Não é e nunca foi fácil ser ambientalista
Por Henrique Cortez
[EcoDebate] O tom irado com que diversos ambientalistas estão se manifestando indica o nosso grau de frustração, mas também demonstra desesperança e um alto grau de intolerância, indicando que estamos perdendo o contato com alguns conceitos essenciais do ambientalismo.
Não é e nunca foi fácil ser ambientalista.
Acredito que, sempre que possível, devemos compartilhar experiências e opiniões com nossos companheiros e é exatamente isto que estou fazendo. Como o texto é longo, por ser uma reflexão pessoal, vocês decidem se leem ou ignoram. Também tentarei dividir minhas experiências e opiniões.
Vocês decidem o que é interessante ou o que é bobagem.
Muitos dos que participam das listas de discussão sobre meio ambiente estão atuando no movimento ambiental há pouco tempo. Isto é bom porque demonstra o crescimento da consciência ambiental, ao mesmo tempo em que traz uma nova energia, de fundamental importância à causa socioambiental e aos velhos companheiros, que já estão cansados e céticos.
Em primeiro lugar, sugiro que tenhamos um extremo cuidado com os “grandes temas” ambientais. Explico melhor, citando alguns “grandes temas”: aumento da erosão e desertificação, atualmente estimada em mais de 20 milhões de hectares/ano; destruição das florestas tropicais na média de 10 milhões de hectares/ano; intensa redução da biodiversidade pela extinção de centenas de espécies animais e vegetais por ano; crescimento populacional; etc.
Que podemos fazer para combater a erosão e desertificação ou evitar a destruição das florestas tropicais, além de cuidar melhor de nossas samambaias. Em que posso contribuir para combater a destruição das florestas tropicais ou para evitar a extinção da rã arborícola da Costa Rica ou o Mico Leão? Até podemos reduzir a nossa contribuição pessoal e familiar para o crescimento populacional, mas e o vizinho?
O problema essencial ao grande tema é a sua dimensão global, o que o torna paralisante. No nosso cotidiano pouco ou nada podemos fazer para mudar estes desastres anunciados e por isto ficamos com a frustrante sensação de que nada podemos fazer. No entanto existem centenas de ações que podemos fazer diariamente e incontáveis mudanças de atitude e comportamento que podem transformar a nossa qualidade de vida, logo contribuindo com a nossa microscópica parte de responsabilidade nos grandes temas.
Citando Sêneca – “pequena é a parte da vida que vivemos”. Mas, mesmo pequena, ainda há muito em que podemos ajudar ou, no mínimo, atrapalhar menos.
Cada um de nós pode e deve fazer o que estiver ao seu alcance. O resultado final, com a soma de todas a contribuições individuais, será imenso, no mesmo conceito da bioconexão, tão importante para o equilíbrio dinâmico da natureza.
O segundo passo é compreender que somos uma minoria e pagamos o preço disto. O primeiro revide é a desqualificação. Todo ambientalista minimamente sério já aprendeu a lidar com a desqualificação. Recebemos os mais variados adjetivos – comunistas viúvas de Stalin; órfãos do muro de Berlim; mauricinhos neoliberais; pequeno-burgueses, eco-chatos; românticos; piegas; elitistas; inimigos do progresso; inimigos dos seres humanos; etc.
Aliás, um dos que mais gosto é o que diz que gostamos mais de bichos do que de gente e por isto não nos importamos com as pessoas. Ainda assim e mesmo com estes adjetivos continuamos nosso trabalho da melhor forma que conseguimos, porque realmente acreditamos no que fazemos.
Em terceiro, está a compreensão da importância da nossa própria diversidade e que ninguém é melhor do que o outro. Meio ambiente é um tema transversal e multidisciplinar, razão pela qual direta ou indiretamente interessa a todos, de acordo com as suas vocações e afinidades.
É por isto que tantos temas diferentes aparecem nos grupos de discussão ambientais. Simplesmente porque tudo se relaciona com o meio ambiente. Nós é que escolhemos o que pessoalmente nos interessa ou não.
Não importa se atuamos na defesa dos animais, das florestas, do ar, da água, dos gnomos e fadas… Repito que o importante é a soma de nossas contribuições individuais. Acredito, sinceramente, que o resultado coletivo é transformador.
De qualquer modo, em que pesem as diferenças de nossas “tribos” temáticas, acredito que alguns pontos em comum nos unem:
*Acreditamos que somos responsáveis para com o nosso planeta e para com as próximas gerações, para as quais temos a pretensão de deixar um planeta melhor do que recebemos;
*Somos pacifistas e expressamos este compromisso para com a paz, quer seja no oriente médio ou na nossa própria casa. É por isto que o discurso agressivo é um equívoco, tal como incentivar as crianças a serem “guerreiros da natureza”. Pior ainda os que acreditam nas ações destrutivas, que felizmente são raros, mas ainda assim prestam um inimaginável desserviço causa ambiental.
*Além da biodiversidade, defendemos e respeitamos a nossa própria diversidade, de raças, gêneros, cultura, opinião, expressão, pensamento e opções pessoais. Temos o direito de experimentar e errar.
A própria natureza “experimenta” como demonstram as experiências evolutivas. Costumo brincar dizendo que a natureza também faz rascunhos e protótipos, citando como exemplo o ornitorrinco.
*Somos democratas. Todo aquele que acredita que nossos problemas possam ser resolvidos por decisões e ações autoritárias e autocráticas presta um desserviço à causa ambiental e à sociedade como um todo. Ninguém possui as respostas para tantos problemas complexos, cuja solução exigirá a contribuição de todos.
*Nossa militância integra conceitos socioambientais com fundamentos técnicos e metodologia cientifica. Ao mesmo tempo, temos que compreender as nossas próprias limitações e que somente poderemos melhorar nossa sociedade e o meio ambiente se realmente tentarmos melhorar a nós mesmos.
*Compreendemos claramente nossa integração e interação com todos os demais movimentos sociais por que, cada um a sua maneira, todos buscamos a construção de um país e um mundo melhor, mais justo, responsável e igualitário.
Como veem não é nada fácil ser ambientalista. Poucos assuntos causam tanta polêmica quanto as questões socioambientais. Isto é natural, tendo em vista a sua imensa complexidade e incontáveis desafios. Nosso conhecimento técnico-científico ainda está sendo desenvolvido e até ser completado, se é que isto acontecerá, teremos mais dúvidas do que certezas.
Existe uma estória, incorporada ao folclore cientifico, em que Einstein entregou à secretaria da Universidade de Princeton as questões da prova final de física. A funcionária da secretaria estranhou as perguntas porque elas eram as mesmas da prova de três anos antes, ao que Einstein respondeu que as perguntas eram as mesmas, mas as respostas agora eram outras. Folclore à parte, isto é verdade em temas ambientais.
De qualquer forma, o debate é necessário porque, sendo um tema multi e interdisciplinar, o meio ambiente exige grandes discussões. Ninguém possui todas as respostas porque ninguém possui a total percepção de todas as interações e implicações possíveis. É necessário pesquisar, analisar e debater.
De um modo ou de outro, não podemos perder o contato com alguns dos mais essenciais conceitos do ambientalismo. O respeito ao outro, por exemplo.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
Editor da revista eletrônica EcoDebate
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/10/2020
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