Mudanças
do clima deslocarão 13 milhões até o fim do século nos EUA, diz estudo
Por
Amelia Gonzalez, G1
24/09/2018
17h24 Atualizado há 2 semanas
O ano era
2010 e, no Festival de Cinema que sempre acontece no Rio, um título especial
chamou minha atenção. Dirigido por Michael Nash, um cineasta bastante laureado,
"Climate Refugees" ("Refugiados do clima", em tradução
literal) propunha-se a documentar o fenômeno que, naquela época, ainda era
considerado novo, quando uma pessoa é obrigada a se deslocar do lugar onde vive
e mora por causa de desastres ambientais induzidos pelas mudanças climáticas.
Assisti ao
filme numa pequena sala de transmissão em Santa Teresa. Na época, eu editava o
caderno "Razão Social", encarte que atualizava o tema sustentabilidade
no jornal "O Globo". Ainda hoje lembro-me bem de algumas passagens do
filme, sobretudo porque fiquei "conhecendo", pelo menos em imagens, a
ilha de Tuvalu, nação do Pacífico sempre citada pelos meus entrevistados quando
o tema era o aumento do nível do mar. Tuvalu, diziam, ia desaparecer até o fim
do século. Esta informação sempre me impressionou.
A equipe de
Nash não só mostrou Tuvalu por dentro, com suas ruas, escolas, casas e
hospitais, como entrevistou uma moradora que lamentava sua triste sorte. Dona
de casa, sem ofício, 45 anos, ela estava fora dos requisitos básicos exigidos
por Nova Zelândia, país vizinho, que se comprometia a abrir suas fronteiras e
aceitar tuvalenses, desde que fossem jovens, já tivessem algum estudo e
pudessem, assim, funcionar como mão de obra no país.
"Estou
condenada à morte", disse a mulher. No quintal de sua casa, a terra da
horta que plantara para ajudar a alimentar sua família já estava salgada, por
causa da água do mar que chegava cada vez mais perto.
Foi naquele
ano também que o Pentágono, como diz a sinopse do documentário de Mark Nash,
começou a considerar as mudanças climáticas como um risco de segurança
nacional. Presidida pelo democrata negro Barack Obama, a nação mais rica do
mundo queria traçar estratégias para enfrentar a situação, mas certamente não
estaria nos planos de Obama construir um muro para impedir refugiados do clima
de entrarem em seu país.
Havia uma
estimativa em números, claro, como sempre há nesses casos, e eu não me lembro
exatamente, mas sei que estava na casa dos milhares. Hoje, porém, uma mega
reportagem que acaba de ser
publicada no site do jornal "The Guardian", traz um estudo dando conta de que
o aumento do nível do mar deslocará 13 milhões de pessoas até o final do
século. E este número, apenas nos Estados Unidos, por causa de furacões como o
"Florence", que acabou de varrer a costa e atingir as duas Carolinas. Não haverá
um estado em toda a nação que não vai ser afetado pelo aumento do nível do mar.
A reportagem,
escrita por Oliver Milman, conversa também com uma mulher, Elizabeth Boineau,
que viu sua casa inundada pelo terceiro ano consecutivo e já está de malas
prontas para um lugar mais alto, deixando para trás uma bela edificação do
início do século XX. Boineau mora em Charleston, na Carolina do Sul, que
segundo as autoridades é uma parte da história dos Estados Unidos que tende a
ser derrubada pelas águas e ventos furiosos que chegam dos mares cada vez mais
aquecidos.
"Eu
teria que ter uns US$ 500 mil para levantar a casa, demolir o primeiro andar.
Vou alugar em lugar mais alto", disse Boineau para a reportagem.
Definitivamente
estamos na era das migrações climáticas, conclui o repórter, que teve a ajuda
do especialista em adaptação climática Jesse Keenan, da Universidade de
Harvard, em suas reflexões.
"É
muito difícil imaginar como será o comportamento humano sob circunstâncias tão
extremas e historicamente sem nenhum precedente", diz ele.
A questão é
que nem todo mundo tem condições de se mudar, como no caso da entrevistada.
Este problema vai aumentar a responsabilidade do estado, que precisará cuidar
das vítimas depois de cada enchente.
"Tenho
dificuldade para saber como será este mundo", disse o demógrafo Mat Hauer,
um dos principais autores do estudo apresentado hoje.
Segundo o
relatório, dentro de poucas décadas, centenas de milhares de casas nos Estados
Unidos serão completamente inundadas.
"Até o
final do século, o aumento do nível do mar iria redesenhar o litoral, fazendo
desaparecer algumas partes conhecidas, como o Sul da Flórida, pedaços da
Carolina do Norte e da Virgínia, grande parte de Boston. O aquecimento da
temperatura dos mares irá alimentar furacões monstruosos como os três
devastadores – Irma, Maria e Harvey em 2017 – seguido por Florence este ano,
que espalhará os sobreviventes de maneira instável e incerta", diz a
reportagem.
Em uma
proporção ainda pouco relevante, o governo já está se preparando para isso. A
pequena comunidade de Isle de Jean Charles, que fica na Louisiana, foi o
primeiro lugar que recebeu ajuda federal para se realocar. A população, que
cresceu numa ilha que está sendo devorada pelo mar, está de mudança para uma
antiga fazenda de cana-de-açúcar a mais de 60 quilômetros dali.
No Alasca,
cerca de uma dúzia de cidades costeiras também está tentando se mudar, e
pleiteia algum financiamento federal para isso.
Os
refugiados do clima dos Estados Unidos saem do estereótipo de pessoas que fogem
de suas casas e territórios, da Ásia e da África, por questões políticas, como se tem visto aos montes. Só neste sábado, 237 pessoas que
estavam em quatro pequenas embarcações foram resgatadas. No país mais rico do
mundo, as cenas são bem diferentes:
"Em
vez disso, eles serão americanos abastados dirigindo uma nova vida em seus
carros, acompanhados por caminhões que vão carregar uma vida inteira de
memórias e posses", conta Orrin Pilkey, professor emérito de geologia
costeira da Duke UNiversity, que acabou de lançar um livro "Elevação do
nível do mar ao longo das costas das Américas: o Tsunami Lento", que prevê
cenas apocalípticas em que milhões de pessoas, em grande parte do sul da
Flórida, se tornarão "um fluxo de refugiados que se deslocam para lugares
mais altos".
De uma
forma ou de outra, as mudanças climáticas causam uma tansformação na
civilização. E este movimento já está acontecendo, muito mais cedo do que as
previsões do início do século. O que se precisa é enxergar de maneira adulta o
problema, com políticas públicas voltadas para ele. É nossa responsabilidade,
como cidadãos, cobrar dos dirigentes isso. Aqui no Brasil, em época de
eleições, está mais do que na hora de abandonarmos as questões polarizadas e
olharmos seriamente para o que cada candidato propõe fazer – se propõe
fazer – para enfrentar o maior desafio da
humanidade neste século.
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