Impacto da pecuária no meio ambiente incentiva adesão ao vegetarianismo
Setor é um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa
Imagem: Stijn te Strake on Unsplash
Setores como transportes, energia e agricultura são vistos como símbolos do aumento de gases do efeito estufa. No entanto, a pecuária, muitas vezes deixada em segundo plano, tem impacto igual ou superior quando o assunto são mudanças climáticas, e muitas pessoas estão parando de ingerir carne por causa disso. É o chamado vegetarianismo ambiental, tema da pesquisa, ainda em andamento, de Ravi Orsini pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE).
A ideia do mestrando foi montar um panorama geral do impacto da pecuária nas mudanças climáticas e como esse cenário influencia o vegetarianismo ambiental.
Para isso, ele utiliza a metodologia conhecida como mapeamento de
controvérsias sociotécnicas. “Serve para abordar assuntos dentro da
ciência que são controversos, aqueles dos quais não se tem uma
concordância generalizada”. Em suma, o método trata-se de uma revisão
bibliográfica que procura respeitar os diferentes atores dentro de uma
situação. “Ele mantém a proporcionalidade. É uma representação
respeitosa da diversidade de pensamentos dentro de uma controvérsia
sobre um assunto.”
O impacto mais famoso que a criação de gado gera diretamente é a liberação de metano através
do processo digestivo dos animais. No entanto, não é a única. As fezes
destes animais, por exemplo, emitem óxido nitroso (N₂0), composto com
grande potencial para contribuir com o efeito estufa. Para efeito de
comparação, uma molécula de N₂0 equivale a 310 moléculas de dióxido de
carbono (CO₂).
Existem
também os impactos mais indiretos, e é nesse ponto que muitas
controvérsias começam a aparecer. A metodologia de diferentes relatórios
leva a interpretações distintas. Ao mesmo tempo que alguns estudos
calculam apenas essas emissões diretas, outros somam-as com mais
fatores. Entre eles, as queimadas e desmatamentos, que visam a criação
de novas terras para plantio ou criação de gado; e a agricultura, que em
sua maioria é produzida para servir de ração para a pecuária, como
mostra o relatório A Longa Sombra da Pecuária, produzido pela
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em
2006. De acordo com ele, cerca de 97% do farelo de soja e 60% da
produção global de cevada e milho são destinados para alimentar animais
de corte.
Com
diferentes metodologias, aparecem grandes divergências nos resultados.
Por exemplo, no mesmo relatório em 2006, a FAO afirma que a pecuária
representa 18% das emissões de gases do efeito estufa geradas pelo
homem. Já a Worldwatch Institute, organização de pesquisa sobre os
impactos das mudanças climáticas, em estudo de 2009, fala em 51%. “É uma
diferença gigantesca, que depende de vários fatores”.
No
cenário nacional, essa tendência continua. De acordo com o Sistema de
Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do
Observatório do Clima, o setor de mudanças no uso do solo —
desmatamentos e queimadas — junto com a agropecuária respondem por 71%
das emissões do país.
Apesar
dos dados, Orsini conta que setores como transportes e energia
continuam recebendo mais atenção da mídia. “Para dar uma noção dessa
questão, tem um artigo da pesquisadora Myanna Lahsen em que ela faz uma
revisão nos artigos jornalísticos brasileiros que falam de mudanças
climáticas, calculando a porcentagem deles que cita a pecuária. O
resultado é uma quantidade ínfima de 0,14%”.
O
estudo Perfil da Pecuária no Brasil, produzido em 2018 pela Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne mostra que a pecuária é
responsável por 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Apesar dessa
importância, os impactos negativos da atividade a tornam prejudicial
economicamente. Um relatório de 2015, do Conselho Empresarial de
Desenvolvimento Sustentável em parceria com Agência Internacional de
Cooperação Alemã, mostrou que a cada 1 milhão de reais adquiridos com
pecuária bovina, gera-se 22 milhões em impacto ambiental. Para modelo de
comparação, o cultivo de soja gera 3 milhões. “É uma cadeia muito
importante para o Brasil. Mas o verdadeiro custo da carne não é só que o
consumidor paga, é também o que a natureza paga”.
Saídas para o problema
O
vegetarianismo ambiental aparece como solução para as pessoas que têm
acesso a esses números. Orsini explica que muitos trabalhos acadêmicos
já colocam a questão entre as principais motivações para o
vegetarianismo, junto com a ética, principalmente com relação aos
direitos dos animais, e à saúde. “Está cada vez mais crescente. As
pessoas estão deixando de comer carne, ou apenas reduzindo seu consumo,
por conta de questões socioambientais”. O pesquisador, porém, ressalta
que esse é apenas um modelo de classificação. “A forma como as pessoas
estabelecem as motivações nas suas cabeças não é separada nessas
caixinhas ontológicas, tudo se mistura”.
Segundo
ele, o esperado não é que todos sejam vegetarianos. “Alimentação não se
trata só de matemáticas ambientais, disponibilidade de alimentos e
questões ecológicas. Sabemos que existem questões culturais e que a
carne é estrutural para uma boa parte dos brasileiros”.
A
intenção é em grande medida informar a população, para que as pessoas
façam suas escolhas com maior respaldo científico. Para isso, ele criou
um site que complementa seu mestrado. Nele, estão disponíveis diversos
artigos sobre o assunto, assinados por colegas especialistas na área de
ciência ambiental.
Além
da diminuição de consumo de carne, existem outras soluções para o
problema. Porém, a maioria delas não funciona totalmente no modelo
industrial de produção existente hoje. A pecuária mais sustentável é um
exemplo disso. Quando aplicada em um modelo extensivo — em grandes áreas
e com os animais se alimentando do pasto — incentivam o desmatamento e
as queimadas; e em um modelo intensivo — em pequenas áreas com o gado se
alimentando no cocho — necessitam de grande produção de ração,
incentivando a agricultura e, portanto, também as queimadas e o
desmatamento para uso de terras. Ambos os modelos teriam seu impacto
reduzido caso a demanda por carne fosse menor que a atual.
Outra
possibilidade é a carne in vitro, produzida em laboratório. Ela consome
muito menos recursos que o modelo tradicional, mas ainda tem um alto
custo devido à tecnologia.
Nascido
em família vegetariana e formado em Gestão Ambiental pela USP, Orsini
sabe que a alimentação é uma questão muito individual, mas ressalva: “Ao
mesmo tempo, também é uma questão que extrapola os níveis pessoais. As
consequências de uma alimentação com muita carne viram externalidades ambientais para as pessoas, natureza e futuro climático”, completa.
Fonte: AUN/USP
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