Amazônia em Chamas: fumaça das queimadas avança sobre a região Sudeste

Por: Izabel Santos | 21/08/2019 às 00:24

Os desmatamentos e o fogo das imagens de satélites do Inpe não deixam dúvidas de que a devastação da floresta provoca uma grande crise climática no Brasil (Imagem em 19 de agosto de 2019 (Nasa))

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Manaus (AM) – O primeiro semestre do ano de 2019 foi marcado por altos índices dos desmatamentos e queimadas na Amazônia Legal. Boa parte da população brasileira ainda questiona os dados revelados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) diante da política de negação, propagada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que a devastação da floresta não causa sérias alterações climáticas no Brasil e no planeta. Mas um fenômeno que aconteceu na tarde de segunda-feira (19) chamou atenção de todo o mundo para a real situação em que se encontra a floresta: uma “mega nuvem” de fumaça das queimadas da Amazônia tomou conta do céu de São Paulo.

Nesta primeira reportagem sobre as atuais consequências dos desmatamentos e queimadas na Amazônia, a agência Amazônia Real entrevistou diversos especialistas reconhecidos pelos estudos sobre a questão ambiental. O pesquisador do Inpe e colaborador do Programa Queimadas – Monitoramento por Satélite, Alberto Setzer, afirma que a origem da nuvem densa na capital paulista está em dois combinados: a fumaça das queimadas da Amazônia, em especial dos estados do Mato Grosso e Rondônia, com uma frente fria. Contribuíram ainda para o quadro, que não é incomum, segundo ele, a fumaça vinda do Mato Grosso do Sul e de países como Bolívia, Paraguai e norte da Argentina.

“Neste período de seca no Brasil Central e Sul da Amazônia, é comum termos um sistema de alta pressão atmosférica, o ‘anticiclone’, sobre a região. Nele, os ventos escoam em sentido anti-horário, e assim a fumaça do Leste da Amazônia vai para o Oeste, juntando-se com a que é emitida pela Bolívia. A fumaça dirige-se, ainda, para o Leste, juntando-se com a do Paraguai e Norte da Argentina. Em seguida, vai para a região Sudeste do Brasil, dirigindo-se para o Oceano Atlântico”, disse Setzer.

A capital de São Paulo ficou escura em plena tarde por causa da nuvem de fumaça
(Foto: Jorge Araujo /FotosPúblicas)

Segundo o pesquisador do Inpe, a Cordilheira dos Andes é uma barreira, no sentido Norte-Sul, que impede que a fumaça da Amazônia se propague para o Oceano Pacífico. “À medida que as frentes frias, vindas do Sul, avançam em direção ao Norte, este esquema de circulação é interrompido”, esclarece o colaborador do Monitoramento de Queimadas. “Variações climáticas em anos mais secos e mais úmidos se alternando são, sempre foram e serão comuns em todas as partes do planeta”, explica Alberto Setzer.

Primeiro o desmatamento, depois a queimada

Queimada em área florestal de Rondônia
(Foto: Reprodução Facebook de Yura Ni-Nawavo Marubo)

O desmatamento, até o mês de julho deste ano, na Amazônia Legal foi 278% maior do que o registrado no mesmo período do ano de 2018, conforme os dados do Inpe. Há também grandes incêndios florestais acontecendo com perda da fauna e flora. As consequências imediatas são uma densa e permanente névoa de fumaça que encobre grande parte das cidades nos estados do Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, entre outros, afetando a qualidade do ar, tanto para as populações rurais, quanto urbanas.

O primeiro estado a sofrer com as queimadas neste ano de 2019 foi o de Roraima, onde o monitoramento do Inpe registrou 4.606 focos. “Foi registrado o maior número de focos de queimadas desde o início do monitoramento do Inpe, em 1998. Antes disso, o recorde tinha sido em 2003, com 3.987”, explica o pesquisador Alberto Setzer.

Outros sete estados da região estão com altos índices de queimadas: Mato Grosso, Pará, Amazonas, Tocantins, Rondônia, Maranhão e Acre. O Amapá teve poucos registros, segundo o monitoramento do Inpe.

Os estados do Amazonas e Acre decretaram situação de emergência e alerta, respectivamente, por causa da baixa qualidade do ar devido às queimadas.

Início da estiagem

Frame do filme publicitário de combate a queimadas do governo de Rondônia

O período de maior propensão ao fogo que ocorre na Amazônia começa a partir do mês julho, com o início da estiagem na região. A dinâmica de queimadas faz parte do processo histórico de “limpar” as áreas de terra para atividades agropecuárias, o que é feito por meio dos desmatamentos da floresta. É nos locais onde isso acontece que há o aumento de incêndios criminosos. Importante também lembrar que galhos e folhas secos são materiais de fácil combustão para uma simples ponta de cigarro.


“Estamos no chamado ‘verão amazônico’, período de seca na Amazônia. Todos os anos acontecem queimadas, devido, precisamente à seca, e à necessidade de preparar a terra para cultivos no campo. Nas áreas urbanas, este período é aproveitado para limpeza de pátios e terrenos baldios. Neste ano, não tem sido diferente, mas vale lembrar que queimadas e derrubadas andam juntas, quando se trata do desmatamento da Amazônia”, explica o coordenador do Grupo de Estudos e Serviços Ambientais da Universidade Federal do Acre (Ufac), Alejandro Fonseca Duarte.

Desmonte da política ambiental

O presidente Jair Bolsonaro empossa o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles
(Foto: Valter Campanato/ABr)

Para o ambientalista Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil – sigla em inglês para Associação Conservação da Vida Silvestre -, o desmonte das políticas públicas estabelecidas na área ambiental, a promoção e o incentivo a atividades de alto potencial de degradação, como a mineração e a ocupação ilegal de terras públicas entre outras, levaram a uma mudança total de cenário na Amazônia Legal.
“O posicionamento do atual governo tem sido o de confrontar os esforços que há décadas buscam construir uma agenda socioambiental positiva para a Amazônia. Esses esforços são fruto da mobilização da sociedade civil, das agências governamentais, universidades e setor privado. É o que temos vivenciado agora. Com o aumento do desmatamento e queimadas, [a situação] pode piorar em ritmo acelerado”, disse Durigan.

Carlos Durigan alerta que os incêndios florestais não estão mais restritos às áreas ocupadas pelo homem, pois há um aumento, também, de queimadas em áreas de várzea e igapó (áreas que ficam inundadas no período da chuva).

“Essa situação tem causado danos irreparáveis também à biodiversidade aquática, uma vez que as florestas inundáveis que servem de refúgio e área de alimentação para muitas espécies durante as cheias, deixam de existir”, diz o ambientalista.

“A expansão do desmatamento tem sido a dura realidade na Amazônia, nas últimas décadas. O uso do fogo para limpeza de pequenas áreas para a agricultura tradicional amazônica é milenar mas, infelizmente, seu uso é também a principal forma de se expandir o desmatamento, que é mais intenso em regiões intensivamente ocupadas e que também correspondem aos principais eixos rodoviários e arredores de núcleos urbanos no estado”, acrescenta Durigan.

“Quem manda sou eu”

Uma cobra jiboia e um tamanduá mortos após queimada no ramal Recife, em Assis Brasil, no interior do Acre, na fronteira com a Bolívia (Foto: Corpo de Bombeiros/NotíciasdaHora)

Dos nove governadores dos estados da Amazônia eleitos em 2018, seis manifestaram apoio ao presidente Jair Bolsonaro: Mauro Mendes (DEM), no Mato Grosso;  Gladson Cameli (PP), no Acre; Wilson Lima (PSC), Amazonas; Coronel Marcos Rocha (PSL), em Rondônia; Antonio Denarium (PSL), em Roraima; e  Waldez Góes (PDT), no Amapá. Dois ficaram indefinidos, Mauro Carlesse (PHS), no Tocantins; e Hélder Barbalho (MDB), no Pará. Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão, é o único opositor.

Com a intensificação das queimadas nos estados, o governo do Amazonas decretou situação de emergência na região Sul e na Região Metropolitana de Manaus, no último dia 02 de agosto. No Acre, o governador Gladson Cameli decretou estado de alerta no dia 16.

No final de maio, Cameli deu uma declaração controversa, quando orientou os ruralistas a não pagarem multas ambientais.  “Se o Imac [Instituto do Meio Ambiente do Acre] estiver multando alguém, me avisa (…). Me avisem e não paguem nenhuma multa, porque quem está mandando agora sou eu”.

Além dos gestores públicos, empresários do ramo da madeira tomam iniciativas de quem olha para floresta apenas como um grande negócio, sem medir a gravidade da situação.  Fazendeiros do sudoeste do Pará anunciaram o “dia do fogo” no dia 5 de agosto, segundo publicou o jornal Folha do Progresso, da cidade de Novo Progresso. De acordo com a publicação, os produtores se sentem “amparados pelas palavras do presidente” Jair Bolsonaro. Eles coordenaram a queima de pasto e áreas em processo de desmate na mesma data, disse o jornal Folha de S. Paulo.

A destruição da floresta amazônica sempre existiu. Mas Alejandro Fonseca Duarte, do Grupo de Estudos e Serviços Ambientais da Universidade Federal do Acre (Ufac), avalia que o desejo de ocupação da Amazônia, que sempre esteve ameaçada, mas que era relativamente protegida por políticas de vigilância ambiental, impediam o avanço desmedido sobre ela.

“As políticas públicas mudaram de fato, os discursos e atuações de governos falam em desproteção às terras indígenas, de exploração dos recursos minerais da região, da extensão da cultura da soja de Mato Grosso para o Acre, de desqualificar os indicadores de aumento do desmatamento, de enfraquecer o aporte internacional para a proteção da Amazônia. Em correspondência com isso acontece a realidade que estamos vivenciando. Uma correlação evidente”, analisa Duarte.

“No caso de Rondônia, o avanço sobre a floresta tem uma história anterior, o incentivo aos ‘sulistas’ para investirem na região. Essa base histórica ressurge com força nas condições atuais. Por outro lado, a geografia do estado do Amazonas ainda resiste à aceleração do desmatamento. Diferentemente, o Acre, que já desmatou quase completamente a parte leste do estado, mesmo com as lutas sociais lideradas por Chico Mendes, vê o avanço da destruição acontecer rumo a oeste, a ambos os lados da BR 364, que abrange parte do sul do Amazonas”, completa ele.

O que dizem as autoridades?

A agência Amazônia Real procurou o Palácio do Planalto para ouvir a opinião do presidente Jair Bolsonaro sobre os altos índices de queimadas na Amazônia. A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República informou que é o Ministério do Meio Ambiente a responder o questionamento. A assessoria do ministro Ricardo Salles disse que ele estava em viagem. Conforme a imprensa, em Sertãozinho (a 333 km de São Paulo), ele classificou como fake news a nuvem de fumaça em São Paulo na segunda-feira (19).

 
Salles afirmou que todas as equipes de combate na região Norte estão em operação e que o principal combate é dado pelos governos estaduais e, em caráter complementar, pelas equipes do Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais).

Combate a incêndio florestal na Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão
(Foto: Felipe Werneck/Ibama)

Acompanhe a série sobre as queimadas na Amazônia

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