Nova barragem na região de Curitiba inundará área de 4,3 milhões de m2 de Mata Atlântica e pode provocar morte de animais
As obras da barragem do Rio Miringuava, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, estão na reta final. Prevista para ser concluída em dezembro deste ano, os trabalhos seguem em ritmo acelerado. Iniciada em 2017, a barragem deve ficar pronta em dezembro e o enchimento do lago está previsto para o primeiro semestre de 2021.
Em tempos de seca e falta de água, a obra deve contribuir para o aumento da reserva hídrica da região. Por outro lado, o preço desse investimento é um alto impacto ambiental, que dificilmente terá volta: 430 hectares de área verde desaparecerão para sempre do mapa paranaense. A região abriga remanescente da Mata Atlântica, bioma que corre sério risco de extinção e é habitat de onças pardas, jaguatiricas, lagartos, cobras, aves e diversos outros animais.
Com investimentos de R$ 160 milhões, a barragem vai incrementar 38,2 bilhões de litros de água na reservação do Sistema de Abastecimento Integrado de Curitiba (Saic), formado pelas barragens Iraí, Passaúna, Piraquara I e Piraquara II. A capacidade de produção de água do Miringuava passará dos atuais 1 mil litros por segundo para 2 mil litros por segundo, abastecendo cerca de 650 mil habitantes. O vertedor terá capacidade de extravasar 178 mil litros de água por segundo.
Em contrapartida, a área a ser alagada para dar lugar ao reservatório será de 4,3 milhões de metros quadrados (o que equivale a 430 hectares). Com isso, animais e plantas correm sério risco de morrerem afogados, o que pode afetar a biodiversidade da região.
Essa realidade remonta a uma falta de planejamento e cuidado com o meio ambiente. Conforme explica o ex-superintendente do Ibama no Paraná, José Álvaro Carneiro, nos anos 1990, quando aconteceu instalação das grandes indústrias automobilísticas na Região Metropolitana de Curitiba, foram adotadas duas medidas que reverberam até hoje: “desregulamentar a legislação de proteção aos mananciais da época e crescer sem grandes preocupações com a sustentabilidade”.
“O crescimento populacional sempre andou junto com a especulação imobiliária, portanto, com os interesses do capital local e regional. Precisamos começar uma política regional de descentralização via compensações fiscais e desenvolver cidades médias que tenham facilidades quanto a energia, água e disposição final de resíduos. A saída é muito planejamento, pois continuar a fazer tudo igual não trará resultados diferentes”, constata Carneiro.
A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), responsável pela obra, informa, por outro lado, que tem a compreensão de que a “execução de uma barragem para fins de abastecimento público requer o uso responsável de uma estrutura da natureza que vai permitir o aproveitamento da água. As estruturas são projetadas para o atendimento médio, e não para eventos extremos como o que vivemos hoje”.
Segundo a nota, enviada pela assessoria de imprensa, “não há conflito ambiental”: “o empreendimento vem sendo planejado e executado dentro das mais modernas concepções de engenharia e segurança e em cumprimento à mais rigorosa legislação ambiental, de forma a conciliar a realização da obra em benefício da população da Região Metropolitana de Curitiba com a preservação ambiental. Quando os impactos ambientais não puderem ser mitigados, há mecanismos de compensação que estão sendo cumpridos pela Sanepar.
Contudo, um representante da sociedade civil, que não quer ter seu nome divulgado, e que acompanhou as reuniões a respeito da construção da barragem revela que as contrapartidas ambientais até o momento são “básicas”.
“Não vemos até o momento nenhuma ação concreta a não ser a proposta de custear o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)”. Parte desse valor já foi redirecionado pela Sanepar à Prefeitura de São José dos Pinhais, que irá repassar o montante aos proprietários da região. Esse recurso será destinado a práticas de uso do solo que não prejudiquem a área de manancial, segundo a Sanepar.
A obra
Na primeira parte da obra, já foi concluída a operação de desvio do Rio Miringuava por uma galeria de concreto armado, que ficará debaixo do maciço da barragem. Estão em execução, atualmente, os aterros. A fase 2 contempla a formação do reservatório e a construção de 7,6 quilômetros de estradas vicinais no entorno do reservatório.
Essas estradas, por sinal, são motivos de preocupação por parte de moradores e proprietários da região. A empresária Sônia de Paula, responsável pela Estância Carmello, contou que parte da estrada que dá acesso a sua propriedade será alagada. “Ao invés de a Sanepar usar trechos que já estão mais destruídos, vão abrir novas estradas em regiões cheias de árvores”, lamenta.
De acordo com ela, produtores da região estão preocupados em como vão escoar a produção agrícola nas estradas novas. “A gente não sabe nem quando essas estradas ficarão prontas. E não queremos que derrubem mais árvores para fazer estrada. Todo pedaço de vida deve ser valorizado”, ressalta.
A construção da barragem está prevista no Plano Diretor da Sanepar para a Região Metropolitana de Curitiba.
Abelhas afogadas
A lentidão das contrapartidas ambientais, ressaltada pelo representante da sociedade civil ouvido pela reportagem, tem relação direta com o grande e iminente risco que a obra da barragem implica: o afogamento e desaparecimento de mais de mil colmeias de abelhas nativas.
A transferência dessas colmeias deveria ser feita, conforme o calendário biológico dos animais durante a primavera – o que não ocorreu. Embora a Sanepar informe, oficialmente que foram coletadas abelhas sem ferrão na fase 1 e realocados para áreas de APP do reservatório, esse dado não condiz com a realidade.
Profissionais ligados à Associação dos Produtores de Mel (Apromel) apontam que, nesta primeira fase, o que foi realizado foi uma amostragem da quantidade e de variedades de abelhas na região. Para a segunda fase, está previsto o resgate de abelhas juntamente com fauna e flora. Para isso, a Sanepar iria firmar um convênio com a Apromel, para dar apoio no resgate e destinação adequada às abelhas.
Contudo, a demora em realizar o projeto, o pouco tempo para realizar o resgate e falta de equipamentos inviabilizou a parceria com a Associação.
“Não há nem um barracão com mesas para aclimatização das abelhas. Seria necessário ter treinado o pessoal que vai à campo para identificar as colmeias antes de cortar as árvores e ter um material mínimo, como roupas especiais, botas. Mas não foi nos fornecido nada. Agora o prazo é muito curto. É um trabalho de meses”, revela uma represente da Apromel, que também prefere não ter o nome divulgado. As abelhas são essenciais na natureza para a polinização e para contribuir na diversidade da flora, por exemplo.
Contrapartidas ambientais
O Estudo de Impacto Ambiental aponta que a Sanepar deve realizar um Plano de Controle Ambiental para a Construção da Barragem (PCA-BAR) com os alguns dos condicionantes. Segundo a Sanepar, essas são algumas das contrapartidas:
– Resgate arqueológico, com anuência do IPHAN
Situação: já realizado na área do eixo da barragem e na área do reservatório. Foi feito nos quatro sítios encontrados.
– Apoio no resgate e monitoramento da fauna
Situação: resgate feito durante a fase 1 e previsto para a fase 2 na supressão das áreas para a formação do reservatório.
– Cadastro ambiental rural das propriedades afetadas feito pela Prefeitura
– Proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica
Situação: projeto já protocolado no IAT.
– Inventário florestal nas áreas de APP do futuro reservatório já concluído para recuperação das áreas degradadas e supressão das espécies exóticas;
– Resgate e transplante feito de 305 xaxins na fase 1 da área atingida pela obra e reservatório. Será feito o mesmo serviço na fase 2;
– Concluir a execução do levantamento da flora. Foram identificados 73 espécies faltantes e 131 espécies florestais nativas. Foram feitas cinco campanhas de coletas de sementes (100 kg) de 53 espécies que estão sendo cultivadas em viveiro próprio para posterior recuperação das áreas de APP;
– Açudes localizados na área a ser alagada serão esgotados previamente, com a remoção das espécies exóticas de peixes com destinação adequada;
– Monitoramento desde 2014 de macrófitas aquáticas e da qualidade da água dos rios afluentes em seis pontos de coleta próximos ao eixo da barragem e cinco pontos em afluentes do reservatório;
– Zoneamento ecológico-econômico das áreas;
– Monitoramento sociocultural das famílias reinstaladas num período de sete anos, observando aspectos psicossociais, econômicos e de infraestrutura;
– Com a formação do reservatório, a Sanepar deverá criar um conjunto de áreas protegidas, que contempla as áreas de preservação permanente (APP) e áreas destinadas à compensação ambiental pela supressão da vegetação do reservatório. Essas áreas deverão ser recuperadas, onde são previstos o plantio de cerca de 300 mil mudas de espécies florestais nativas;
– A Sanepar atua também em ações socioambientais junto à comunidade atingida, fornecendo suporte e capacitação, juntamente com outras instituições como o IDR e o movimento Viva Água, com o objetivo de promover práticas sustentáveis na região.
MP acompanha Processo Administrativo sobre a Barragem
O Ministério Público do Paraná acompanha, por meio de um processo administrativo, a construção e os impactos da barragem do Rio Miringuava. O procedimento tramita na 2ª Promotoria de Justiça, de São José dos Pinhais, sob responsabilidade da promotora Andressa Chiamulera.
O Procedimento Administrativo, de número 0135.20.001781-6, trata de acompanhar o cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) “a fim de possibilitar o cumprimento das condicionantes estabelecidas na Licença Prévia nº. 29.270 e na Licença de Instalação nº. 18.493, emitidas pelo Instituto Ambiental do Paraná (atual IAT), para implantação da barragem e reservatório de água para abastecimento público a partir do Rio Miringuava”.
O TAC surgiu em decorrência de um inquérito civil instaurado em 2015 pela promotoria para averiguar as condicionantes ambientais. Por causa de novos regramentos internos do MPPR, o inquérito foi arquivado e transformado no Procedimento Administrativo que está em andamento.
Esse TAC foi firmado em 2015 entre produtores rurais, secretaria municipal de Agricultura e Ministério Público – deixando de fora a Sanepar. No entanto, o termo não foi executado e deverá sofrer mudanças. “Entendo que é necessário fazer um novo acordo, que integre também a Sanepar e o IAT, bem como repactuar as medidas compensatórias”, explica a promotora Andressa.
Área de Proteção Ambiental
No ano passado, a Sanepar realizou uma licitação para contratar serviços para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Miringuava, em São José dos Pinhais. A vencedora foi a Sociedade da Água Serviços Ambientais e Geotecnologias, empresa sediada em Curitiba, pelo valor de R$ 184.980,00. A assinatura do contrato aconteceu dia 02/12/2019. O prazo de execução é de 240 dias, já o prazo de vigência do contrato é de 360 dias, conforme consta no edital licitatório.
A Lei nº. 6.902/1981, em seu art. 9º, estabelece que “em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo: a implantação e o funcionamento de indústrias poluidoras; realização de obras de terraplenagem e a abertura de canais; exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou assoreamento; o exercício de atividades que ameacem extinguir espécies raras.
“Assim, a possibilidade de uma barragem dentro de uma APA depende de como serão as regras dessa APA”, alerta a promotora.
Incentivo ao cultivo de orgânicos
A Sanepar tem feito parcerias com agricultores e instituições terceirizadas para que os meios tradicionais de produção sejam mudados para cultivos sem agrotóxico. Na região, o uso dos pesticidas na produção de hortaliças é significativo e todo esse veneno acaba afetando os rios que existem na região, o que compromete, direta e gravemente, a saúde de pessoas e animais. A intenção é incentivar a produção orgânica.
*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Conexão Planeta
Foto: Maurilio Cheli/AEN.
O Observatório de Justiça e Conservação (OJC) é uma iniciativa apartidária e colaborativa que trabalha fiscalizando ações e inações do poder público no que se refere à prática da corrupção e de incoerências legais em assuntos relativos à conservação da biodiversidade, prioritariamente no Sul do Brasil, dentre os quais se destacam, a Floresta com Araucária
Nenhum comentário:
Postar um comentário