Mas, afinal, é possível eliminar resíduos de agrotóxicos da água e dos alimentos?
Após revelação de testes realizados entre 2014 e 2017 que apontaram água contaminada em cidades de todo o Brasil, nossa reportagem buscou entender como purificar seu alimento
Fonte: Agência Pública
Por Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil
O brasileiro nunca consumiu tanto agrotóxico quanto hoje. O número de produtores que usam pesticidas na plantação cresceu 20% em 10 anos,
segundo o IBGE, enquanto a aprovação para comercialização dos químicos
subiu 135% em uma década, conforme mostrado nos novos registros
publicados pelo Ministério da Agricultura. Apenas este ano, a pasta
aprovou 169 novos produtos agrotóxicos e publicou a liberação de outros
197 registros.
Hoje
são 2.263 produtos agrotóxicos no mercado, e um uso anual de mais de
500 mil toneladas, segundo o Ibama. Os venenos podem entrar no corpo por
meio de contato com a pele, mucosa, pela respiração e pela ingestão. O
risco é crescente devido à dificuldade em retirar os pesticidas dos
alimentos e até mesmo da água.
Segundo
pesquisadores consultados pela reportagem, ainda não há no mercado
métodos que retirem totalmente o agrotóxico da água – o que reforça a
importância de as autoridades monitorarem a qualidade da água.
Já
no caso dos alimentos, deixar os produtos de molho na água sanitária,
bicarbonato de sódio ou vinagre pode ajudar a retirar os tóxicos
impregnados nas cascas – mas a medida não tem efeito nos casos em que o
veneno chega à parte interna do produto.
Segundo dados do Ministério da Saúde
dentro do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para
Consumo Humano (Sisagua), mais de 1.300 cidades encontraram resíduos de
agrotóxicos na água que sai das torneiras em medições feitas entre 2014
e 2017. Embora a maioria esteja abaixo do limite legal permitido no
Brasil, não existem estudos sobre o potencial da mistura de diferentes
agentes químicos.
O
levantamento também descobriu que dentre os 5.570 municípios
brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017.
A
maioria dos filtros encontrados no mercado, como o de barro, não têm
capacidade de retirar os agrotóxicos. “Uma vez que o pesticida chega na
água, ainda não se tem um processo bem substanciado e que garanta que o
cidadão possa usá-lo para fazer a purificação”, diz o professor Antônio
da Hora, que ministra disciplina de Recursos Hídricos no Departamento de
Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense
(UFF).
O
motivo são as transformações sofridas pelo pesticida. “Quando o
princípio ativo cai na água de um rio, que pode servir de fonte de
abastecimento, as moléculas sofrem vários processos químicos e
microbiológicos. A degradação se dá via luz do solar, além da oxidação, e
a molécula produz outros compostos, chamados de subprodutos. Um
agrotóxico pode ter um, dois, três ou até mais subprodutos”, explica a
professora e pesquisadora do Departamento de Química da Universidade
Estadual de Londrina Maria Josefá Yabe.
Porém,
o professor de Recursos Hídricos da UFF Antônio da Hora informa que a
população não precisa entrar em pânico sobre a presença de pesticida na
água. “Não vejo esse sintoma a nível nacional. Talvez em uma região
pontual ou outra, próximas às áreas de produção [agrícola]. Se você vê
as resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que dão o
limite máximo de agrotóxico na água, vemos que estamos bem abaixo”,
explica.
De acordo com dados do Sisagua,
0,3% de todos os casos de pesticidas detectados na água entre 2014 a
2017 ultrapassaram o nível considerado seguro para cada substância, de
acordo com o limite legal brasileiro. Os limites brasileiros, porém, são
inferiores aos europeus. Do total de torneiras brasileiras
contaminadas, 12% estavam acima do limite considerado seguro na União
Europeia.
Água engarrafada
Segundo
especialistas, nem mesmo a água mineral seria totalmente segura, pois o
recurso é retirado de mananciais subterrâneos ou nascentes, que não
deixam de ser suscetíveis a contaminação. Entretanto, no caso de água
mineral engarrafada, o produto precisa passar por uma avaliação
criteriosa antes de chegar ao mercado. A cada três anos as empresas
precisam apresentar à Anvisa uma análise completa da mercadoria.
A Resolução nº 274 de 22 de setembro de 2005 da Anvisa,
que regulamenta a venda de águas envasadas e gelo no Brasil, define
limites máximos permitidos das substâncias químicas que representam
risco à saúde, inclusive de agrotóxicos. O glifosato, por exemplo, tem
como tolerância 500 micrograma por litro.
Porém,
um novo fabricante que pretenda vender água mineral não precisa passar
por um processo de registro para colocar o produto no mercado, basta
comunicar o órgão de vigilância local sobre o início da fabricação.
“Para as águas envasadas, o foco das ações sanitárias está no controle
pós-mercado, quando já estão em comercialização. Ressalta-se que todo
estabelecimento que exerce atividade na área de alimentos deve ser
inspecionado e licenciado pela vigilância sanitária local”, informou a
Anvisa à reportagem.
A
fiscalização do produto pode ocorrer durante a realização de atividades
programadas ou como resultado denúncias, diz a agência fiscalizadora.
Diferentemente
da água, há modos simples de retirar os agrotóxicos impregnados em
alimentos. A própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem um guia na página oficial onde dá recomendações, mas destaca que os métodos não surtem efeito nos casos em que o pesticida são absorvidos para a parte interna do alimento.
Na
página, a agência ligada ao Ministério da Saúde recomenda “adquirir
alimentos orgânicos ou provenientes de sistemas agroecológicos, assim
como os chamados alimentos da ‘época’ (safra), que costumam receber, em
média, carga menor de agroquímicos”. O guia explica que os pesticidas
podem ser classificados em dois modos de ação, os sistêmicos e de
contato. O primeiro grupo atua no interior das folhas e polpas,
penetrando nelas. Já os de contato agem, principalmente, nas partes
externas do vegetal, embora uma quantidade possa ser absorvida pelas
partes internas. Com isso, lavar e retirar as cascas e folhas contribuem
para a retirada de parte dos pesticidas, porém são incapazes de
eliminar aqueles contidos no interior do alimento.
Os
produtos sistêmicos são preferidos por muitos agricultores, e são
usados principalmente quando a necessidade de atingir o alvo (erva
daninha, fungo ou praga) é maior. O produto também rende mais. Enquanto é
necessário mais de 70 gotas por centímetro quadrado de um fungicidas de
contato, a quantidade usada do sistémico varia entre 30 e 50 gotas.
A
Anvisa indica a imersão prévia dos alimentos por 20 minutos em água com
hipoclorito de sódio (água sanitária), que pode diminuir também a
contaminação por germes e micróbios.
Segundo
a a professora Maria Hosana Conceição da Faculdade de Farmácia da
Universidade de Brasília (UnB), o ideal é usar a água sanitária
tradicional, ou seja, que contém apenas hipoclorito de sódio. Isso
porque há diferentes versões com elementos que podem fazer mal à saúde.
“O
hipoclorito de sódio é um bom oxidante, auxilia na preservação do
alimento que vai ser consumido in natura e na retirada dos agrotóxicos
que não penetram no fruto. Com isso, os pesticidas concentrados na casca
são minimizados”, explica a professora Maria Hosana Conceição da
Faculdade de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB). A professora
destaca que o cloro é prejudicial a saúde humana, por isso depois de
deixar o alimento de molho é necessário lavá-lo com água corrente para
retirar totalmente os resíduos.
Além
disso, a especialista indica também a utilização do bicarbonato de
sódio. “É um produto que vai proteger o alimento e pode reagir com
alguns agrotóxicos que não penetram o fruto, diminuindo a exposição
alimentar. E o bicarbonato tem uma base fraca. Usado até mesmo para
minimizar a acidez do estômago, ele não traz o risco à saúde que
consumir o cloro traz. Não vai danificar o alimento e ainda minimiza o
risco de exposição aos pesticidas”, pontua.
Projetos promissores
Com
o avanço da tecnologia, produções científicas estão sendo desenvolvidas
no Brasil e no mundo para tentar acabar totalmente com a contaminação
causada por agrotóxicos nos alimentos e nos líquidos ingeridos.
Um
desses projetos é o GlyFloat, uma espécie de filtro-boia com
microrganismos programados biologicamente para degradar resíduos de
glifosato, o agrotóxico mais utilizado no Brasil, com mais de 173 mil
toneladas vendidas apenas em 2017.
O
projeto é da Equipe de Biologia Sintética da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), um jovem time de 17 alunos dos cursos de
Biotecnologia, Biologia, Engenharia Física e Design de Produto com média
de idade entre 20 e 22 anos.
A
estudante de biotecnologia Deborah Schafhauser, 22 anos, explica que a
ideia do projeto surgiu quando eles perceberam a dificuldade que as
estações de tratamento de água tinham para retirar o glifosato no Rio
Grande do Sul. “Vimos a oportunidade de alinhar o nosso conhecimento com
as ferramentas que tínhamos dentro da universidade para criar o
produto”, explica.
O
projeto consiste em utilizar uma bactéria isolada da espécie
Escherichia coli da linha K12 – que habita naturalmente no intestino de
humanos e de alguns animais. Trata-se de uma das bactérias mais
utilizadas na bioengenharia e microbiologia industrial.
“Identificamos
que o metabolismo dessa bactéria possui a capacidade de degradar o
glifosato. Então, o objetivo do projeto é fazer com que a bactéria sinta
necessidade de degradar o herbicida e assim conseguimos removê-lo da
água”, explica. A bactéria é colocada dentro de um filtro. “Elas ficaram
fixas no filtro, que vai ficar um rio ou estação de tratamento, como
uma boia”, completa.
O
projeto ainda está em fase de desenvolvimento, mas em outubro deste ano
ganhará o mundo em uma das maiores competições de biologia sintética do
planeta, o International Genetically Engineered Machine,
a Competição Internacional de Engenharia de Sistemas Biológicos, em
Boston. Para bancar a viagem aos Estados Unidos e os custos do projeto, a
equipe fez uma campanha de financiamento coletivo pela internet, onde
conseguiram arrecadar cerca de R$ 32 mil.
“Após
a competição, continuaremos as discussões sobre o futuro do projeto.
Gostaríamos de aplicar no mercado, levar as companhias de saneamento e
assim tentar fazer o projeto chegar à população. Mas antes disso estamos
focados em identificar os pontos a serem concluídos para entregar o
melhor material”, conclui Deborah.
Espuma que absorve agrotóxicos
Outro projeto inovador vem da Universidade Federal de Minas Gerais
e é liderado pela pós-doutoranda em Engenharia Metalúrgica e de
Materiais Marys Braga Almeida. Consiste em utilizar poliuretano –
conhecido pelo uso em espumas, como nas buchas para banho – para retirar
agrotóxicos da água e de alimentos. “A ideia começou a ser executada no
meu doutorado. O objetivo era criar esse material que pudesse retirar
contaminantes orgânicos da água, como o pesticida, e que também fosse
sustentável, podendo ser utilizado mais de uma vez”, explica.
Sua
equipe conseguiu desenvolver uma espuma com reagentes de poliuretano de
origem vegetal. “A metodologia consiste em imergir a espuma dentro do
sistema, onde ele fica em contato com a água. Deixamos por um
determinado prazo, e depois retiramos a espuma. No caso de alimentos, os
colocamos dentro da água, junto da espuma”, completa a pesquisadora
Marys Braga.
Após
isso, os exames comprovaram a remoção dos contaminantes da água. “Com
vários testes fomos aperfeiçoando o projeto. Hoje, é possível remover os
herbicidas sem afetar os nutrientes dos alimentos. Conseguimos também
utilizar a mesma esponja diversas vezes sem saturar o material,
garantindo que ela continua a remover os resíduos”, afirma. A primeira
etapa de testes foi feita com os herbicidas Atrazina e Trifluralin,
utilizado em diversos plantações, como as de alho, berinjela, cebola,
cenoura, couve-flor, feijão e tomate.
O
projeto continua em desenvolvimento. “A pesquisa precisa avançar mais
para chegar até o consumidor. Temos contato com empresas privadas e
companhias de saneamento para analisar a sua viabilidade em grande
escala. É um estudo que precisa avançar, mas estamos conseguindo ótimos
resultados”, avalia a pesquisadora.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
https://apublica.org/2019/06/e-possivel-eliminar-residuos-de-agrotoxicos-da-agua-e-dos-alimentos/
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