O Globo – Ministro quer ferrovias em unidades de conservação / Entrevista / Ministro Ricardo Salles
“É parar de inventar moda na área do campo. A agricultura brasileira é exemplo para o mundo. Ponto. Na cidade, temos muita coisa por fazer”
CATARINA ALENCASTRO
À frente da pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles critica o Ibama e defende flexibilizar restrições em áreas de conservação.
O senhor acabou com a secretaria de mudanças climáticas. Como será a gestão da agenda deste setor e o monitoramento das metas de corte de emissões de gases estufa assumidas pelo Brasil?
Esse papel será da secretaria especial de clima, ligada diretamente a mim. É importante dizer isso, ou fica parecendo que esvaziamos o papel. Não adianta ter uma agenda internacional sem aplicação interna, nem aplicação interna sem saber aproveitar internacionalmente o que se faz aqui.
E qual é a situação brasileira nessa área?
Arrisco dizer que temos muito mais coisa feita no Brasil do que efetivamente benefícios e reconhecimentos internacionais proporcionais ao que se fez no país. Fizemos muito, nos comprometemos muito e colhemos pouco. Agora é hora de colher.
De que forma o senhor pensa em transformar o dever de casa em vantagens econômicas?
Aquela ideia do pagamento por serviços ambientais. Precisamos criar uma fórmula para as pessoas que estão na ponta recebam recursos em razão dos seus sacrifícios, atitudes e boas práticas.
O senhor está falando do proprietário rural?
Estou falando de tudo. Vamos pegar o exemplo da Amazônia. Tem gente que quer desmatamento zero, mesmo na cota dos 20% (o que é possível desmatar, pela lei, dentro de propriedades rurais). Pode até acontecer. Desde que se pague por isso.
Mas as metas climáticas não exigem que o Brasil faça além do que está previsto na lei.
Mas a moratória da soja diz que não pode desmatar na Amazônia Legal. Quando você impede o livre usufruto da propriedade e o direito de produzir, deve colocar à disposição um instrumento de compensação financeira para esses produtores.
A ideia é só para a área rural?
A gente também tem que encontrar uma fórmula para a área urbana. Um exemplo concreto: como tratar os resíduos sólidos no Brasil? Eles são responsáveis por emissões de gases do efeito estufa. Tem que ter um mecanismo para você trazer dinheiro para cuidar disso.
E a sua ideia é trazer recursos internacionais para isso?
É para isso que temos a secretaria de assuntos internacionais. À medida que temos um projeto para melhorar saneamento, poluição dos rios, resíduos sólidos no Brasil como um todo. Todos precisam de recursos, que podem vir também pela parte tecnológica, de monitoramento, por vários caminhos.
O senhor prevê mudanças em relação às metas climáticas que o Brasil apresentou à ONU?
Essa obrigação já está assumida, o problema é que você tem prazos de revisão. Nós não vamos nos comprometer com novas metas. Nosso papel é dizer: olha, a lição de casa está feita até aqui. Quanto que isso vale? Sem recurso não tem manutenção futura. Mas continuaremos fiscalizando.
E o que mais fará?
Fala-se muito do desmatamento da Amazônia. E a emissão de gases estufa na região metropolitana? O ar nas grandes cidades é poluído, os rios, uma vergonha, solo contaminado, supressão de vegetação nas regiões mananciais das grandes cidades por invasão de propriedade, o esgoto não é tratado porque não se quer fazer a pressão política entre os diversos entes federativos. Esta é a verdadeira agenda do momento.
Menos floresta e mais cidade?
É parar de inventar moda na área do campo. A agricultura brasileira é exemplo para o mundo. Ponto. Na cidade, temos muita coisa por fazer.
Como pretende manter as unidades de conservação?
Precisamos ter uma estratégia eficiente de fiscalização. O desmatamento aumentou 14%. Um terço é agricultura e dois terços são esse grupinho aqui (unidades de conservação mais terras indígenas e mais quilombolas). Quem está errado? Essa turminha aqui: Ibama.
O senhor pretende rever os limites e tamanhos das unidades de conservação?
A princípio, não. Acho que precisamos cuidar bem das que nós temos e saber reconhecer que para isso precisamos ter ajuda do setor privado.
Algo além da concessão de parques?
Precisamos saber conviver com o desenvolvimento econômico, com a infraestrutura. Precisa parar de boicotar certas atividades econômicas como se fossem pontos contraditórios: ou tem unidade de conservação ou tem atividade econômica, não é verdade.
Que tipo de atividade o senhor acha que pode ter em unidade de conservação?
Você pode ter ferrovia passando em unidade de conservação e a compensação econômica por ela ser o recurso necessário para cuidar dos outros. Você pode ter uma linha de transmissão numa unidade de conservação e o royalty que ela vai pagar para passar ali ser justamente o recurso, e às vezes até o know how, porque você pode embutir monitoramento por sistema de câmera, por satélite, por drone etc. É essa dicotomia entre desenvolvimento e meio ambiente que tem matado as unidades de conservação.
O senhor vai reclassificar o grau de restrição das unidades de conservação?
Precisamos olhar isso sem preconceito. Tem que olhar caso a caso.
Que outras mudanças virão?
A conservação não pode ser afirmada como uma questão de dogmatismo ideológico. Reconhecer as limitações legais, logísticas do Estado. Vamos trazer uma empresa, uma associação, um parceiro para nos ajudar. Mas qual tem sido a postura? De jeito nenhum, aqui não entra ninguém. O que acontece? Entram os ilegais.
ICMBio e Ibama poderão ser fundidos?
Por ora, não. Quero ver como funcionam separados. Se houver sinergia, vamos juntar.
O governo repete muito a crítica da indústria das multas. Não passa a mensagem de que haverá menos rigor na fiscalização do crime ambiental?
Ao contrário. Só que eu não vou rotular situações em que não houve crime como criminosas simplesmente para fazer oba-oba e dar manchete em jornal. Vamos aplicar a lei.
E hoje não é assim?
Houve um descontrole na aplicação da lei e da fiscalização ambiental e a prova disso é que um percentual muito pequeno dos autos de infração se converte em multas e em punição.
Qual política é mais adequada?
Você tem que ter monitoramento, mas a pessoa que está lá na ponta tem que aprender a respeitar o órgão ambiental. Vamos criar conciliações ambientais: o sujeito recebe o auto de infração e vai para a Câmara de conciliação reconhecer parcialmente sua culpa e seu eventual dano. Não é oito ou 80, ou ele é totalmente criminosa ou tem que ser totalmente inocentado. Há um grau de transigência que hoje não tem. O sujeito trata o produtor como se ele fosse um bandido; e ele, por outro lado (diz): não, sou um anjo. E não é nem anjo, nem bandido. Esse bom senso precisa ter.
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