“O Pantanal sempre pediu socorro. Agora, gritamos tão alto que a solidariedade veio de todo o país”
Neste momento em que o fogo queima em todas as direções, posso afirmar que todos perdemos. Na sua imensidão, o fogo varreu a terra e a vida de forma perversa e jamais saberemos as verdadeiras dimensões da perda de biodiversidade. Algumas espécies inclusive ainda nem estão descritas.
Vi bandos de queixadas andando à deriva em meio as cinzas, juntos com veados, todos parcialmente queimados. Uma cena que jamais esquecerei.
Uma evidência única do é que a sustentabilidade do bioma está interligada ao homem de forma indissolúvel, ou seja, se o homem não está bem, a natureza vai mal.
O empobrecimento da gente pantaneira, nos últimos 35 anos, é um fato incontestável. A despeito do enriquecimento do planalto onde as terras valorizaram 400%. A planície e sua gente sucumbiram ao desastre do Taquari, à baixa capacidade competitiva, à reforma agrária familiar, ao êxodo dos empregados, levando inúmeras áreas a ficarem sem gado e sem gente.
Onde o fogo entrou inicialmente, não havia nem gente nem gado! O fogo, que começou nas margens do Rio Paraguai, queimando mais de 200 km de suas margens até julho, esteve associado ao manejo de roças, mel, acampamentos de pescadores profissionais e desorientados de que as condições climáticas eram desfavoráveis ao uso do fogo, e foi aí que o caos se estabeleceu.
O fogo de forma impiedosa e indiscriminada avançou para todos os lados ameaçando a saúde, as propriedades rurais e o turismo.
Falhamos na prevenção
O conforto da busca da culpa não deve fazer bem a ninguém! Tampouco, não é responsabilizar as “áreas protegidas” como culpadas pela origem do fogo.
Possuímos cerca de 4% de áreas legalmente constituídas. As reservas da Serra do Amolar, local considerado de alta prioridade para proteção da biodiversidade, está enfrentando o fogo agora, em outubro, com um detalhe: não era atingida por incêndios há mais de 20 anos.
Temos um trabalho de prevenção instalado há 15 anos e, nos últimos 7 meses deste ano, trabalhamos na prevenção e no combate ao fogo. Para aprimorar esse trabalho, lançamos o projeto Brigada Alto Pantanal para atuar preventivamente até a chegada de reforços (leia matéria do Conexão Planeta sobre esta brigada).
A situação é complicada, e estamos há seis horas da cidade. Não tenho dúvida de que o gado contribui para diminuir o volume de matéria orgânica, bem como fazer o manejo técnico responsável do fogo, mas criar cisão entre a missão da conservação e a produção não contribui para sairmos deste “inferno”.
A iniciativa positiva do senador Wellington Fagundes, do Mato Grosso, e dos senadores Nelson Trad Filho, Simone Tebet e Soraya Thronickem, do Mato Grosso do Sul (que formam uma comissão especial externa do Senado) pode nos ajudar.
Precisamos de uma norma que una o Pantanal numa política integrada, curando uma fratura exposta desde 1977, quando se dividiu o bioma.
Essa comissão pode propor a criação de incentivos financeiros para reposição das matrizes, restabelecendo a pecuária e sua importância para o bioma. E também propor a isenção do ITR (Imposto Territorial Rural) para fazendas que adotem as práticas do modelo desenvolvido pela Embrapa Pantanal: Fazenda Pantaneira Sustentável.
Temos a oportunidade de construir um novo programa de financiamento para o Pantanal, como era o BID/Pantanal, ajudando na infraestrutura das cidades que estão no entorno da planície, fomento à pesquisa, ao turismo.
E, se queremos ter compromisso efetivo com o futuro do Pantanal, devemos dedicar atenção e ações efetivas às nascentes de todos os rios que drenam para a planície. Sem água não haverá vida. E TODAS as águas estão com algum grau de comprometimento.
Solidão e solidariedade
Não posso deixar de registrar que, para mim – que atuo há mais de 30 anos no Pantanal -, neste momento difícil para todos, a solidariedade oriunda de todos os lugares do país, apoiando com todo tipo de doação, e é um momento excepcional na nossa história, marcada pela solidão de tudo: de ajuda, de políticas públicas, de recursos para pesquisa…
Espero que sejamos responsáveis e capazes de não deixar esse voto de confiança e esta rede de apoio se perder.
Às vezes, a espécie humana opta pela agressividade e pela falta de respeito, em vez de se unir e nos tornar todos mais fortes pelo bem comum, principalmente nos momentos mais difíceis.
O Pantanal sempre pediu socorro e, desta vez, o pedido foi tão alto, que todos escutaram, mas, por favor, não deixem de nos ouvir!
Foto (destaque): Angelo Rabelo
Presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e coronel da reserva da Polícia Militar, onde atuou na implantação da Polícia Militar Ambiental. Lidera projeto para criação de brigadas permanentes no Pantanal
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