A Questão Ambiental como Elemento Central, Integrador e Articulador de um Novo Modelo de Desenvolvimento para o Brasil e para o Mundo, artigo de Angelo José Rodrigues Lima
[EcoDebate]
Estamos em 2019 no mês do meio ambiente, o qual no dia 5 de junho é
comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente e se este ano não temos
absolutamente nada para comemorar no Brasil, muito pelo contrário, pode
ser um ótimo momento para fazer uma profunda reflexão sobre a URGÊNCIA
de que a questão ambiental seja o elemento central e integrador de um
novo modelo de desenvolvimento para o país e quiçá para o mundo.
Ousaria
dizer que esta urgência é para o mundo, porém, o exercício deste artigo
se limitará mais ao Brasil, pois de outro lado, é fundamental que
primeiro façamos o dever de casa.
E
a urgência para o mundo e para o Brasil, é também demonstrada pelo
Relatório de 2019 do Institute for Public Policy Research (IPPR), de
Londres, que segundo este “os impactos humanos negativos no
meio ambiente vão além das mudanças climáticas para abranger a maioria
dos outros sistemas naturais, conduzindo um processo complexo e dinâmico
de desestabilização ambiental que atingiu níveis críticos. Esta
desestabilização está ocorrendo em velocidades sem precedentes na
história humana e em consequência disso entramos na idade do colapso
ambiental (the age of environmental breakdown)”.
Alguns dados deste relatório informam que:
Os sistemas naturais globais estão sofrendo desestabilização em uma escala sem precedentes:
• Os
20 anos mais quentes desde o início dos registros, em 1850, foram nos
últimos 22 anos, sendo os últimos quatro anos os mais quentes já
registrados.
• A população de vertebrados caiu em média 60% desde a década de 1970.
• Mais de 75% da terra da Terra está substancialmente degradada
A desestabilização de sistemas naturais está ocorrendo a uma velocidade sem precedentes:
• Desde
1950, foram observadas mudanças em muitos eventos meteorológicos e
climáticos extremos, incluindo um provável aumento na frequência de
ondas de calor em grandes partes da Europa, Ásia e Austrália, e a
frequência ou intensidade de eventos de precipitação pesada na América
do Norte e Europa.
• As taxas de extinção aumentaram para entre 100 a 1.000 vezes a “taxa de base” da extinção.
• A
camada superficial do solo está sendo perdida 10 a 40 vezes mais
rapidamente do que é reabastecida por processos naturais e, desde meados
do século XX, 30% da terra arável do mundo tornou-se improdutiva devido
à erosão; 95% das áreas terrestres da Terra podem se degradar até 2050.
E
esta reflexão se dará tanto pelos aspectos negativos, a nossa crise
civilizatória e ambiental, como pelo aspecto positivo ou mesmo da
oportunidade que temos ao inserir o tema ambiental como central,
integrador e articulador de um modelo de desenvolvimento para o país e
do mundo.
Pelo
aspecto negativo, ao longo dos últimos anos podemos contabilizar
diversas perdas de vida, conforme o Escritório das Nações Unidas para a
Redução de Riscos e Desastres alertou que em 2015 quase 100 MILHÕES de
pessoas tiveram suas vidas destruídas ou desestruturadas por desastres
“naturais”, dentre esses desastres, contam-se 32 secas extremas que
atingiram mais de 50 milhões de pessoas.
Outro
exemplo que é mais próximo ao Brasil, é a proliferação global do Aedes
aegypti e do Aedes albopictus que se deve não apenas às mudanças
climáticas e à destruição pelo homem dos habitats silvestres, mas também
ao colapso em curso das populações de insetívoros: aves, anfíbios,
peixes e répteis.
E
os desastres “naturais” ou outros também causam prejuízo econômico,
como por exemplo, a crise hídrica que Barcelona sofreu entre 2007 e 2008
onde a cidade precisou trazer quatro navios de água da França por dia,
com 250 mil metros cúbicos de água em cada navio para poder fornecer
água à população. Essa crise causou um prejuízo de um bilhão de euros
para a economia catalã, representando cerca de 0,87% do PIB da Catalunha
em dois anos.
Em
2017, em todo o Brasil, 872 cidades tiveram reconhecimento federal de
situação de emergência causada por um longo período de estiagem. A
região mais afetada foi a do Nordeste e o estado da Paraíba, que
concentrou o maior número de municípios, com 198 que comunicaram o
problema à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec).
Cada vez mais temos fatos que cruzam a questão ambiental, a economia e a questão social.
A
crise hídrica na Região Sudeste, em especial no Estado de São Paulo,
onde a hidrovia do Tietê fechou por seis meses e isso representou a
perda de 5 mil empregos diretos que trabalhavam na hidrovia e outros
indiretos e na mobilização de 10 mil caminhões para transportar o que a
hidrovia transportava.
As tragédias ambientais da SAMARCO e da VALE também reforçam a importância do debate para um novo modelo de desenvolvimento.
Os
Relatórios do Fórum Econômica Mundial, desde 2015, reconhecem como
elementos de grandes riscos para negócios, a crise da água, eventos
extremos, mudança climática, crise na produção de alimentos e outras
crises como a da migração que tem uma grande relação com as já
mencionadas.
Novamente
cruzando a questão ambiental com a questão social temos a ocupação da
maior parte dos leitos hospitalares com doenças que tem origem na má
qualidade da água e esses leitos são ocupados por pessoas de baixa
renda.
Situação
que se explica, pela ausência de saneamento, onde no Brasil cerca de 35
milhões de brasileiros não tem acesso à rede de água potável; 95
milhões de brasileiros não tem coleta de esgotos e 54% dos esgotos não
são tratados.
Estudos
recentes comprovam que moradores de locais sem saneamento básico ganham
salários menores do que a população com acesso a água, coleta e
tratamento de esgoto, por isso, também estão mais vulneráveis a doenças
comuns em áreas em que essa infraestrutura inexiste ou é precária – e o
efeito disso é uma elevação nas despesas com saúde pública, que na
realidade são despesas com doenças, não de fato com saúde.
A figura abaixo demonstra como estava a distribuição da riqueza em 2013.
A
riqueza da humanidade adulta (cerca de 4,7 bilhões de pessoas) é de
240,8 trilhões de dólares (2013). Mais de dois terços (68,7%) dos
indivíduos adultos situados na base da pirâmide da riqueza, possuem 3%
(7,3 trilhões de dólares) da riqueza global, com ativos de no máximo 10
mil dólares. No topo da pirâmide, 0,7% de adultos possui 41% da riqueza
mundial (98,7% trilhões de dólares). Somados os dois estratos superiores
da pirâmide – 393 milhões de indivíduos ou 8,4% da população adulta –
detêm 83,3% da riqueza mundial.
Figura –
Pirâmide global da riqueza em 2013. Baseado em The Crédit Suisse Global
Weath Report 2013 (em rede). Observação: Riqueza é aqui entendida como o
conjunto dos ativos de um indivíduo adulto. (livro Capitalismo e
Colapso Ambiental – 2ª edição)
Este
é um dos desafios para a questão ambiental, pois a distribuição da
riqueza está associada à satisfação de suas necessidades.
Para
satisfazer a avidez de 393 milhões de indivíduos – os 8,4% da população
mundial adulta detentora de 83,3% da riqueza mundial –, move-se a
economia do planeta, máquina produtora de crises ambientais, a começar
pelas mudanças climáticas: “os
500 milhões de pessoas mais ricas do mundo produzem metade das emissões
de CO2, enquanto os 3 bilhões mais pobres emitem apenas 7%”.
Com
a rápida degradação ambiental, a maioria esmagadora da humanidade, nem
mesmo os mais ricos, poderão não ter mais acesso na melhora da qualidade
de vida, pois isto não é possível num meio ambiente em rápida
degradação.
De
outro lado, pelo aspecto positivo, o Brasil tem excelentes
oportunidades de refletir sobre um novo modelo de desenvolvimento que
pode colocar a questão ambiental como central para integrar e articular
um desenvolvimento baseado nas suas riquezas naturais, na sua
diversidade e na existência de diferentes biomas (Amazônico, Pantanal,
Mata Atlântica, Cerrado, Pampa, Caatinga).
O
Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta. Esta abundante
variedade de vida – que se traduz em mais de 20% do número total de
espécies da Terra – eleva o Brasil ao posto de principal nação entre os
17 países megadiversos (ou de maior biodiversidade).
Além disso, pelo fato do Brasil ter cerca de 13% da água do mundo, quantidade que aumenta para 18% considerando ainda as vazões oriundas de território estrangeiro que ingressam no país da Região Amazônica, Uruguai e Paraguai (RAUBER; CELLA, 2008).
O
Brasil ainda possui Unidades de Conservação que contribuem para
regulação da quantidade e qualidade de água para consumo; fertilidade
dos solos e estabilidade das encostas (relevo); equilíbrio climático e
manutenção da qualidade do ar; alimentos saudáveis e diversificados;
base para produção de medicamentos para doenças atuais e futuras; áreas
verdes para lazer, educação, cultura e religião; fornecer matéria-prima
para tudo o que se possa imaginar, ou seja, elas oferecem oportunidades
para novos tipos de negócios.
Portanto,
o Brasil com tanta riqueza natural, apresenta uma excelente
oportunidade para todos nós que trabalhamos na área ambiental e também
para a sociedade brasileira de fazer a reflexão mais profunda e urgente
do momento:
–
Repensar o Modelo de Desenvolvimento para o país, de forma que ele
incorpore no centro do debate a questão ambiental articulando a economia
e melhorando a qualidade de vida para toda a sociedade.
Os fatos acima e outros que são inumeráveis, demonstram esta urgência. Tenho esperança que tenhamos a sabedoria dos “loucos” para fazer este debate.
* Por Angelo José Rodrigues Lima
–Biólogo (UFRRJ), Mestre em Planejamento Ambiental (UFRJ), Doutor em
Geografia em Análise Ambiental e Dinâmica Territorial (UNICAMP).
REFERÊNCIAS
Capitalismo e Colapso Ambiental. Marques Filho, Luiz César. 2.ed.rev. e ampl – Campinas SP: Editora da Unicamp, 2016.
Secas no Brasil – Política e gestão proativas. Organizadores. De Nys, Erwin e outros. CGEE. 2016.
Um
século de secas: PORQUE AS POLÍTICAS HÍDRICAS NÃO TRANSFORMARAM O
SEMIÁRIDO BRASILEIRO. Catarina de Oliveira Buriti e Humberto Alves
Barbosa. Chiado Books, 2018.
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: CONSERVANDO A VIDA, OS BENS E OS SERVIÇOS AMBIENTAIS. São Paulo – 2008
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/06/2019
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