quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Valor Econômico – É hora de chamar os engenheiros! / Artigo / Jeffrey D. Sachs


A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CoP-24) realizada neste mês em Katowice, na Polônia, conseguiu elaborar um guia de regras para implementar o Acordo de Paris de 2015 sobre o clima. Todos os países da ONU o assinaram, mas isso não vai ser suficiente para evitar uma catástrofe climática. É hora de pedir ajuda aos engenheiros.

O sucesso diplomático da CoP-24 foi notável, em vista das incansáveis pressões e procrastinações das empresas de combustíveis fósseis. Os diplomatas entenderam a base científica e sabem da realidade: sem uma rápida transição a um sistema de energia mundial de zero emissões de carbono até meados deste século, a humanidade vai correr sério perigo. Nos últimos anos, milhões de pessoas sofreram as agruras de ondas de calor extremo, secas, inundações, furacões potentíssimos e incêndios florestais devastadores, em razão de a temperatura da Terra já estar 1,1° C acima da média pré-industrial. Se, ainda neste século, o aumento da temperatura média chegar a 1,5° C ou 2° C - temperaturas nunca vistas em todos os 10 mil anos de história da civilização humana - o mundo vai ficar tremendamente mais perigoso.

Pelo Acordo de Paris, os governos nacionais comprometeram-se a manter a temperatura média "bem menos que 2 °C acima dos níveis pré-industriais e esforçar-se para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais". Agora, temos um guia de regras para mensurar as emissões de gases causadores do efeito estufa, compartilhar conhecimentos e medir as transferências financeiras dos países ricos para os pobres. Carecemos, entretanto, de planos para direcionar o sistema de energia mundial rumo a um futuro dominado pelas fontes de energia renováveis ainda em meados deste século.

Os diplomatas, naturalmente, não são especialistas técnicos. A próxima fase precisa de engenheiros de todo o mundo especialistas em geração e transmissão de energia, em veículos elétricos, células de combustível de hidrogênio, inteligência artificial para gerenciar sistemas de energia, projetos urbanos de eficiência energética e em transporte público, além dos demais técnicos relacionados. Foram os diplomatas, não os engenheiros, os que estiveram na dianteira dos encontros de cúpula da ONU nos últimos 24 anos. Chegou a hora de os engenheiros ocuparem o centro do palco.

O Acordo de Paris presume que cada governo faça consultas com os engenheiros de seu próprio país para elaborar estratégias de energia nacional, de forma que basicamente cada um dos 193 países da ONU vai criar um plano separado. Tal abordagem é reflexo de um profundo desconhecimento de como a transição energética mundial precisa funcionar. Precisamos de soluções que sejam negociadas e coordenadas em escala internacional, não país a país.

O Acordo de Paris presume que cada governo elabore estratégias de energia nacional. Precisamos de soluções que sejam coordenadas em escala internacional, não país a país. Sistemas de engenharia globais precisam de coordenação global

Sistemas de engenharia globais precisam de coordenação global. A aviação civil, por exemplo, é um triunfo da engenharia coordenada internacionalmente. O sistema de aviação civil funciona tão bem porque todos os países usam aeronaves produzidas por poucas empresas internacionais e compartilham procedimentos operacionais padronizados de navegação, de controle de tráfego aéreo, de segurança em aeroportos e aviões, de manutenção e de seguro, entre outros. Outros sistemas globais são coordenados de forma similar. A média diária de transferências bancárias de dinheiro em dólar chega a estarrecedores US$ 2,7 trilhões e, ainda assim, elas são compensadas rotineiramente por meio do uso de protocolos de comunicações e de operações bancárias padronizadas. Bilhões de chamadas de telefones celulares e de atividades na internet todo dia são possíveis graças a protocolos compartilhados. Tanto o tamanho quanto a confiabilidade desses sistemas de alta tecnologia conectados internacionalmente são assombrosos e dependem de soluções adotadas em todo o mundo, não país a país.

Recentemente, fiz parte de uma comissão formada por três economistas e um experiente engenheiro do setor privado. Depois de os economistas terem falado, o engenheiro falou de forma sucinta e efetiva. "Não entendo realmente do que vocês economistas acabaram de falar, mas tenho uma sugestão", disse. "Digam a nós, engenheiros, as especificações que desejam e o prazo, que nós fazemos." E não se trata de bravata.

Aqui estão as especificações. Para limitar o aumento do aquecimento médio a 1,5 °C, o sistema de energia mundial precisa estancar as emissões de carbono até meados do século. Isso vai exigir a mobilização das fontes de energia de carbono zero, como a eólica, a solar e a hidrelétrica, o que implica ter um sistema de energia capaz de lidar com fontes intermitentes, dependentes do brilho do sol, da força dos ventos e do fluxo dos rios.

As energias renováveis mais abundantes e de menor custo frequentemente são encontradas longe dos centros populacionais. Essa energia, portanto, vai precisar ser transmitida por longas distâncias, muitas vezes cruzando fronteiras nacionais, com o uso de linhas de transmissão especiais de alta voltagem. As vantagens de um sistema de transmissão de longa distância conectado internacionalmente vêm sendo ressaltadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento da Interconexão Mundial da Energia (Geidco, na sigla em inglês), uma aliança internacional de instituições e empresas de engenharia criada pela State Grid Corporation, da China, em 2016.

Em qualquer plano sensato mundial de emissões zero de carbono, vários dos atuais países e empresas exportadoras de combustíveis fósseis se tornariam os exportadores de energias renováveis do amanhã. Os produtores de petróleo do Golfo Pérsico deveriam exportar energia solar do vasto Deserto da Arábia, tanto para a Europa quanto para Ásia. A Austrália, exportadora de carvão, deveria exportar energia solar do enorme sertão australiano para o Sudeste Asiático via cabos submarinos. O Canadá deveria aumentar suas exportações de energia hidrelétrica de carbono zero para o mercado dos EUA e pôr fim a seus esforços para exportar produtos derivados de suas areias betuminosas de alto teor de carbono.

Na conferência de Katowice sobre o clima, os diplomatas apresentaram o guia de regras climáticas no prazo, como prometido. A próxima grande empreitada cabe aos engenheiros. Quando os chefes de Estado voltem a se reunir na ONU em setembro, os principais engenheiros do mundo deveriam recebê-los com um arcabouço tecnológico avançado traçando as ações e medidas a ser tomadas mundialmente. (Tradução de Sabino Ahumada)

Nenhum comentário: