A força da união das pessoas para manter a floresta em pé e rentável
Por Amelia Gonzalez, G1
Estive algumas vezes na Amazônia, em recantos diferentes,
sempre a trabalho, fazendo
reportagens em comunidades indígenas e ribeirinhas. Não
foram poucas as situações em
que os pequenos agricultores contaram histórias
arrepiantes, de como foram explorados
pela figura do atravessador. Trata-se da pessoa que faz a
ponte entre quem produz e quem
quer comprar, geralmente por possuir ferramentas
importantes para ambos, talvez um veículo de locomoção para fazer o frete.
Assim sendo, o atravessador cobra um preço – considerado injusto na quase
totalidade das situações – e se torna uma persona non grata por todos, o
que acaba contribuindo para que caia numa quase marginalidade.
Algumas comunidades, porém, descobriram um antídoto para
o mal provocado pelo atravessador: a união. Organizadas e estruturadas, elas
conseguem juntar dinheiro e pagar o frete, ficam fortes para cobrar espaço
em feiras e, dessa forma, tornam-se protagonistas em seus sistemas produtivos.
Foi assim com os ribeirinhos do Arquipélago do Bailique, no Amapá, que acabam
de formar a cooperativa dos Produtores Agroextrativista do Bailique
(AmazonBai) filiada à Organização das Cooperativas do Amapá (OCB/AP), que
recebeu, recentemente, o selo FSC (Forest Stewardship Council). E fornecem
polpa de açaí 100% vegano.
Foi um longo caminho até que os cerca de onze mil
habitantes das oito ilhas que formam o Arquipélago
do Bailique chegassem a este resultado. Acompanhei parte do processo
de
criação do Protocolo Comunitário local, uma ferramenta de
gestão territorial que procurou botar pingos nos is e traçar caminhos,
criar regras e, assim, entre outras coisas, fortalecer a
comunidade.
A formação de redes é fundamental para o progresso desses
projetos que buscam respeitar o ambiente, sabendo que dele será preciso extrair
coisas, mas entendendo a melhor maneira de
tirar para não destruir. Assim, entre outras
coisas, é possível reverter o êxodo rural, convencendo jovens a ficarem onde
estão, em vez de se aventurarem em cidades à procura de subempregos.
Outro exemplo bem sucedido de associação comunitária que
leva a teoria sobre o
desenvolvimento sustentável a uma boa prática, foi
contado em reportagem de Sue
Branford e Maurício Torres, publicada esta semana no site Mongabay. Acontece ao
longo
da bacia do Rio Xingu, no Pará, onde os moradores estão
administrando seus próprios postos comerciais e aumentando consideravelmente
suas rendas. É uma forma de tornar
economicamente viável e sustentável a vida nas florestas.
E há, neste caso específico da Terra do Meio, a terra que
fica entre os rios Xingu e Tapajós, um interessante processo de escambo.
Entrevistado pelo site, Pedro Pereira de Castro, que mora na Reserva
Extrativista Riozinho do Anfrísio, conta que tem um entreposto comercial,
criado depois de muito penar nas mãos de comerciantes inescrupulosos a
quem entregavam toda a produção de castanha do Pará, borracha e óleos.
“As famílias locais entregam a produção de castanha do
Pará, borracha e óleos às cantinas,
em troca de dinheiro ou utensílios domésticos essenciais,
como sabão, sal, café e botas”,
conta a reportagem.
Há 22 cantinas que estão reunidas numa associação
comunitária e é através desta associação
que as empresas que não são da região podem fazer
contato e contratos comerciais.
Juntas, as cantinas têm um capital de giro que chega a R$
530 mil, explica o site –
“Só as vendas de castanha do Brasil da última safra
trouxeram 1,5 milhão de reais
(US $ 381.000)”.
Organizações da sociedade civil têm sido importantes
neste processo, como o Instituto
Socioambiental (ISA) e o Imaflora.
Uma das coisas que acho importante na administração de
tais cantinas é que todo o
programa nos apresenta uma chance de reordenar alguns
conceitos que ficaram enraizados
durante muito tempo. O primeiro deles é o do
extrativismo, que se tornou vilão nos anos 70,
quando se começou a ter noções mais claras sobre os
impactos das atividades humanas junto
aos bens naturais.
Na verdade, há como extrair recursos da floresta sem
danificá-la, e esta é a maneira como
os indígenas vêm vivendo desde o início dos tempos. É o
jeito de tornar a floresta em pé e
rentável. Quem explica isso é Augusto Postigo,
antropólogo do ISA que trabalha junto às
comunidades:“O fortalecimento do extrativismo na reserva
se transformou em uma maneira de administrar a reserva, com a reocupação
da terra e o fortalecimento dos direitos sobre o território histórico
tradicional e o monitoramento das áreas protegidas. Ao mesmo tempo, iniciativas
foram tomadas para melhorar a educação e a saúde, porque isso é necessário
para organizar a produção.”
É mais ou menos assim: não será, sob hipótese alguma,
apenas mantendo intactas as florestas
que se vai conseguir um desenvolvimento sustentável. Em
um certo momento, sim, este ficou
sendo o conceito mais usado por quem se impressionara com
a forma agressiva de buscar as
reservas e terminar com elas. Mas o que já se sabe, e não
custa reafirmar, é que é possível
fazer uso das florestas de maneira diferente, mais
consciente, o que as torna, inclusive, um
meio de sobrevivência que tem atraído muitos jovens, como
explica Maria Laur, que administra a cantina São Francisco, na Reserva
Extrativista do Rio Iriri.
“Estou impressionada de ver jovens quebrando castanha do
Brasil porque estavam virando as
costas para a floresta, ficando em casa. Mas hoje eles
passam o dia todo trabalhando com os
pais, não querem ir à cidade. Se as nozes não trouxessem
dinheiro, como poderíamos ter nossos filhos voltando e trabalhando
conosco?”
Este é o ponto. O fortalecimento das comunidades, da
cultura local, afasta também o risco de
que apenas as grandes corporações do agronegócio tomem
conta e façam da floresta um campo devastado. A proteção do território é feita
pelas próprias pessoas que moram ali, sem precisar contratar ninguém de
fora para isso.
Esta história não termina aqui, faz parte de um longo
processo de reflexão em que seria
interessante incluir todos os atores, inclusive as
grandes corporações. É apenas um início de um grande movimento que vem se
formando contra os abusos cometidos por pessoas que não querem ver uma
mudança no rumo das coisas.
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