Um Planeta, Uma criança
“Lynn Margulis e Dorian Sagan no conhecido livro Microcosmos (1990) afirmam com dados dos registros fósseis e da própria biologia evolutiva que um dos sinais do colapso próximo de uma espécie é sua rápida superpopulação”
Leonardo Boff (29/09/2020)
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A vida no Planeta Terra está sendo ameaçada por uma espécie egoísta que se considera proprietária do mundo e tem se enriquecido às custas do empobrecimento do meio ambiente. Acontece que a ECOlogia é a base da ECOnomia e é impossível manter o padrão de vida da civilização humana numa Terra arrasada e poluída.
A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e a Pegada Ecológica já supera em 73% da Biocapacidade da Terra, conforme mostra o gráfico abaixo. O volume das atividades antrópicas precisa ser reduzido para evitar um colapso ambiental. Reduzir o consumo conspícuo, assim como as emissões de CO2, é essencial para garantir, no longo prazo, sobrevivência da humanidade.
Todavia, um assunto mais controverso é o debate sobre a necessidade de redução do volume da população global que deve chegar a 8 bilhões de habitantes em 2023. Há muitas resistências à ideia do decrescimento populacional, se bem que isto está mudando diante da gravidade da degradação ambiental. Recentemente o ecoteólogo, Leonardo Boff, publicou um artigo “É possível o fim da espécie humana?” (IHU, 29/09/2020) onde alerta para o fato de que a superpopulação é um dos sinais do início do colapso das espécies.
Olhando pelo lado demográfico, uma ampla campanha publicitária foi lançada em Vancouver, Canadá, para aumentar a consciência e o conhecimento sobre a superpopulação. A campanha publicitária “Um Planeta, Uma Criança” é um esforço para acelerar o progresso em direção a famílias menores e uma prole de filho único.
Os outdoors e anúncios de parada de trânsito em áreas de alto tráfego apresentam uma variedade de mensagens sustentáveis para a população. A campanha foi criada pela organização sem fins lucrativos Balanço da População Mundial. O Diretor Executivo Dave Gardner observa: “Queremos que o Canadá fale sobre a superpopulação. Um número surpreendente de jornalistas, autoridades eleitas e o público não sabe que o mundo está superpovoado ou desconfortável em falar sobre isso. Muitos não percebem que a solução para a superpopulação – e grande parte da destruição ambiental que ela causa – é simplesmente abraçar a tendência cada vez maior de famílias menores livremente escolhidas”.
O site One Planet, One Child lista relatórios científicos que documentam os danos que a atividade humana está causando aos ecossistemas de suporte à vida. A organização Balanço da População Mundial aponta que a redução do número de humanos desempenha um papel essencial na abordagem das mudanças climáticas, desmatamento, extinção de espécies, crises de água doce e esgotamento do solo fértil.
De fato, a redução das taxas de fecundidade é um fator decisivo para as projeções da população. Pesquisadores do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA), na Austria, realizaram projeções de longo prazo (2000 a 2300) da população mundial para os cenários do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). As projeções por idade e sexo levaram em consideração um amplo conjunto de hipóteses de fecundidade e três cenários de mortalidade com base em expectativa de vida máxima de 90, 100 e 110 anos.
Em artigo publicado na Demographic Research, em 30 de maio de 2013, os demógrafos Stuart Basten, Wolfgang Lutz e Sergei Scherbov apresentam uma síntese do relatório. Vamos apresentar aqui o cenário de expectativa de vida de 90 anos (Eo = 90), segundo as variações na Taxa de Fecundidade Total (TFT).
A população mundial em 2000 era de 6,05 bilhões de habitantes e a TFT era de 2,53 filhos por mulher. Caso a taxa de fecundidade se mantenha por volta de 2,5 filhos, a população mundial chegaria a 15,1 bilhões em 2100, 33,5 bilhões em 2200 e 71,0 bilhões de habitantes em 2300. Caso a TFT caia para 2 filhos por mulher, a população mundial chegaria a 10,3 bilhões em 2100, 9,9 bilhões em 2200 e 9,0 bilhões de habitantes em 2300. Uma queda da taxa de fecundidade para 1,5 filho por mulher faria a população mundial chegar a 6,8 bilhões em 2100, 2,3 bilhões em 2200 e 720 milhões de habitantes em 2300.
Ou seja, uma taxa de fecundidade em torno de 2 filhos por mulher faria com que a população mundial se estabilizasse, no longo prazo, em torno de 9 bilhões de habitantes. Meio filho (1/2) para cima, isto é, 2,5 filhos por mulher (equivalente à TFT do ano 2000) faria a população mundial saltar para 71 bilhões de habitantes em 2300 e meio filho para baixo, isto é, TFT de 1,5 filho por mulher, faria a população mundial decrescer para apenas 720 milhões de habitantes em 2300.
Portanto, uma taxa de fecundidade com meio filho acima do nível de reposição levaria a um grande crescimento da população mundial (algumas pessoas diriam “explosão populacional”) e meio filho abaixo da TFT de reposição levaria a um grande decrescimento da população (algumas pessoas diriam “implosão populacional”). Evidentemente, estes resultados teriam um grande impacto positivo ou negativo sobre o meio ambiente e o aquecimento global.
Mas o artigo da Demographic Research mostra outros resultados ainda mais impactantes das projeções de longo prazo. No outro extremo, uma queda da fecundidade mundial para 1 filho por mulher resultaria em um montante da população mundial de 4,4 bilhões em 2100, 370 milhões em 2200 e 30 milhões de habitantes em 2300, conforme tabela abaixo.
Em síntese, a população mundial em 2300 pode variar de 71 bilhões (na hipótese de TFT de 2,5 filhos por mulher) para 720 milhões de habitantes (na hipótese de TFT de 1,5 filho por mulher) ou praticamente chegar a zero (na hipótese de TFT de 0,75 filho por mulher). Pequenas variações nas taxas de fecundidade provocam grandes alterações no volume da população no longo prazo, quer se denomine o fenômeno da explosão ou implosão demográfica ou qualquer outro nome.
O fato é que o futuro demográfico está aberto e vai depender das decisões tomadas e efetivadas nas próximas décadas e das interrelações entre população, desenvolvimento e meio ambiente.
Parece que a campanha “Um Planeta, Uma criança” não é algo para durar até 2300, mas sim uma maneira de reduzir a inércia demográfica e garantir que a população em 2100 seja menor do que a população atual.
Assim, uma TFT global de 1,5 filho por mulher já seria suficiente para fazer a população mundial decrescer para 6,8 bilhões de habitantes em 2100 e 2,34 bilhões em 2200. Segundo Kelley Dennings (02/12/2020) existe uma preocupação geral, cada vez maior, com o rápido crescimento demográfico do mundo. Mas as pessoas ainda resistem em discutir o assunto da superpopulação.
Todavia, como sempre repete o ambientalista David Attenborough: “Todos os nossos problemas ambientais se tornam mais fáceis de resolver com menos gente e, em última instância, mais difíceis ou impossíveis de resolver com cada vez mais pessoas”.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Projeções para a população mundial 2000-2300: o futuro está aberto, Ecodebate, http://www.ecodebate.com.br/2013/10/04/projecoes-para-a-populacao-mundial-2000-2300-o-futuro-esta-aberto-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
BOFF, Leonardo. É possível o fim da espécie humana? IHU, 29/09/2020
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/603292-e-possivel-o-fim-da-especie-humana
Stuart Basten, Wolfgang Lutz, Sergei Scherbov. Very long range global population scenarios to 2300 and the implications of sustained low fertility. Demographic Research, V. 28, Art 39, 2013, p. 1145-1166 http://www.demographic-research.org/volumes/vol28/39/
Kelley Dennings. People Think the World’s Population Is Growing Too Fast – So Why Can’t We Talk About It. Center for Biological Diversity, Ecowatch, 02/12/2020
https://www.ecowatch.com/population-growth-2649098525.html?rebelltitem=1#rebelltitem1
One Planet, One Child https://oneplanetonechild.org/
https://oneplanetonechild.org/media-resources/.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/12/2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário