terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Folha de S. Paulo – Foi um massacre / Editorial


02 fev 19

Catástrofe em Brumadinho tem características de um desastre anunciado.

Vídeos divulgados pela primeira vez nesta sexta-feira (1º) acrescentaram dramaticidade a uma tragédia que comoveu o Brasil inteiro. Após romper-se a barragem em Brumadinho (MG), a lama avança sem dar chance a ninguém que esteja pela frente. Foi um massacre.

As buscas por sobreviventes continuam, mas há cada vez menos esperança. Já são mais de cem mortos, e tudo indica que, infelizmente, o número final passará de 300.

Não se imagine, contudo, que exista algo de inevitável nessa cifra. A contagem poderia ter sido bem menor se a Vale tivesse prestado atenção ao próprio plano de emergência da barragem.

Conforme revelou esta Folha, a empresa sabia que o rompimento naquela mina destruiria áreas industriais, incluindo o restaurante e a sede da unidade, bem como uma pousada na região. Sabia e nada fez.

Trata-se de “estudo de ruptura hipotética”, afirma a mineradora. Nada há de hipotético, porém, nas perdas humanas irreparáveis que já foram provocadas.

Tampouco parece imprevisível a ocorrência de catástrofes semelhantes no futuro. O fantasma de Mariana (MG), meros três anos atrás, não paira como lembrança daquilo que se deve a todo custo evitar, e sim como aviso de que o desastre voltará a acontecer.

Um contingente enorme de brasileiros convive, quiçá sem saber, com esse horizonte sombrio. São 3,5 milhões de pessoas habitando cidades com barragens que apresentam risco de rompimento — um total de 45 estruturas vulneráveis, espraiadas por mais de 30 municípios de 13 estados.

A quantidade de reservatórios em situação precária talvez seja ainda maior; nem todos os órgãos fiscalizadores enviam informações completas às agências reguladoras.

O quadro é mais absurdo porque inexiste na legislação distância mínima a ser respeitada entre barragens e comunidades do entorno. Moradores de localidades com essas características têm, com razão, pressionado os prefeitos a apertar o cerco em relação à segurança.

O descaso não se restringe ao nível municipal ou estadual. Em sua contribuição negativa à questão, o Congresso impediu, em 2018, que se aumentasse o valor das multas aplicadas pela Agência Nacional de Mineração, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo.

Medida provisória do governo Michel Temer (MDB) estabelecia sanção de até R$ 30 milhões, mas, por omissão dos congressistas, a penalidade máxima permaneceu em R$ 3.200, ou pouco mais que a autuação a um motorista alcoolizado.

No caso de Brumadinho, os R$ 350 milhões de multas até agora aplicadas à Vale se referem a infrações ambientais — ao menos 200 hectares de mata nativa foram destruídos.

Se é certo que o endurecimento da legislação, por si só, é incapaz de resolver problemas em qualquer campo, não há dúvida de que a necessária atividade fiscalizatória, para ser eficiente, precisa de amparo em normas que lhe deem poder dissuasório.

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