Sobre o calor nas grandes cidades e como sobreviver a ele
Por Amelia Gonzalez
02/01/2019 09h43 Atualizado há uma semana
Palco da virada, a Praia de Copacabana ficou lotada de
banhistas para aproveitar o dia de calor com vista para o Pão de Açúcar — Foto:
Alexandre Macieira/Riotur
A conversa entre amigos girou sobre o calor que nos espera,
aqui no Rio de Janeiro, nestes primeiros dias do ano. Não quisemos esquentar
mais a noite festiva trazendo o assunto da posse presidencial porque
correríamos o risco de voltarem à cena as desagradáveis discussões polarizadas
que, de verdade, agora não valeriam de mais nada. O fato foi dado, resta
vivê-lo de maneira digna. Falemos, então, sobre o clima.
O sol está mais quente? Ou a cidade está mais cheia, com
menos árvores e mais carros? Ou é isso tudo junto que tira a vontade de botar
uma roupa adequada e pegar o caminho da praia para se refrescar? E alguém
consegue se refrescar na praia, de verdade?
Sim, a cidade cresceu. Tenho aqui nos meus arquivos a
evolução, em números, deste crescimento. Em 1920 éramos 1.157 milhão de pessoas
dividindo o mesmo território que, hoje, abriga cerca de 6,5 milhões. A cidade
do Rio de Janeiro é a segunda maior aglomeração urbana do país e a terceira da
América Latina.
Mas este não pode ser o problema, já que cidades foram
feitas como atrativo para reunir pessoas em busca de relação e contato. É dessa
forma que se consegue criar, atividade que, verdadeiramente, nos diferencia dos
animais. Sozinho, o homem não consegue mais do que, apenas, sobreviver. É
quando está em grupo que as ideias se encontram e se proliferam.
Sendo assim, o que saiu errado foi mesmo a forma de
administrar estes espaços chamados cidades, que hoje já atraem mais de 50% da
população mundial. Foi quando as cidades viraram uma vitrine para atrair não só
pessoas mas todo o tipo de negócio e de especulações, que elas começaram a
deixar de lado algo que não podia ser deixado de lado: o bem estar dos cidadãos
comuns.
Quando o tema é este, gosto muito de trazer a história de “A
Carta de Atenas”, livro que traz a interpretação do arquiteto Le Corbusier
sobre as conclusões do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de
1933 (http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201933.pdf).
O exemplar que tenho em mãos foi editado no Brasil, pela USP, em 1993, e traz
uma definição para o urbanismo que nos ajuda a expandir os pensamentos sobre o
incômodo que muitos de nós sentimos, vivendo numa grande cidade como o Rio de
Janeiro.
“Urbanismo é a administração dos lugares e dos locais
diversos que devem abrigar o desenvolvimento da vida material, sentimental e
espiritual em todas as suas manifestações, individuais ou coletivas”.
Falávamos, durante a reunião festiva, sobre o projeto
urbanístico que transformou – para melhor, sem dúvida – a área do Porto do Rio
de Janeiro, mas também sobre como é difícil passear ali sob um sol inclemente
como o que nos está castigando nestes dias. Não há árvores ou,se há, são
aquelas que não dão sombra. Impossível se sentir bem ali.
Espaços verdes são
essenciais numa aglomeração urbana que às vezes provoca ilhas de calor
intensas, com sensação térmica muito superior a 40 graus. Portanto, deveria ser
a primeira providência dos arquitetos. Leiam um dos trechos da Carta de Atenas:
“Quanto mais a cidade cresce, menos as ‘condições naturais’
são nela respeitadas... O indivíduo que perde contato com a natureza é
diminuído e paga caro, com a doença e a decadência, uma ruptura que enfraquece
seu corpo e arruína sua sensibilidade, corrompida pelas alegrias ilusórias da
cidade”.
Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciam)
começaram em 1928, num período entre guerras que necessitava de reconstruções
em escala, portanto os arquitetos eram imensamente requisitados. Aqui no
Brasil, Oscar Niemeyer, Lucio Costa e outros se mantiveram antenados com as
mais recentes pesquisas e estudos que chegavam do continente europeu. A Carta
de Atenas traz o conteúdo do Ciam de 1933, onde imperou o Urbanismo
Funcionalista, que entre outras coisas sugeria a limitação do tamanho e da
densidade das cidades, a edificação concentrada, porém adequadamente
relacionada com amplas áreas de vegetação.
“As cidades, tal como existem hoje, estão construídas em
condições contrárias ao bem público e ao privado... é preciso buscar ao mesmo
tempo as mais belas paisagens, o ar mais saudável, levando em consideração os
ventos e a neblina, os declives melhor expostos, e, enfim, utilizar as
superfícies verdes existentes, criá-las se não existem ou recuperá-las se foram
destruídas".
O triste é reconhecer que um texto tão bem elaborado,
certamente fruto de reflexões em conjunto, de pessoas que verdadeiramente
imaginavam as cidades não como fonte de lucro, mas como locais para dar bom
abrigo a cidadãos, hoje está em desuso. Era preciso que o planejamento urbano
seguisse outras normas. “Uma crise de humanidade assola as grandes cidades e
repercute em toda a extensão dos territórios”, alertaram os arquitetos naquele
distante início do século passado. Como se sabe, não melhoramos nesta condição.
O jeito é criar soluções, assim mesmo no plural. Acordar
mais cedo para evitar estar na rua com o sol a pino, vestir roupas leves,
proteger a cabeça e se hidratar são algumas delas. Mas tem muito mais a fazer:
aliar-se à vizinhança para tentar adaptar vegetações e plantar árvores, desde
que com o auxilio de especialistas para criar oásis pode ser uma boa medida.
Exercer a cidadania é, neste caso, estar atento e cuidar do patrimônio público,
das ruas onde vivemos. E assim vai se cuidando, também, do meio ambiente.
Amélia Gonzalez — Foto: Arte/G1
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