Mananciais – Billings exemplifica um dos maiores desafios nas regiões metropolitanas: planejamento urbano, por Sucena Shkrada Resk
As
leis de proteção dos mananciais existem desde os anos 1970 (com
atualização em 1997) e o problema da poluição das águas formadoras do
reservatório já é discutido desde aquela época.
Por Sucena Shkrada Resk*
Aos
94 anos, a Represa Billings, na Bacia Hidrográfica do Alto-Tietê, é
considerada como “a maior caixa d´agua” da Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP), além de ser um destino ecoturístico em certos trechos,
utilizada para controle de cheias no rio Pinheiros e fonte para a
geração de energia na Usina Hidroelétrica Henry Borden, em Cubatão. Com
1,2 bilhão de metros cúbicos de água, este reservatório de usos
múltiplos retrata, no entanto, em anos consecutivos, os desafios e ônus
impostos pelo crescimento desordenado das cidades.
A
apuração expressa o quanto o saneamento ambiental ainda é deficiente na
região, acarretando impactos em diferentes trechos do reservatório.
Neste ano, no braço do Rio Grande, foi apurado que a qualidade da água
está regular; no dos rios Pequeno, Capivari e Pedra Branca, boa; no de
Taquacetuba, regular próximo de ruim; no de Bororé, ruim; nos de Grota
Funda, Alvarenga, Cocaia (Corpo Central), péssima. O resultado do
levantamento foi apresentado pela professora e pesquisadora Marta Angela
Marcondes, coordenadora do projeto, durante o I Fórum sobre Proteção de
Mananciais – 10 Anos da Lei Específica do Reservatório da Billings, neste mês, na USCS.
Outro
aspecto relevante nesta problemática é a compreensão da ocupação e uso
do solo. Na sub-região Billings – Tamanduateí, o município de Santo
André tem 54% de sua área total inseridos em Área de Proteção de
Mananciais (APM); São Bernardo do Campo (53%); Diadema (22%), Mauá (19%)
e Ribeirão Pires (64%) e Rio Grande da Serra (100%), além de parte de
São Paulo (11%).
São
inúmeros fatores que levam a esta poluição hídrica. A deficiência da
coleta e de tratamento de esgoto doméstico e de efluentes industriais na
maioria dos municípios; a lentidão de décadas para a despoluição dos
rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí e afluentes, o aumento irregular de
imóveis e desmatamento no entorno da represa, como também o despejo
irregular de efluentes agrícolas e de resíduos sólidos. Um risco à saúde
ambiental, com bactérias de todos os tipos, causadoras de problemas
gastrointestinais e de pele, além dos resíduos tóxicos provenientes de
metais pesados.
Soma-se a isso, a interferência dos períodos de chuva e
estiagem que acentuam os problemas.
Onde
a situação é avaliada como melhor, a exemplo do braço Capivari, a
justificativa é de que a região é ainda bem isolada, pouco urbanizada e
mantém matas preservadas e relevo acidentado.
Análise do fundo do reservatório
O
Projeto IDH/USCS, desde o ano passado, está aprimorando a análise das
águas do reservatório e novos alertas surgem. “Também estamos estudando o
fundo do reservatório, que são acúmulos de profundidade de oito a 20
metros. A situação é de ruim a péssima, nos trechos de Bororé e Grota
Funda”, diz a bióloga. É um universo de lodo e de uma diversidade de
elementos, como microplásticos e metais pesados.
Em
abril deste ano, moradores de municípios do Grande ABC se depararam com
uma água de tom amarelo e marrom e odor desagradável, que saia das
torneiras. Segundo a Sabesp, a cor era proveniente da quantidade
superior de ferro e manganês, que emergiu do fundo da represa, com o
fluxo de água provocado pelo excesso de chuva da represa do Rio Grande
para a Billings. Algo que não ocorria desde 2013.
Nas
águas da Billings, ainda são encontrados fármacos, hormônios,
antibióticos, agrotóxicos e microcistina (toxina por pequenos
organismos), que não passam por tratamento, segundo Marta.
“Acabam indo
para nossas torneiras”, afirma. Nem tudo é passível de solução nas estações de tratamento de água.
No
ano passado, também foram encontrados 12 novos grupos bactérias que até
então não haviam sido detectadas. De certa forma, representa uma
“caixa-preta” de sedimentos que podem causar mais comprometimentos à
saúde. A Billings também sofre periodicamente com a eutrofização, quando
o excesso de esgoto e insolação tropical contribuem para a proliferação
de algas.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), em seu Relatório da Qualidade das Águas Interiores no Estado de São Paulo 2018,
informou que os pontos localizados no Complexo da Billings e em um
ponto no reservatório do Rio Grande, no município de Ribeirão Pires,
apresentaram a classificação anual ruim para o Índice da Comunidade
Fitoplantônica, principalmente em razão da grande presença de organismos
e cianobactérias.
Atualmente
são mantidos na bacia da Billings, pela Cetesb, as Estações de
monitoramento automático on line da qualidade da água Ribeirão Pires, no
braço do Rio Grande junto à captação da SABESP, para onde afluem as
águas do ribeirão Pires; no braço do Taquacetuba; e na barragem
reguladora Billings-Pedras (Summit Control).
Somado
a estes problemas, recentemente houve a constatação de mortandade de
peixes em casos isolados. “Caiu um tipo de óleo, no Braço Central, perto
da Imigrantes, que impediu a entrada de luz e baixou o oxigênio na
água”, explica a pesquisadora.
Riqueza ambiental
Para
melhor compreensão da importância da despoluição, mais um argumento é
quanto ao patrimônio ambiental da Sub-bacia da Billings ser de extrema
relevância. Em levantamento de fauna e flora, algumas espécies de flora
reféns da pressão no entorno na região são a bromélia Tillandsia
linnearis, considerada extinta antes destes estudos, as orquídea-de-Loddigess Catleya loddigessi e a orquídea-de-samambaiuçu Zygopetalum maxillarie, o bambú Merostachys neesii e a palmeira prateada Lytocaryum hoehnei. A ictiofauna da Billings tem diferentes espécies, como o lambari – Astyanax fasciatus, a traíra – Hoplias malabaricus, o cará – Geophagus brasiliensis e a coridora – Corydoras aeneus.
A região da sub-bacia também é refúgio para diferentes aves, como o tucano-debico-verde – Ramphastos dicolorus -, a marreca caneleira – Dendrocygna bicolor – e a fragata comum – Fragata magnificens. Estas e outras características da Billings, são descritas no Caderno de Educação
Ambiental, na edição especial Mananciais: Billings, um trabalho de 300 páginas com vasta informação, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, em 2010.
Ao
se conhecer melhor esta região de mananciais, o que fica claro é a
importância da valorização ambiental da região, com o que ainda resta de
Mata Atlântica no entorno e o quanto pode ser recuperado.
Importância das unidades de conservação
Na
Sub-bacia Billings existem três áreas tombadas: a Área Natural Tombada
da Serra do Mar; a Área Tombada da Vila de Paranapiacaba (Santo André) e
a Área Tombada da Cratera da Colônia (São Paulo). Unidades de
conservação servem como meio de inibir e conscientizar sobre o perigo do
desmatamento e poluição.
Na
região da Billings, estão o Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo
Itutinga-Pilões, e o Parque Municipal Estoril, em São Bernardo do Campo;
o Parque Municipal Milton Marinho de Moraes, em Ribeirão Pires; o
Parque Natural Nascentes de Paranapiacaba e Parque Natural Municipal do
Pedroso, em Santo André; o Parque Fernando Vitor de Araújo Alves, em
Diadema, e as Áreas de Proteção Ambiental municipais (APAs)
Capivari-Monos e Bororé-Colônia, na zona Sul de São Paulo. Somados a
estas UCs, estão terras indígenas guarani.
Mas
apesar de estarmos no século XXI, grande parte do reservatório ainda
recebe bilhões de litros de esgoto in natura. Historicamente o problema
vem de longa data. As leis de proteção dos mananciais existem desde 1976
e a discussão sobre o enfrentamento e necessidade de solução para o
problema da poluição das águas do reservatório já eram discutidos desde
aquela época.
Soluções esperadas há décadas
Diferentes
governos (estaduais, municipais), por décadas, se comprometeram com
soluções para a despoluição, mas o problema continua. Nos últimos anos,
novos anúncios do poder público têm sido feitos quanto a obras
milionárias de saneamento, e com metas ambiciosas. Um deles é do
Programa Pró-Billings, em São Bernardo do Campo, que tem o objetivo de
garantir 100% de coleta e tratamento de esgoto de todo o “Grande
Alvarenga” até o ano que vem. A fase anterior foi na região do
Batistini. Uma parceria da prefeitura municipal com a Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com recursos
nacionais e internacionais.
O
Governo do Estado também divulgou que até 2022 o rio Pinheiros estará
limpo. Por outro lado, a população, por meio de organizações
socioambientais, movimentos, academia e ministério público têm cobrado
as realizações, que têm como princípio um planejamento urbano com visão
de longo prazo.
Externalidades afetam comunidades
O
aspecto humano é mais um elemento importante no Projeto IPH/USCS, que
não pode ser menosprezado pela gestão pública, segundo a bióloga. Marta
Marcondes alerta que há também uma quantidade significativa de
externalidades que atingem quem vive bem próximo da represa, devido à
baixa qualidade apresentada na maior parte dos trechos do reservatório.
“São casos de depressão, ansiedade, transtorno de estresse
pós-traumático. Muitos sofrem o estigma de viverem lá. Dessa forma, o
Sistema Único de Saúde (SUS) também é onerado. Quatro aldeias indígenas
guarani e cerca de 300 pescadores artesanais já foram afetados”, afirma.
No
Plano Municipal de Saneamento Básico de São Bernardo do Campo, em 2017,
foi detectado que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Riacho Grande,
que fica próxima à Billings, atendeu em 2016 índice 55% superior de
pacientes com doenças transmitidas pela água do que a média do
município. A unidade atingiu a taxa de 100 casos a cada mil moradores na
análise de incidência do problema, a maior delas medida no município.
Leis descumpridas
O
que causa apreensão é o fato de o arcabouço legal não estar sendo
suficiente para alterar este cenário ao longo dos anos, que infere
também a relação de comando e controle. A existência da Lei da Billings,
que completou 10 anos em 2019, apesar de ser importante, não consegue
frear todos estes problemas. A gestão é composta pelos órgãos das
administrações públicas estadual e municipais, um órgão colegiado
(Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê – Subcomitê de Bacia
Hidrográfica Billings-Tamanduateí – SCBH-BT) e um órgão técnico. Segundo
Marta, outras legislações também deveriam ser respeitadas, como a Lei
da Mata Atlântica, o Código Florestal e da Reserva da Biosfera do
Cinturão Verde da Cidade de São Paulo.
Segundo o advogado Virgílio Alcides de Farias, especialista em Direito Ambiental, é preciso ressaltar que a Constituição brasileira define que o Estado, o poder público com a cobrança da coletividade, que já faz o seu papel têm o dever de manter o equilíbrio ambiental para que o meio ambiente seja salubre, entretanto, o poder público não tem cumprido seu papel quanto à represa que está degradada.
Mais um descumprimento, de acordo com Farias, é quanto ao artigo 46 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo. O texto determina, no prazo de três anos, a contar do dia 5 de outubro de 1989, os Poderes Públicos Estadual e Municipal ficariam obrigados a tomar medidas eficazes para impedir o bombeamento de águas servidas, dejetos e de outras substâncias poluentes para a represa Billings.
O
planejamento urbano é um ponto estratégico nesta análise, reitera o
engenheiro Renato Tagnin, especialista no tema mananciais e expansão
urbana. “Quem bebe a água da Billings e da Guarapiranga, parte é de
reuso. Os tratamentos não alcançam os parâmetros adequados. Ainda temos a
vulnerabilidade dos aquíferos, com a superexploração das águas
subterrâneas. O mercado não atribui o valor à vegetação. Outras pressões
são viárias, como os projetos de novos acessos do Rodoanel…”, explica.
Mais
uma análise feita por Tagnin se refere à projeção da expansão urbana
para 2030 na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). “Praticamente a
bacia toda deverá ser ocupada. É um cenário dantesco. Até fundos de
vale, acabando com a reserva da biosfera… E o plano de abastecimento da
macrometrópole prevê a busca da água cada vez mais longe”.
Com
o histórico de mobilizações que se estende há décadas, o que fica
notório é que a despoluição da Billings é uma questão muito maior, que
envolve a RMSP, quanto ao modelo de desenvolvimento. Basta dizer que o relatório sobre a Vulnerabilidade Hídrica da RMSP,
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), em
2017, sinaliza esta questão apresentada pela Campanha Billings, eu te
quero viva!, que existe desde os anos 90. Este reservatório que foi
construído com o propósito de geração de energia, acabou se tornando uma
fonte imprescindível para o abastecimento de água.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/07/2019
Mananciais – Billings exemplifica um dos maiores
desafios nas regiões metropolitanas: planejamento urbano, por Sucena
Shkrada Resk, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/07/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/07/26/mananciais-billings-exemplifica-um-dos-maiores-desafios-nas-regioes-metropolitanas-planejamento-urbano-por-sucena-shkrada-resk/.
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