segunda-feira, 29 de julho de 2019

Dia da sobrecarga (29/07/2019) e os limites da resiliência da Terra, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


Dia da sobrecarga (29/07/2019) e os limites da resiliência da Terra, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés”.
(Enough is Enough, 2010)

[EcoDebate] Em 2019, o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) acontece em 29 de Julho, a data mais precoce, desde que o planeta entrou em sobrecarga pela primeira vez no início da década 1970. Este dia marca o momento em que o sistema de produção e consumo absorveu todos os insumos naturais renováveis oferecidos pelo planeta, previstos para os 12 meses do ano. Portanto, o dia 02 de agosto é o dia em que a civilização global sai do verde do superávit ambiental para entrar no vermelho do déficit ambiental.
No restante do ano, a civilização estará no cheque especial e terá de recorrer à herança deixada por milhões de anos de evolução da natureza. Significa que as atuais gerações dilapidarão as condições de vidas das demais espécies vivas da Terra e comprometendo o futuro das próximas gerações de humanos.

pegada ecológica e biocapacidade, total, mundo

O cálculo da Sobrecarga é feito a partir de duas medidas realizadas para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que permite avaliar a demanda humana por recursos naturais, com a capacidade regenerativa do planeta. A Pegada Ecológica de uma pessoa, cidade, país ou região corresponde ao tamanho das áreas produtivas de terra e mar necessárias para gerar produtos, bens e serviços que utilizamos. Ela mede a quantidade de recursos naturais biológicos renováveis (grãos, vegetais, carne, peixes, madeira e fibra, energia renovável entre outros) que estamos utilizando para manter o nosso estilo de vida.


O cálculo é feito somando as áreas necessárias para fornecer os recursos renováveis utilizados e para a absorção de resíduos. É utilizada uma unidade de medida, o hectare global (gha), que é a média mundial para terras e águas produtivas em um ano. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.


Em 1987, o Dia da Sobrecarga caiu em 19 de dezembro. Em 1995, caiu para 21 de novembro. Em 2007, caiu em 26 de outubro e no ano seguinte para 23 de setembro. Ano passado o Dia da Sobrecarga caiu em 01 de agosto. Agora em 2019, ficou em 29 de julho, conforme mostra a tabela abaixo.

dia da sobrecarga da Terra

Existem várias formas para se reduzir o déficit ambiental. Pode haver equilíbrio ecológico via redução do consumo, via redução da população, ou via redução simultânea dos dois vetores que estão degradando a saúde dos ecossistemas. Todavia, reduzir a população e o consumo no curto prazo é muito difícil. Mas ao longo do século XXI é possível planejar um decrescimento demoeconômico que coloque as atividades antrópicas em equilíbrio homeostático com a biocapacidade do Planeta, única forma de se evitar um colapso ambiental e civilizacional, como explicou, em entrevista recente, Herman Daly (2018), ao defender o Estado Estacionário.


O ser humano nasceu em um Planeta rico em meios de sobrevivência e generoso ao compartilhar, gratuitamente, toda a biodiversidade natural para o desfrute dos seres vivos existentes. A Terra tinha poucas pessoas e muita água, muita terra, muitas árvores, enfim, uma exuberante flora e fauna.
Mas a espécie humana utilizou a sua inteligência (instrumental) para desenvolver uma cultura egoísta e para se diferenciar do mundo natural. Sem consultar os demais seres vivos, a humanidade se autoproclamou dona da Terra e se disse semelhante à um suposto Deus que tudo criou. Como autodeclarada herdeira do Criador, a humanidade se apropriou de toda a riqueza natural disponível.


Se tudo isto fosse apenas um delírio de uma espécie presunçosa e vaidosa, seria apenas uma pavonice narcísica. Mas o sonho de grandeza fáustica se materializou de fato ao longo dos últimos 12 mil anos, começando com a Revolução Agrícola – desde o início do Holoceno – até a Revolução Industrial e Energética, do final do século XVIII, que deu início ao Antropoceno.


A civilização, literalmente, “passou o trator” sobre a integridade dos ecossistemas. Primeiro criou totens. Em seguida construiu pirâmides, aquedutos e catedrais. Depois espalhou uma miríade de benfeitorias (ou malfeitorias) sobre todos os cantos do Planeta, gerando uma máquina insana e insone de produção de bens e serviços para a satisfação da gula e da ganância humana. A humanidade cresceu e se enriqueceu às custas do encolhimento e do empobrecimento da vida natural.


A população mundial vai aumentar 2 bilhões de pessoas até 2050, segundo as novas projeções da ONU. As agências econômicas calculam que o PIB mundial vai mais que dobrar nos próximos 30 anos. Mas a economia é um subsistema da ecologia e o Planeta está chegando ao limite da sua capacidade de resiliência. Sem ECOlogia não há ECOnomia. Mais cedo ou mais tarde o sobrepeso das atividades antrópicas provocará um colapso ambiental. Então, será impossível continuar antecipando o Dia da Sobrecarga da Terra.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382


Referências:
HERMAN DALY. Ecologies of Scale, Interview by Benjamin Kunkel. New Left Review 109, January-February 2018
https://newleftreview.org/II/109/herman-daly-benjamin-kunkel-ecologies-of-scale
O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010.
http://steadystate.org/wp-content/uploads/EnoughIsEnough_FullReport.pdf

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/07/2019

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