Por Humberto Saccomandi
A conferência do clima da ONU, a CoP 24, na Polônia, foi um sucesso, mas também reforçou a percepção crescente de que a estratégia de combate ao aquecimento global não está funcionando. Para William Nordhaus, Prêmio Nobel de Economia deste ano e especialista na questão climática, o arranjo atual tem dois problemas fundamentais: não precifica o carbono e não pune quem se omite. Ele sugere que essa punição ocorra por meio de uma tarifa sobre o comércio internacional.
A CoP 24 redigiu o chamado livro de regras do Acordo de Paris. No acordo, os países se comprometem a evitar que a temperatura no planeta suba mais de 2°C em relação ao período pré-industrial, tendo como objetivo 1,5°C. Para isso, cada país propôs uma série de medidas voluntárias para reduzir suas emissões de gases. O livro de regras permitirá padronizar medições, fiscalizar as medidas e a ajuda financeira prometida pelos países ricos, compartilhar experiências e tecnologia. Isso tudo é muito importante e foi assinado por todos os países.
Mas, se a negociação avançou, por que a percepção negativa do acordo? Porque está ficando evidente que: 1. os compromissos assumidos não bastam para conter o aquecimento no limite acertado; 2. muitos países não cumprirão seus compromissos.
Política climática efetiva precisa elevar o preço do carbono
Essa sensação de urgência foi explicitada nas últimas semanas pelo secretário-geral da ONU. António Guterres disse que o aquecimento global é a principal ameaça mundial, que mudanças climáticas estão acontecendo num ritmo mais rápido que o previsto, que o compromisso dos países deveria ser muito maior e que falta hoje liderança política para conduzir esse processo.
William Nordhaus ganhou o Nobel pelo seu trabalho com economia do clima e da inovação tecnológica. No seu discurso na entrega do prêmio, em 8 de dezembro, em Estocolmo, ele expôs os principais desafios econômicos do combate ao aquecimento e sugeriu modos de aperfeiçoar esse processo.
Para Nordhaus, o aquecimento é uma típica falha de mercado. O progresso econômico gerou as emissões de gases, que criaram uma externalidade, isto é, uma consequência não prevista, nesse caso negativa: o aquecimento global. Ou seja, há 150 anos a humanidade vem queimando combustíveis fósseis em escala grande e crescente sem precificar isso corretamente.
"O aquecimento global é (...) particularmente pernicioso porque envolve muitas atividades da vida cotidiana, afeta todo o planeta, vem ocorrendo há décadas, durará séculos, nos afeta a todos e nenhum de nós, mesmo agindo como indivíduo ético, pode fazer nada sozinho [para evitar]."
Segundo ele, a redução das emissões é a única estratégia tecnologicamente viável hoje, "realista e segura". "Realista, mas cara." Ele estima que a meta de conter o aquecimento em 2°C pode custar até 4% da nossa renda por um ou dois séculos. "Isso pode ser bom para a natureza, mas não é muito atraente para os eleitores."
"A economia aponta para uma verdade inconveniente das políticas de mudança climática: para serem efetivas, é preciso elevar o preço do carbono, do CO2, para corrigir a externalidade do mercado", disse Nordhaus. "Temos de fazer com que bilhões de pessoas, agora e no futuro, milhões de empresas, milhares de governos tomem medidas, se queremos ir na direção que decidimos. Isso só pode ser feito elevando o preço do carbono."
Mas colocar um preço no carbono é contraintuitivo politicamente. Os governos costumam querer o benefício imediato e postergar o custo para o futuro. É o que faz o Brasil quando se endivida para pagar salários e aposentadorias. No caso do aquecimento, é preciso agir de forma oposta: parte dos custos incide agora, mas os benefícios virão no futuro.
Assim, o problema de elevar o custo das emissões é que governo e cidadãos não gostam de pagar. Isso ficou claro na França, onde houve violentos protestos depois que o governo criou uma taxa de carbono sobre os combustíveis. Acuado, o presidente Emmanuel Macron teve de recuar.
Um dos motivos da irritação dos franceses é que a arrecadação ia para o Estado. O Canadá está adotando uma estratégia que talvez gere menos resistência. O país criou uma taxa de carbono de US$ 20 por tonelada de CO2 emitida (que subirá anualmente até US$ 50 em 2022). Isso elevará o preço de todos os combustíveis fósseis. Mas o governo devolverá 90% dessa receita às famílias (o restante vai para setores mais afetados, como escolas, hospitais, pequenas empresas etc). Muitas famílias receberão mais do que vão gastar com o custo extra de energia e combustíveis. Se elas reduzirem o seu consumo, o ganho será ainda maior. Isso premia quem consome pouco, estimula a redução do consumo e a inovação e evita a impressão de que o Estado quer só tirar mais dinheiro da sociedade.
Um governo pode obrigar seus cidadãos a pagar, mas países são soberanos. Não existem hoje mecanismos para obrigá-los a reduzir as suas emissões, nem para puni-los caso não o façam.
Já existem alguns mecanismos internacionais para elevar o preço das emissões, como o mercado de carbono da União Europeia. Mas eles são limitados, englobam apenas alguns setores e o preço ainda é muito baixo. Para Nordhaus, o custo global de emitir carbono ainda é quase zero. A CoP 24 discutiu a criação de um mercado de carbono global, mas ainda não há acordo.
Isso cria o que Nordhau chama de efeito carona ("free riding"), isto é, um país sai ganhando se não cumprir sua parte. O país não arca com o custo de reduzir suas emissões, porém é beneficiado pelo gasto dos demais países. No pior cenário, se muitos países buscarem essa carona no gasto alheio, o acordo não atinge seu objetivo e todos perdem. Ou seja, a estrutura do Acordo de Paris embute um estímulo negativo que prejudica o próprio acordo.
Para superar esse efeito carona, Nordhaus sugere a criação de um "clube do clima", de países que vão efetivamente gastar para descarbonizar suas economias, a partir de um preço acertado para o carbono. Quem optar por ficar fora seria punido com uma tarifa sobre os produtos que exporta para os países do clube. Quanto maior a tarifa, maior seria o estímulo para os países aderirem.
Alguns países europeus já aventaram relacionar a política climática ao comércio. Isso não parece provável no curto prazo, mas pode ser uma opção se as políticas atuais se mostrarem insuficientes. "Estamos longe de um clube do clima, mas devemos ver isso como um modelo para o futuro", disse Nordhaus.
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