Os animais nas religiões e no capitalismo, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] O sacrifício religioso acompanha a história da humanidade, não só de animais, mas de pessoas. Quando Abraão vai sacrificar Isaque, Deus intervém, e o liberta do sacrifício de seres humanos (Gênesis 22, 1-24). É uma contraposição às religiões da época que sacrificavam pessoas para aplacar a ira dos deuses.
Mas, o sacrifício dos animais continuou ao longo da história de Israel. O cordeiro da páscoa e o bode expiatório dos pecados do povo são exemplos clássicos. Os primeiros cristãos vão chamar Jesus de “Cordeiro de Deus”, isto é, aquele que foi imolado no lugar de outros.
Há uma linhagem de interpretação dos rituais de religiões descendentes de africanos, afirmando que o sacrifício de animais nas encruzilhadas era simplesmente um modo de ofertar alimentos aos negros foragidos e que poderiam passar fome pelas matas. Então, tinha o sentido nobre de alimentar seus irmãos em fuga.
Mas, não há uma carnificina maior do que a religião capitalista, ou a sociedade de consumo como um todo. No Brasil são mais de 200 milhões de cabeças de gado em sua maioria para o abate. Há mais vacas e bois nesse país do que pessoas. Essa cultura provoca o desmate de nossas florestas, alimenta o efeito estufa e ocupa aproximadamente 200 milhões de hectares de terras.
A criação de galinhas e porcos em regime intensivo é um horror. Os animais têm que estar prontos para o abate em 40 ou 45 dias, ou então se transformam em prejuízos. O mesmo com os peixes em cativeiro. É um horror trezentas ou quatrocentas tilápias num tanque rede, debatendo-se uma sobre as outras, sem espaço para nadar, apenas consumindo ração para atingir o tamanho do abate.
Muitos dizem que esses animais são a proteína barata que o pobre tem acesso. É verdade. Mas, para produzir cada kg de proteína animal, são necessários 10 kg de proteína vegetal. É o hábito humano e o mercado que na verdade dirigem essa produção.
A natureza não é vegana. Na cadeia alimentar leões se alimentam de gazelas e hienas se alimentam dos restos deixados pelos leões. Os tucunarés se alimentam de lambaris e outras forrageiras, enquanto as piranhas devoram surubins e curimatãs, mas tem seus ovos devorados nos ninhos pelas piabas.
Portanto, o consumo de carne por outros carnívoros também está inscrito na cadeia alimentar.
Em resumo, só não dá para entender porque o Ministério Público quer condenar a utilização de pequenos animais nos rituais das religiões de matriz africana, deixando livre o sacrifício de animais na religião capitalista.
Roberto Malvezzi (Gogó)*, Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco. Membro da Equipe de Assessoria da REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica)
www.robertomalvezzi.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/08/2018
"Os animais nas religiões e no capitalismo, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/08/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/08/14/os-animais-nas-religioes-e-no-capitalismo-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/.
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