Valor Econômico - Venezuela usa conferência do clima para tentar se reaproximar do Brasil
Daniela Chiaretti
A conferência do clima das Nações Unidas que o Brasil quer realizar em 2019 serviu como pretexto para a Venezuela se reaproximar do Brasil e tentar retomar as relações diplomáticas suspensas desde dezembro. A realização da CoP 25 depende, contudo, de quem será o novo presidente brasileiro.
O evento, com potencial para ser a maior reunião internacional do próximo governo, tem custo previsto em R$ 400 milhões. Salvador se candidatou oficialmente para abrigar a conferência da ONU que é informalmente disputada por São Paulo e Rio de Janeiro e, no Paraná, Curitiba e Foz do Iguaçu.
Nas negociações internacionais, a CoP 25 começou a se tornar mais concreta na tarde de 28 de setembro. Durante os eventos da Assembleia Geral da ONU em Nova York, Jorge Arreaza, ministro das Relações Exteriores da Venezuela, pediu um encontro com seu par brasileiro, o ministro Aloysio Nunes.
As relações entre os dois países estavam congeladas desde dezembro, quando a Venezuela expulsou o embaixador brasileiro Ruy Pereira. A escalada da crise começou durante o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Caracas classificou o ato como golpe e não reconheceu o governo Michel Temer. A recíproca ocorreu com o governo Nicolás Maduro. A relação azedou com a suspensão da Venezuela do Mercosul em 2016.
Na última conferência do clima, na Alemanha, no final de 2017, o Brasil se candidatou a sediar a reunião de 2019. Pelas regras da ONU, a proposta tinha que ser aprovada por consenso dentro do grupo de países latino-americanos e do Caribe, conhecido por Grulac. A Venezuela se opôs. Era uma retaliação à relação distante dos dois países e à decisão do Grupo de Lima (conjunto de 14 países da América Latina e Caribe) de não apoiar nenhuma candidatura venezuelana a organismos internacionais.
O impasse seguiu até setembro, em Nova York. Os venezuelanos tomaram a iniciativa da reunião. A interpretação de um observador foi de que o governo Maduro sente a pressão crescente e notou que a posição do Brasil é mais moderada. O Brasil não apoiou carta enviada por Argentina, Colômbia, Chile, Paraguai, Peru e Canadá à procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI), pedindo a investigação de supostos crimes contra a humanidade cometidos por autoridades venezuelanas. O Brasil entende que o tema já está sendo tratado no fórum e que não é preciso dar outro passo nesta direção. “O que não dá é chamar verde de amarelo. Eles têm 250 presos políticos, não tem independência de poderes, não respeitam a Constituição”, diz o analista. “Mas o Brasil é aberto ao diálogo.”
Nunes preparou sua pauta: refugiados, cooperação em saúde (campanhas de vacinação e troca de informações epidemiológicas), cooperação na fronteira para impedir o tráfico de drogas, armas e pessoas, além dos US$ 30 milhões que a Eletronorte deve à Venezuela pelo abastecimento de energia de Roraima (que não consegue ser paga pelas sanções dos EUA à Venezuela) e da dívida venezuelana com o Brasil, estimada em US$ 275 milhões. A proposta brasileira seria de um ajuste de contas — a dívida da energia sendo deduzida do que a Venezuela deve ao Brasil.
A CoP no Brasil foi outro ponto levantado por Aloysio Nunes. Os venezuelanos disseram que o Brasil poderia contar com o seu apoio. Em 4 de outubro, a presidência do Grulac, ocupada por Barbados, emitiu nota dizendo que a candidatura brasileira tinha consenso.
Se as arestas internacionais foram aparadas, o cenário doméstico é outro. A CoP entrou no Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas em um artigo em que havia desde fundos para municípios até a construção de aeroportos. Na avaliação do Ministério do Planejamento, o impacto orçamentário do artigo seria de mais de R$ 10 bilhões. O governo negocia agora com o Congresso que a CoP seja incluída na Lei Orçamentária Anual (LOA), em artigo específico.
“Queremos deixar tudo certo para que o governo de transição tome a decisão”, diz uma fonte. O Ministério do Meio Ambiente monta projeto para permitir a captação de patrocínio privado que, na Rio+20, foi de R$ 120 milhões.
A questão é que o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, diz que, se for presidente, o Brasil sairá do Acordo de Paris. Neste contexto, uma CoP no Brasil não tem sentido. A candidatura brasileira tem que ser formalizada na CoP deste ano, na Polônia. Se o Brasil se retirar e nenhum outro país da região assumir a proposta, a CoP 25 acontecerá na sede da Convenção do Clima, em Bonn, na Alemanha.
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