Por Observatório do Código Florestal –
Redução da transparência e crescimento econômico a qualquer custo deixam sensação de déjà vu na área ambiental
Quando o cidadão brasileiro, cansado da corrupção, decidiu mudar
radicalmente os governantes do país por aqueles que ofereciam uma nova
forma de governar, não imaginava que estaria embarcando em uma viagem ao
passado. Isso porque, em pleno século XXI, o que espera-se de um
governo com a promessa de “novo” vai muito além de sair de uma grande
crise econômica causada pela corrupção. Espera-se que um novo governo
alavanque o Brasil para uma posição de destaque e liderança global.
Que
mude a relação entre governante e governado, ouvindo a opinião pública,
aumentando o controle e a participação social, fomentando a
transparência e começando a construir uma relação de confiança. Que
respeite e fomente as diversidades sociais e culturais, patrimônio do
país, e que o crescimento econômico seja duradouro e sustentável,
alicerçado na boa gestão dos recursos naturais e na justiça social.
Contudo, a cada episódio da política de 2019, a sensação é que está
se vivendo uma reprise. Na esfera ambiental, os capítulos diários têm
sido os mais dramáticos. O primeiro susto foi relacionado ao Código
Florestal, que já fará 7 anos. Em dezembro de 2018, uma Medida
Provisória (MP nº 867, de 26 de dezembro de 2018) adiou para dezembro de
2019, prorrogável por mais um ano, a implantação dos Programas de
Regularização Ambiental (PRAs), que visam a adequação de proprietários
rurais que desmataram áreas além dos limites legais.
Assim, o início da
adequação ambiental em todo o país só vai começar daqui a um ano, o que
adia pela quinta vez a implantação do Código Florestal. Tudo isso,
dentro de um cenário onde desmatamento florestal voltou a crescer. Para a
ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, “É fundamental passar para a
regularização, isso está atrasado nos Estados. É fundamental que estes
planos, que estão muito lentos, comecem a ser executados”.
Mas
ao contrário da importância e da necessidade de avanços, na prática tem
se usado a marcha ré, principalmente no âmbito do acesso às
informações. Essa ameaça se deve pois a ferramenta mais importante do
Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), se baseia justamente
na transparência dos dados. Ao se inscrever no Sistema de Cadastro
Ambiental Rural (Sicar), o dono da terra deve listar várias informações
da situação ambiental da propriedade.
Entre elas, o georreferenciamento
do imóvel, a extensão das áreas desmatadas e de uso consolidado, os
locais que serão restaurados e, se houver, reserva legal e áreas de
preservação permanente. A comprovação da propriedade ou posse e os dados
do produtor rural também são essenciais no processo de cadastramento.
Na teoria, o CAR é uma excelente ferramenta de geopolítica ambiental.
Ele pretende ser um grande mapa, que vai mostrar a conformidade
ambiental, ou não, dos imóveis rurais brasileiros. É com base neste
mapeamento que as autoridades e a sociedade saberão a extensão das áreas
de vegetação natural protegidas legalmente e qual o tamanho do passivo
de Reserva Legal e de áreas de preservação permanente (APPs) que existe
no país. As dimensões da reserva legal, por lei, variam de 20% a 80%
dependendo do tamanho da propriedade. As áreas de preservação permanente
estão localizadas nas beiras de rios, nos grandes declives, nos topos
de morro e nas nascentes. Por isso, a transparência de dados é
considerada atualmente a maior ferramenta de proteção ambiental.
Contudo, a implantação do “Novo” Código Florestal é prejudicada pela
instrução normativa 03/2014 que impede a transparência total dos dados.
Esta regra coloca em sigilo informações que identificam os proprietários
ou possuidores e proíbe a divulgação de dados pessoais em geral, caso
do nome, endereço, CPF ou CNPJ. Mais uma ameaça veio da tentativa do
Governo federal de alterar, no início deste ano, a regulamentação da Lei
de Acesso à Informação (LAI) pelo decreto 9.690, que facilitaria a
imposição de sigilos aos dados públicos.
“O decreto lançado pelo Governo
amplia o grupo de autoridades que podem classificar informações como
sigilosas, e com isso deve facilitar a negação de acesso à informação
para a sociedade” explica Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto
Centro de Vida (ICV). Com a mudança, o diretor-geral do Serviço
Florestal Brasileiro e o presidente do Ibama, por exemplo, poderiam
definir que documentos sobre a proteção florestal seriam ultrassecretos,
ou seja, só acessíveis pela sociedade em 25 anos, e os demais diretores
dos mesmos órgãos poderiam definir estes documentos como secretos,
acessíveis em 15 anos, conforme esclarece Roberta del Giudice,
Secretária Executiva do Observatório do Código Florestal. Na primeira
derrota do Governo o decreto foi suspenso no último dia 19 pela Câmara
dos Deputados, mas o texto ainda vai para o Senado.
Os especialistas em legislação e meio ambiente sempre defenderam que
todos estes dados deveriam ser públicos e divulgados sem subterfúgios a
toda a sociedade. Um bom exemplo de transparência é a disponibilidade
de todos os dados do documento de origem florestal (DOF), que mostra o
transporte legal de madeira pelo país. O DOF, também cadastrado no
Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais
(Sinaflor) pelo IBAMA, disponibiliza inclusive o cadastro dos
fornecedores com CPF. “A transparência é total, para que possamos
cumprir o plano de dados abertos”, disse Suely, antes de vivenciar os
últimos fatos do novo governo.
Ter acesso a todos os dados ambientais cadastrados tanto via CAR
quanto no próprio Sinaflor também é considerado fundamental pelos
membros do Ministério Público Federal, para que o desenvolvimento de
ações de investigação de crimes ambientais seja feito de forma mais
eficiente. Desde junho, o Conselho Nacional do MP assinou um termo de
cooperação com o Ministério do Meio Ambiente para utilizar os dados
registrados no Sicar. “Foi uma conquista singular para o Ministério
Público Brasileiro, segundo Erick Pessoa, membro colaborador do conselho
nacional.
O que os procuradores federais esperam é ter uma poderosa
ferramenta em mãos para ajudar tanto no controle quanto no combate aos
crimes ambientais. “Os dados disponíveis no sistema são de extrema
precisão e detalhamento. Vão desde informações dos proprietários de
imóveis até o histórico de desmatamento no local, vegetação predominante
e topografia. A atuação do Ministério Público ganha um aliado valioso”,
afirma Pessoa.
Ele explica, por exemplo, que em um eventual caso de mineração sem
licença ambiental ou fora dos padrões autorizados, a utilização dos
dados do Sicar como fotografia, informações geológicas e os dados dos
proprietários dos imóveis vão facilitar a identificação dos possíveis
responsáveis pelo dano. Segundo Pessoa, os resultados já alcançados no
cadastro CAR “ilustram de forma incontestável, que esse instrumento
revolucionará a questão ambiental nacional”.
Transparência é palavra-chave de governos democráticos e
desenvolvidos. A Casa Branca, no primeiro ano do governo Trump,
organizou uma Mesa Redonda sobre “Dados Abertos para o Crescimento
Econômico”, quando líderes de dados abertos do governo e do setor
privado compareceram ao evento como parte do compromisso de longo prazo
do governo com a modernização do governo (leia a notícia).
Apesar do Presidente norte-americano ser inspiração para o nosso
governo em muitos aspectos, a experiência de Donald Trump no setor
privado deram a ele um reconhecimento da importância da transparência
para o crescimento econômico de longo prazo.
Embora a transparência não seja um tema novo, a informatização dos
dados e a facilidade de acesso pela sociedade são processos recentes e
em constante movimento, com foco no presente e no futuro. Preocupante é
voltar-se ao passado e retomar velhos hábitos. A questão do
licenciamento ambiental é uma dessas circunstâncias na qual se acena
para trás, mesmo quando a tragédia social e ambiental de Brumadinho
comove um país inteiro.
O que se está assistindo é que se apresentar como um novo governo não
é tão trivial como parece.
Para ser singular, inédito, diferente dos
outros, a ordem do jogo deveria ser invertida e o cidadão deveria passar
a ter um controle social efetivo.
O crescimento econômico deveria ser
sustentável e justo e a promoção da transparência deveria estar no cerne
de um novo governo. Caso contrário, fica parecendo promessas não
cumpridas de ano novo, o novo com velhos hábitos. Para Alice, “é só
quando o governo compartilha com a sociedade os dados públicos que se
pode fazer uma boa prevenção de fraudes, combate a corrupção,
fiscalização e que se tem insumos para a construção de novas propostas
para a gestão social e ambiental”.
*Eduardo Geraque – Jornalista
**Simone Milach – Assessora de comunicação do Observatório do Código Florestal (OCF)
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