sexta-feira, 6 de março de 2020

A vida secreta das árvores e o déficit de natureza,

A vida secreta das árvores e o déficit de natureza, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente,
mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usado”
Henry Thoreau (1817-1862)
“O bem-estar e o florescimento da vida humana e da não-humana sobre a terra têm valor em si próprios (valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes
da utilidade do mundo não-humano para os propósitos humanos”
Arne Næss e George Sessions (1984)

A vida secreta das árvores
Imagem: Amazon
[EcoDebate] O livro “A vida secreta das árvores”, do cientista alemão Peter Wohlleben (Editora Sextante, 2015), começa da seguinte forma: “Quando comecei a carreira como engenheiro florestal, eu sabia tanto sobre a vida secreta das árvores quanto um açougueiro sabe sobre os sentimentos dos animais. 

A silvicultura moderna é uma ciência que estuda os métodos naturais e artificiais de regeneração dos povoamentos florestais, mas, na prática, busca a produção de madeira, ou seja, derruba árvores para aproveitar os troncos e, em seguida, plantar novas mudas no lugar. 

Ao ler qualquer periódico especializado, logo se tem a impressão de que o bem-estar da floresta só interessa na medida em que é necessário para sua administração operacional otimizada. Aos poucos essa rotina distorce sua visão das árvores. Todos os dias eu avaliava centenas de abetos, faias, carvalhos e pinheiros para saber se podiam ir para a serraria e descobrir seu valor de mercado, e isso só serviu para estreitar minha percepção do assunto”.

Ou seja, Wohlleben tinha uma visão instrumental das florestas e das árvores. Nessa perspectiva, tanto ele, quanto a maioria dos seres humanos, só dão valor à natureza na medida em que esta pode fornecer bens e serviços que ajudem ao enriquecimento das pessoas. Esta posição antropocêntrica tem dominado o progresso e o avanço da civilização, desde o florescimento do Homo sapiens, e que foi a pedra angular da construção do mundo moderna, que tem como base a oposição entre o enriquecimento da humanidade e o empobrecimento do meio ambiente. 

As florestas são fundamentais para a sustentabilidade. Nos cursos de ecologia aprendemos o quanto dependemos das árvores. Elas retiram dióxido de carbono da atmosfera, nos dão oxigênio por meio da fotossíntese, absorvem poluentes e amortecem o ruído. As árvores nos fornecem abrigo, alimento, fibras, ajudam a evitar a erosão. Se todos esses benefícios forem colocados em termos monetários, daria uma fortuna.

Mas as árvores possuem outras verdades secretas. No segundo parágrafo do livro, Peter Wohlleben diz: ““Há cerca de 20 anos, comecei a oferecer treinamento de sobrevivência e excursões na floresta. Mais tarde, também passei a cuidar das áreas de reserva e a administrar funerais naturais – prática em que as cinzas do corpo humano são enterradas em urnas biodegradáveis ao pé das árvores. 

Conversando com muitos visitantes, mudei minha forma de enxergar a floresta. As árvores tortas, retorcidas, que antes eu considerava de menor valor, deixavam os visitantes fascinados. Aprendi com eles a não prestar atenção só nos troncos e em sua qualidade, mas também em raízes anormais, padrões de crescimento diferentes e camadas de musgo na casca das árvores”.

O autor mostra que a vida das árvores, com suas mais distintas características, se organiza em uma “comunidade social”. Ele mostra o relacionamento entre as diversas espécies, a educação e o cuidado com os brotos, a questão do coletivo, a defesa contra ameaças externas, a reprodução, a noção de tempo e muitos outros detalhes da vida vegetal. Ao longo dos capítulos, os leitores vão se identificando com estes seres incríveis e com a complexidade da natureza e o entendimento como todas as coisas nos ecossistemas estão interligadas. 

Em um vídeo no Youtube (17/03/2017), o cientista alemão e a cientista Suzanne Simard (da Universidade de British Columbia, Canadá) explicam como se dá a comunicação entre as árvores e a teia da vida que existe em uma floresta. Eles mostram que as árvores são seres vivos que têm sentimentos e sabem se comunicar entre si, além de formarem uma floresta onde todos (ou quase todos) se ajudam e contribuem para formar um organismo vivo e dinâmico. 

Estas descobertas vêm reforçar as teses de Alexander von Humboldt (1769-1859) e Henry Thoreau (1817-1862) que já mostravam, no século XIX, que a natureza é um todo vivo e que cada espécie tem o seu valor próprio independente do egoísmo humano. A escola de pensamento conhecida como “Ecologia Profunda” também advoga uma visão ecocêntrica da natureza. Segundo Arne Næss e George Sessions (1984): a vida não humana “têm valor em si próprios (valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para os propósitos humanos”.

Uma forma de reconhecer a importância das árvores e reconhece-las como seres evoluídos e integrados de maneira simbiótica à natureza é através do movimento “abraçar árvores” ou “abraços de árvores” (Tree Hugger). Como mostra Ian Spellerberg (16/02/2017), os abraçadores de árvores são pessoas que não só reconhecem a importância e o valor destes seres vegetais lindos e importantíssimos, mas também são pessoas que se beneficiam da energia emanada pelas árvores e pelas matas. Abraçar árvores traz benefícios para a saúde física e mental, sendo que os abraçadores de árvores contribuem significativamente para a sustentabilidade ambiental e social.

Segundo diversos especialistas, frequentar parques e florestas faz bem à saúde. Segundo eles, o contato com a natureza afasta o estresse, revigora as energias e melhora a qualidade de vida das pessoas. Matéria de Mariana Della Barba, na BBC, mostra que o ‘déficit de natureza’ provoca problemas físicos e mentais em crianças. Para o pesquisador americano Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza, existe uma doença chamada “Transtorno de Déficit de Natureza”, pois a falta de contato das crianças com a natureza causa problemas físicos, como a obesidade, e mentais, como depressão, hiperatividade e déficit de atenção.

Artigo de Andrew Nikiforuk (22/10/2018), com base em entrevista com a famosa botânica irlandesa Diana Beresford-Kroeger, discute o efeito dos incêndios florestais na América do Norte, que somente na Colúmbia Britânica, liberaram entre 150 e 200 megatoneladas de dióxido de carbono em 2017. Isso é mais que o dobro do volume criado por atividades humanas na província. Ela considera que a civilização moderna, ao demonizar o fogo e ampliar as construções em áreas florestais, fizeram com que as florestas se tornassem mais densas, uniformes e inflamáveis. O ar seco desseca os tubos polínicos. Como resultado, as sempre-vivas produzem mais oleorresinas, que podem alimentar incêndios: “Quanto mais oleoresina, maior a carga de fogo.”

O Brasil com o maior superávit de biocapacidade do planeta não tem dado valor à sua riqueza natural. Infelizmente, o país tem derrubado árvores desde a exploração do pau-brasil pelos exploradores portugueses, sendo que já derrubou cerca de 90% da Mata Atlântica. Não satisfeita, a nação brasileira continua desmatando e defaunando suas riquezas naturais, pois já derrubou 20% da Amazônia e 50% do Cerrado, sem falar nos demais biomas que foram igualmente degradados.
E o mais preocupante é que o desmatamento na região amazônica cresceu 48,8% durante a campanha eleitoral (de agosto a outubro de 2018). Segundo o Deter B, projeto do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que monitora o desmatamento em tempo quase real para subsidiar a fiscalização ambiental a floresta perdeu 1.674 km2 nesses três meses, área um pouco maior do que a do município de São Paulo.

Ou seja, em vez de conhecer a vida social das árvores e se encantar com a beleza e os benefícios da floresta, os brasileiros estão destruindo uma riqueza incomensurável e provocando um holocausto biológico de grandes proporções. 

O livro de Peter Wohlleben mostra o quão estúpidos, ecocidas e suicidas são as pessoas e os governos que permitem uma aniquilação ecológica e a extinção da biodiversidade. 

Um dia, talvez, a humanidade vai perceber que a “sociedade das árvores” é muito mais democrática e sustentável do que a egoísta e ecocida sociedade humana.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Referências:

Peter Wohlleben. A vida secreta das árvores, Sextante, 2015
Peter Wohlleben. A vida secreta das árvores, Sextante, Youtube, 17 de mar de 2017
As árvores conversam, conhecem laços familiares e cuidam de seus filhos? Isso é estranho demais para ser verdade? https://www.youtube.com/watch?v=DBRg-2N3sMI
Arne Næss and George Sessions. Basic Principles of Deep Ecology, The Anarchist Library, 1984
Ian Spellerberg. A hug for the tree huggers: Why ‘tree hugger’ is not an insult, Feb 16 2017 https://www.stuff.co.nz/environment/89427331/A-hug-for-the-tree-huggers-Why-tree-hugger-is-not-an-insult
Frequentar parques e florestas faz bem à saúde, 22 de Junho de 2016
Mariana Della Barba. ‘Deficit de natureza’ provoca problemas físicos e mentais em crianças, alerta especialista, BBC Brasil, 25 junho 2016
Andrew Nikiforuk. Tree Teachings: How Forests and Wildfires Are Critically Linked, TheTyee, 22 Oct 2018 https://thetyee.ca/News/2018/10/22/Tree-Teachings-Forest-Wildfires/?fbclid=IwAR35svh2kEDZD8XftxlAukEb1bRcF_NbJlkso-mRTeb-QHcmk_ZCYEcQxI4

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/12/2018
A vida secreta das árvores e o déficit de natureza, artigo de José Eustáquio Diniz Alves, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/12/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/12/14/a-vida-secreta-das-arvores-e-o-deficit-de-natureza-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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