terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Mudanças Climáticas: áreas úmidas ajudam a proteger contra secas e cheias”

Mudanças Climáticas: áreas úmidas ajudam a proteger contra secas e cheias”



01 Fevereiro 2019   |   0 Comments
Por Jorge Eduardo Dantas

Pesquisador associado da Coordenação de Pesquisas em Dinâmica Ambiental (Codam) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o alemão Jochen Schongart é hoje uma das maiores autoridades quando se fala de áreas úmidas brasileiras – em especial, as amazônicas.

Ele possui doutorado em Ciências Florestais e atua também como membro e vice-coordenador do grupo de pesquisa Mauá (Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas) no Inpa. O Grupo Mauá se dedica a estudar e gerar conhecimento sobre áreas úmidas no Brasil e conta com mais 50 participantes, entre pesquisadores, colaboradores, estudantes e técnicos.

Para celebrar este Dia Mundial das Áreas Úmidas – 2 de fevereiro - e relembrar a importância desses territórios, conversamos com o cientista, que alertou: “O maior perigo para as áreas úmidas são as mudanças no uso de terra e as mudanças do clima. Quando esses dois fatores atuam juntos, os ecossistemas ficam muito mais vulneráveis”.

Leia também: "Dia Mundial das Áreas Úmidas: nossas grandes aliadas contra as mudanças climáticas"

Qual a importância das áreas úmidas para o planeta?

As áreas úmidas são de suma importância para o equilíbrio ecológico da Terra. Elas têm um papel fundamental nos ciclos de água, de nutrientes, na recarga dos lençóis freáticos e na manutenção da biodiversidade. Nesses locais, geralmente temos uma flora e fauna altamente adaptadas às condições hídricas que resulta numa alta taxa de espécies endêmicas – ou seja, espécies que só existem ali. Essas formas de vida têm adaptações específicas, que lhes permitem sobreviver nestes ambientes.

As áreas úmidas são de suma importância para o ser humano também. O homem sempre procurou essas áreas para morar, porque elas fornecem muitos recursos naturais. Na Amazônia, elas fornecem peixes, madeira, caça, e no caso das várzeas, tem um solo rico em nutrientes, ideal para atividades econômicas como agricultura e pecuária. As vias fluviais também servem como vias de acesso e de mobilidade, então esse é outro fator que atrai as populações humanas para esses ambientes. 

No mundo todo, as áreas úmidas, de diversas tipologias, somam aproximadamente 13,6 milhões de quilômetros quadrados. Elas ocupam quase 20% da América do Sul e quase o mesmo tanto do território brasileiro. Na Bacia Amazônica, são mais de 30% do território, totalizando mais de 2 milhões de quilômetros quadrados. 

Que tipos de ameaças atingem hoje as áreas úmidas?

Hoje as áreas úmidas sofrem com vários problemas. Uma delas é a drenagem, pois há quem drene essas áreas para deixá-las mais secas e aproveitá-las para pecuária e agricultura. Outros problemas são a poluição das águas pelo esgotos e resíduos domésticos; a mineração, que joga dejetos nesses espaços. A construção de hidrelétricas muda o regime hidrológico das áreas úmidas, causando mudanças nos ciclos de secas e cheias e causam grandes impactos nesses ambientes. Construção de hidrovias, diques, exploração indevida de recursos naturais como peixes e madeiras e o desmatamento nas cabeceiras também resultam na degradação desses ambientes.

Temos feito o suficiente para proteger essas áreas?

Ainda não. O Brasil não possui uma legislação especifica para áreas úmidas. Embora, precisamos reconhecer, temos boas iniciativas: nas últimas décadas, o Brasil fez um enorme esforço para criar Unidades de Conservação de diferentes tipos. Mais de 50% da Amazônia hoje é área protegida, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Nesses territórios você tem grandes complexos de áreas úmidas que estão sob algum grau de cuidado. Outra plataforma importante é o Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU), criado pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA) em 2003.

Além disso, em 1993 o Brasil assinou a Convenção de Ramsar, que busca ajudar na implementação de políticas públicas coerentes para áreas úmidas e no uso sustentável dos recursos naturais dessas áreas. Isso está encaminhado, mas não está suficientemente implementado. Mas o fato de que temos vários Sítio Ramsar no Brasil – atualmente são 27 deles - mostra a importância que a proteção desses ecossistemas tem.

De que maneira a população pode ajudar a conservar as áreas úmidas?

Penso que, de maneira geral, a questão da Educação Ambiental é muito importante. Ter cuidado com os resíduos e com o lixo é fundamental. Em Manaus, por exemplo, parte dos problemas dos nossos igarapés é causado pela própria população, que joga todo tipo de lixo nesses pequenos rios. Precisamos ter cuidado com o desmatamento também, pois as áreas úmidas são muito sensíveis. Hoje parte delas é Área de Preservação Permanente (APP), como descrito no Código Florestal. Evitar o desmatamento das margens de rios ajuda a protegê-las. A Educação Ambiental promove a proteção geral dos ecossistemas e as áreas úmidas se beneficiam disso também.

As áreas úmidas exercem alguma função no combate aos efeitos das mudanças climáticas?

Sim. De maneira simples, podemos dizer que as áreas úmidas ajudam a proteger contra eventos severos de secas e cheias. Elas funcionam como “esponjas”: nos períodos de cheia, elas absorvem e armazenam a água em excesso que chega nos ambientes. No período seco, elas devolvem essa água, aos poucos, ao sistema natural. Então elas ajudam a amortecer impactos, diminuindo a gravidade das secas e cheias. Mas precisamos lembrar que essas áreas também sofrem com as mudanças climáticas. 

Sofrem de que maneira?

Atualmente, o grupo de pesquisa Mauá, do Inpa, coordenado pela doutora Maria Teresa Piedade e por mim, estuda vários distúrbios relacionados às mudanças do clima. Nós já percebemos, por exemplo, que em anos de El Niño, quando ocorre uma diminuição das chuvas, os igapós ficam secos demais e se tornam muito suscetíveis ao fogo – como ocorreu em 2016, quando centenas de hectares foram queimados no Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, e algumas campinas passaram pelo mesmo processo no Parque Nacional do Viruá, em Roraima. Nos anos de cheias severas, em que os níveis mínimos dos rios ficam muito elevados, as florestas alagáveis em terrenos mais baixos chegam a ficar dois anos ou mais inundadas. Isso é tempo demais. Algumas espécies de árvores não têm capacidade para aguentar esse tempo todo e você percebe um processo de mortalidade dessas árvores. Qualquer mudança no ciclo hidrológico, com cheias maiores, secas mais intensas, ou mudança no regime de hidrologia de chuvas, tudo isso impacta as áreas úmidas e pode ameaçar a vida que existe nesses ambientes. 

É possível que essas mudanças levem algumas espécies à extinção?

Sim. O maior perigo para as áreas úmidas são as mudanças no uso de terra e as mudanças do clima. Quando esses dois fatores atuam juntos, os ecossistemas ficam muito mais vulneráveis, seja pelo excesso ou pela falta da água. Algumas espécies que tem ocorrência restrita num determinado local, que só ocorrem ali, podem ser extintas num nível regional.

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