O gigante projeto de mineração chegou à exaustão e está colocando em colapso as condições de vida de toda a população, artigo de Gilvander Moreira
Mineração causa colapso das condições de vida. Basta!
O
gigante projeto de mineração em Minas Gerais, no Pará e em outros
estados do Brasil, chegou à exaustão e está colocando em colapso as
condições de vida de toda a população, da mãe terra, da irmã água e os
biomas. Se as classes trabalhadora e camponesa, e todas as pessoas de
boa vontade do campo e da cidade não acordarem, se não se organizarem e
partirem para lutas coletivas e massivas que joguem ‘areia na engrenagem
de morte da grande mineração’, ocorrerão cada vez mais tragédias e
maiores do que as que aconteceram e continuam a partir de Bento
Rodrigues, em Mariana, e de Brumadinho, na região metropolitana de Belo
Horizonte.
Temos
que honrar as centenas de pessoas assassinadas pela Vale e pelo Estado e
também os Rios Doce e Paraopeba e respeitá-los. A mãe terra, a irmã
água, a flora e a fauna e a classe trabalhadora empurrada para aceitar
trabalhar como terceirizados, em situação análoga à de escravidão, estão
gritando: BASTA DE MINERAÇÃO! CHEGA! EXIGIMOS RISCO ZERO! Exceto os
cúmplices ou mentores da máquina de guerra que se tornou a mineração em
grande escala, todos estão indignados até o último fio de cabelo. Basta
de sacrificar no altar do deus mercado/capital tantas vidas humanas e de
toda a biodiversidade. Mineração em grande escala com os processos de
superexploração se tornou algo satânico, diabólico e idolátrico, pois
semeia devastação que se multiplica em uma progressão geométrica.
Não
existem apenas riscos, já se matou demais. Ao ouvir quem está morrendo
aos poucos, um pouco a cada dia, debaixo de lama tóxica de barragens de
mineradoras, não nos resta dúvida: as grandes mineradoras, lideradas
pela Vale, em conluio com o Estado, tocadas pela classe dominante, estão
fazendo guerra contra o povo, contra a mãe terra, contra as nascentes,
os rios, os lençóis freáticos, os biomas, os animais, a flora e a fauna.
Júlio Grilo, superintendente do IBAMA2/MG, desde janeiro de 2018, alertou em várias reuniões da Câmara de Atividades Minerária do COPAM3:
“Todas as barragens de mineração têm risco e podem se romper. Só não
sabemos o dia e a hora.” Nos últimos 20 anos, dezenas de barragens de
mineração já se romperam em Minas Gerais e em outros estados. Dia 17 de
fevereiro de 2018, por exemplo, houve um vazamento de rejeitos do
complexo da mineradora Hydro Alunorte, em Barcarena, PA. O Rio Murucupi e
diversos igarapés foram contaminados, e muitas comunidades ribeirinhas e
quilombolas tiveram o seu modo de vida profundamente violentado.
Com
licença renovada pelo Governo de Minas Gerais em março de 2018 para
mais dez anos de extração de ouro, as megabarragens de Santo Antônio e
Eustáquio, com 7 quilômetros de diâmetro, da Mina Morro do Ouro – maior
mina de ouro do mundo a céu aberto, da mineradora canadense Kinross, em
Paracatu, se romperem, parte da cidade de Paracatu e inúmeras
comunidades abaixo serão dizimadas, o Rio Paracatu e o Rio São Francisco
receberão a punhalada de misericórdia. Priscila Sueli Rezende, em
pesquisa de dissertação de mestrado na UFMG, em 2009, constatou que “as
concentrações mais altas de arsênio foram observadas no Córrego Rico –
abaixo das barragens da Kinross -, em Paracatu, correspondendo a
uma concentração 190 vezes maior que a estipulada pela legislação
ambiental”. Por isso, principalmente, há uma elevadíssima incidência de
câncer na população de Paracatu e região. Se a grande barragem da
mineradora Anglo Gold Ashanti, em Sabará, se romper, passará por cima do
bairro Pompéu e de vários outros bairros, matará o Rio Sabará, o Rio
das Velhas e o Rio São Francisco.
Otávio Freitas, de Nova Lima, coautor de Ação Popular contra a Mina Capão Xavier4, da VALE, alerta: “Risco
maior pode estar na barragem de rejeito da antigamente chamada barragem
de Tamanduá, hoje chamada de Capão da Serra, barragem em atividade e
que recebe os rejeitos das minas de Tamanduá e Capitão do Mato, em Nova
Lima. E/ou o risco pode ser também a barragem de Gorduras, da mina da
Mutuca. Se essas barragens se romperem, a lama tóxica invadirá a bacia
do córrego Macacos, que cai no Rio das Velhas e depois no Rio São
Francisco”.
Além de reintegrações de posse em propriedades que não cumprem função
social, gerando o despejo de milhares de famílias de suas casas em
ocupações do campo e urbanas, as grandes mineradoras, em uma gula sem
fim, estão também despejando milhares de famílias de suas moradias.
Ou
seja, despeja-se pela falta de reforma agrária e de reforma urbana e,
agora também, pela superexploração das mineradoras.
Belo
Horizonte e região metropolitana não estão apenas em um quadrilátero
ferrífero, mas em um quadrilátero aquífero. Aliás, a capital de Minas
Gerais foi deslocada de Ouro Preto para Belo Horizonte principalmente em
função dos seus mananciais, um importante aquífero situado nos
arredores da Serra do Curral que conseguiria abastecer até 3 milhões de
pessoas, mas a mineração e outras indústrias, como as de bebidas, ali
instaladas, estão exaurindo tudo e colocando em colapso as condições
objetivas de vida.
Diante desse cenário, soluções moderadas apenas
tentam domesticar a voracidade do ‘escorpião que só sabe ferir e matar’.
Não basta trocar velhas tecnologias por novas tecnologias. Não basta
proibir barragens a montante (acima) e continuar fazendo barragens a
jusante (abaixo), dois métodos de barragens que oferecem sérios riscos
de rompimento. Não basta criar territórios livres da mineração. Não
basta “mudar o modelo de mineração”. Não basta fazer Termo de Ajuste de
Conduta (TAC) e acordos que garantem apenas poucos direitos – “o mínimo
legal”, mas que, na prática, abrem mão de direitos fundamentais.
Não
basta CPI da mineração e Projetos de Leis para abrandar a fúria das
mineradoras. Privilegiar ações na institucionalidade também é um erro
grave, pois, como efeito colateral, desmobiliza o povo para as grandes
lutas necessárias. Todas as soluções moderadas deixam intacta a coluna
mestra das grandes mineradoras que, como o dragão do Apocalipse, vão
devastando tudo e deixando só “terra arrasada”.
Necessário lembrar da densa obra intitulada COLAPSO – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso,
do biogeógrafo e filósofo Jared Diamond, editada no Brasil em 2013, que
já alertava sobre catástrofes, contaminação química e danos ambientais
irreversíveis relacionados à mineração em todo o mundo.
Na obra Colapso, Jared Diamond alerta: “Outros
problemas ambientais causados pela mineração de metais compreendem
poluição da água pelos próprios metais, produtos químicos de
processamento, vazamentos de ácidos e sedimentos. Elementos metálicos e
semelhantes ao metal no próprio minério – especialmente o cobre, cádmio,
chumbo, mercúrio, zinco, arsênio, antimônio e selênio – são tóxicos e
tendem a causar problemas ao acabarem em córregos e lençóis freáticos
como resultado das operações de mineração. […] Muitos produtos químicos
usados na mineração como cianeto, mercúrio, ácido sulfúrico, bem como o
nitrato produzido pela dinamite, também são tóxicos. Mais recentemente
foi descoberto que, ao serem expostos à água e ao ar através da
mineração, os minerais contendo sulfeto vazam ácidos que causam séria
poluição na água por si mesmo e pelos metais lixiviados por eles. Os
sedimentos transportados para fora das minas pela água podem ser danosos
à vida aquática cobrindo, por exemplo, as superfícies de desova dos
peixes. Além desses tipos de poluição, o mero consumo de água de muitas
minas é alto o bastante para ser significativo (DIAMOND, 2013, p. 541).”
O
crime não é só da Vale, é também do Estado cúmplice. É crime também dos
governos anteriores e atuais, do poder legislativo que, em Minas
Gerais, cuspiu no rosto de todas as vítimas do crime tragédia da
VALE/BHP/SAMARCO/ESTADO ao aprovar, em regime de urgência, um projeto
indecente, flexibilizando ainda mais o licenciamento ambiental. Os
Ministérios Públicos, estadual e federal, também estão deixando muito a
desejar, pois optaram por fechar acordos questionáveis e promotores
combativos foram retirados das funções de investigação. O poder
judiciário também está sendo cúmplice quando decide atendendo a pedidos
escusos das mineradoras, desrespeitando os princípios constitucionais,
tais como os da dignidade da pessoa humana e da precaução, e violando o
artigo 225 da Constituição que exige garantir um meio ambiental
saudável. O judiciário se coloca ao lado dos opressores quando é
lentíssimo para decidir quando os injustiçados batem à porta do
tribunal, mas é veloz em decidir quando é para garantir privilégios e
interesses do capital.
Enfim,
a humanidade só terá futuro se todas as pessoas de boa vontade, do
campo e da cidade, se comprometerem na luta pela construção de uma
sociedade do Bem Viver, com estilo de vida simples e austero, e cerrar
fileira nas lutas sociais e ambientais pela superação do capitalismo
que, como uma máquina de moer e corroer vidas, segue causando cada vez
mais devastação socioambiental por meio do agronegócio com uso
indiscriminado de agrotóxicos, pelas monoculturas que sacrificam os
biomas e pelos megaprojetos de mineração.
Referência
DIAMOND, Jared. COLAPSO – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2013. (Original: 2005)
Belo Horizonte, MG, 19 de fevereiro de 2019.
Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.
1 – Peregrinação ao lado do rio Paraopeba, morto, até o Velho Chico, em Minas Gerais. 30/1 a 02/2/2019
2 – Prefeito de Brumadinho, MG, defende minério-dependência e quer só abrandar. 1º/2/2019
4 – Estado de MG a serviço das mineradoras/Prof. Dr. Klemens/UFMG. Vídeo 1 – 26/1/2019.
1
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP;
mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações
Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no
IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
2 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
3 Conselho Estadual de Política Ambiental.
4
Gustavo Gazzinelli e Ricardo Santiago são os outros autores de uma Ação
Popular contra a abertura da Mina Capão Xavier, em Nova Lima, em 2004.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/02/2019
"O gigante projeto de mineração chegou à exaustão e
está colocando em colapso as condições de vida de toda a população,
artigo de Gilvander Moreira," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/02/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/02/21/o-gigante-projeto-de-mineracao-chegou-a-exaustao-e-esta-colocando-em-colapso-as-condicoes-de-vida-de-toda-a-populacao-artigo-de-gilvander-moreira/.
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