55 Atualizado há 9 horas
Dia desses, numa reunião em casa de amigos, a conversa girou
sobre o conforto “da atualidade” e suas garras malévolas sobre os humanos.
Alguém lembrou que o homem já foi criatura de sair à caça, de comer com as
mãos, de arrancar coisas com dentes, e hoje se entrega fácil, fácil, a
embalagens bonitas no supermercado que trazem frutas e legumes lavados e
cortadinhos. A pouca disposição em andar, claro, também entrou no bate-papo,
tendo como defensores aqueles que lembravam a dificuldade de se locomover em
cidades que não oferecem segurança ou ruas confortáveis.
Em pouco tempo estávamos questionando o sistema econômico do
pós-guerra, que estimulou a aquisição de coisas para facilitar a vida de todos,
sem ter em conta que não temos espaço para acumular tanto, tampouco para o
descarte. Um assunto puxa outro... e acabamos no consumismo exagerado de hoje
em dia, mesmo em tempos de crise. A síndrome ataca a todos, mas é nas classes
menos abastadas que se vê os sintomas de forma mais aguda. Telefones celulares,
por exemplo, viraram objeto de necessidade, assim como capas e enfeites para os
aparelhos, vistos aos montes em mercados populares.
O bom de não se desperdiçar pensamento é que as coisas não
ficam sendo apenas aquilo que demonstram ser, mas também, talvez sobretudo,
aquilo que não revelam.
Por coincidência, hoje o Instituto Akatu publicou o
resultado de sua pesquisa sobre consumo consciente, que está na quinta edição,
e os resultados não surpreendem muito, além de darem força para o debate sobre
a necessidade de se repensar estas duas pernas – produção e consumo – em tempos
tão preocupantes, distantes daquela “febre de emoção positiva” que se instalou
no pós-guerra. A pesquisa aponta que 76% dos 1.090 entrevistados – homens e
mulheres como mais de 16 anos – não praticam o consumo consciente.
“Entre os mais conscientes, 24% têm mais de 65 anos, 52% são
da classe AB e 40% possuem ensino superior”, revelam os dados, expostos hoje,
em São Paulo, pelo presidente do Instituto, Helio Mattar.
Trata-se de uma pesquisa quantitativa, que leva em conta
também os resultados do Teste do Consumo Consciente identificados nos primeiros
estudos do Akatu. Os resultados, portanto, trazem a chance do reconhecimento da
oportunidade de mudar o comportamento. Vai ser preciso, conforme se vê, buscar
trazer os mais jovens, os menos escolarizados e os mais pobres para a causa do
consumo consciente, de uma vida mais sustentável.
Um dos itens da pesquisa que me chamou a atenção, até porque
estava fresca em minha memória a conversa entre amigos sobre o “confortismo”, é
que uma das barreiras apontadas pelos entrevistados como impeditivas para a
adoção de práticas sustentáveis é a necessidade de esforço para se fazer isso.
Segundo eles, ser mais sustentável: “Exige muitas mudanças
nos hábitos das famílias; nos hábitos dos próprios respondentes; custam mais
caro; exigem que se tenha mais informação sobre as questões, sobre os impactos
sociais e ambientais que provocam; é mais trabalhoso. E é mais difícil
encontrar para comprar os produtos sustentáveis”. Ou seja: para os que
responderam à pesquisa, quando a vida exige que se olhe em volta, que se tenha
mais cuidados, que se tente descobrir as origens das coisas e como são
fabricadas, ela está dando trabalho. E aí, o melhor é optar pelo mais fácil,
mesmo que se esteja, assim, provocando maremotos e tsunamis.
A imagem é metafórica, claro. Mas existe uma linha nada
tênue a ligar os incêndios provocados por verões
mais secos a cada ano, por exemplo, e a produção industrial que também
só faz aumentar a cada ano. Consequentemente, como nada é produzido sem que
haja alguém para comprar, podemos responsabilizar não só a produção, como o
consumo.
Aliás, pego aqui a Encíclica Papal Laudato Si, publicada
pelo Papa Francisco em 2015, e vejo a sugestão do Sumo Pontífice:
“Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem
cada vez mais, enquanto outros ainda não podem viver de acordo com a sua
dignidade humana. Por isso, chegou a hora de aceitar certo decréscimo do
consumo em algumas partes do mundo... Trata-se simplesmente de redefinir o
progresso”, escreve o Papa.
Mas, sigamos com a pesquisa porque tem mais detalhes que
geram reflexão. Sessenta e oito por cento dos entrevistados dizem já ter ouvido
falar em sustentabilidade, enquanto 61% não sabem o que é um produto sustentável.
O repertório das pessoas que entendem o conceito ainda é voltado para o meio
ambiente e 11% disseram não saber o que é sustentabilidade. O preço dos
produtos sustentáveis foi, legitimamente, uma barreira também apontada por
aqueles que disseram não ter o hábito de comprá-los.
Sim, é verdade. Quando as empresas acharam no tema/conceito
sustentabilidade uma “oportunidade no risco”, como gostam de afirmar os
relatórios, elas desvirtuaram bastante o que se propõem a debater os
estudiosos. É mais ou menos assim: quando se descobriu que aquelas sacolas
plásticas largamente distribuídas pelos supermercados causavam um estrago
enorme no meio ambiente, a maioria dessas lojas passou a vender sacolas
recicláveis. No início, custavam pouquíssimo. Agora já têm um preço bem
avantajado, o que desestimula sua compra, sobretudo em tempos de crise. E lá
estão novamente as sacolas plásticas em ação, a emporcalhar o meio ambiente.
Foi só um exemplo.
Trinta e sete por cento dos entrevistados não se sentem
seguros para mudar seus hábitos porque, no fim das contas, não veem preocupação
ambiental nem nas empresas, nem nos governos.
Os pesquisadores dividiram os respondentes em Indiferentes,
Iniciantes, Engajados e Conscientes às questões de sustentabilidade.
“Um dos principais resultados da Pesquisa Akatu 2018 foi o
crescimento do segmento de consumidores “iniciantes”, que correspondia a 32% em
2012 e neste ano está em 38% – o que mostra que o momento é de recrutamento de
consumidores indiferentes para que se tornem iniciantes em sua consciência no
consumo”, diz o texto da pesquisa, que pode ser encontrada neste link.
Foram destacadas barreiras, mas também identificados os
gatilhos que podem ajudar, por exemplo, um consumidor indiferente a se tornar
iniciante no tema. Os gatilhos que levam a práticas mais sustentáveis e a
compras de produtos mais sustentáveis que têm mais apelo são aqueles que se
referem a impactar o mundo, a sociedade e o futuro: 70% dos respondentes se
sentem muito motivados pelos benefícios mais emocionais, menos palpáveis.
Enquanto que 45% se sentem muito motivados pelos benefícios concretos.
Para concluir, o estudo diz que o consumidor brasileiro tem
vontade, mas ainda não chegou a botar a vontade em prática para levar uma vida
mais sustentável. Para isso, ele conta também com empresas, mas 56% das pessoas
esperam que as corporações façam mais do que o previsto nas leis e que olhem
mais para a sociedade.
Na verdade, desde que estou estudando este tema, não tem
mudado muito a disposição da sociedade brasileira em relação a ele. Às vezes me
pergunto o motivo de tal distanciamento, e não encontro um único motivo, mas
vários. Assim como as soluções também virão assim, no plural. É instigante.
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