terça-feira, 30 de março de 2021

Paraná gera mais que o dobro de energia que consome, mas projetos hidrelétricos de enorme impacto ambiental continuam a ser aprovados

 

Paraná gera mais que o dobro de energia que consome, mas projetos hidrelétricos de enorme impacto ambiental continuam a ser aprovados

Paraná gera mais que o dobro de energia que consome, mas projetos hidrelétricos, de enorme impacto ambiental, continuam a ser aprovados

Sob a gestão do governador Ratinho Júnior, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou de 2019 para cá quatro projetos de lei que preveem, ao todo, a instalação de 36 empreendimentos de geração elétrica no estado, a maior parte deles pequenas centrais hidrelétricas e centrais geradoras hidrelétricas — ambos empreendimentos de baixa geração de energia, mas de enorme impacto socioambiental. Os projetos se concentram basicamente nas bacias do Piquiri e do Rio Iguaçu.

A necessidade desses empreendimentos para o bem comum, entretanto, é altamente questionável. De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de energia no Paraná foi de 32.242 GWh em 2019 (último dado disponível). Mas a produção instalada é mais do que o dobro disso: 81.733 GWh. E a desculpa de que o sistema nacional é integrado também não convence. No Brasil, em 2019, foram gerados 626.321 GWh e consumidos 482.226 GWh, segundo o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2020 da EPE. Um excedente de mais de 144.000 GWh.

No cenário local, os dados da ANEEL mostram que as pequenas centrais e os centros geradores confirmam a análise de Felipe Pinheiro, consultor ambiental e engenheiro eletricista. Do total outorgado no estado, as PCHs e CGHs representam apenas 4,26%. Os 125 empreendimentos desse tipo já instalados no estado têm potência total de 782.193 Kw. E os 36 novos empreendimentos incrementarão mais 335.000 Kw.

Interesse de quem?

O interesse na instalação de empreendimentos como esses é bem particular, segundo avalia Pinheiro. “A demanda pela energia desses empreendimentos é de indústrias distantes do sistema de abastecimento, o que torna mais caro o custo de distribuição para elas. Considerando o sistema operativo como um todo, o fornecimento de energia [desses empreendimentos] é muito insignificante. Eles são desenhados para atendimentos pontuais de indústrias”.

O problema é que tudo isso é feito sem considerar os impactos ambientais desses empreendimentos. A Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção Animal (CEMPA), presidida pelo deputado Goura (PDT), deu parecer contrário a todos os projetos. O Ministério Público do Paraná também se posicionou contra os dois últimos em pareceres emitidos pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo. E ambos foram aprovados em regime de urgência, sendo o último deles em plena pandemia do novo coronavírus.

Impactos Ambientais

Na justificativa do projeto, o Governo Ratinho Júnior argumentou que há interesse público na geração de energia de fonte renovável e citou que os projetos tiveram licença ambiental prévia do Instituto Água e Terra (IAT), órgão vinculado à Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e Turismo (SEDEST). Ocorre que essas licenças também são questionadas.

Os pareceres do MPPR e da CEMPA, anexados aos projetos de Lei, argumentam que as licenças ambientais emitidas não fizeram uma análise sistêmica e conjunta dos impactos desses empreendimentos, que pudesse de fato mensurar as capacidades das bacias afetadas. Outro problema é a instalação de empreendimentos hidrelétricos em rios que ainda não contam com esse tipo de intervenção, como o Piquiri, que, ao lado do Ivaí, são os dois últimos grandes rios do Paraná sem barragens.

Isso também não significa que outros grandes rios já impactados por barragens devem ser ainda mais afetados. Pela lista dos quatro projetos de lei aprovados nos últimos dois anos, essa bacia receberá mais 24 desses empreendimentos. Conforme salientou o parecer do MPPR sobre um desses projetos.

“O Rio Piquiri deveria no futuro ser tratado normativamente como área de exclusão de empreendimentos hidrelétricos, garantindo sua riqueza natural hídrica e de ictiofauna…. Ao contrário, a bacia do Rio Iguaçu está repleta de empreendimentos hidrelétricos instalados e há que se pensar com extrema seriedade se a sociedade paranaense deve aceitar novos projetos para o Rio Iguaçu”, apontam os promotores em um trecho do documento.

Paraná gera mais que o dobro de energia que consome, mas projetos hidrelétricos de enorme impacto ambiental continuam a ser aprovados

Usina Dois Saltos / Salto Manduri em Prudentópolis

Em uma análise feita a pedido da comissão temática da Alep que foi contrária ao projeto, um grupo de seis professores da Universidade Estadual de Londrina também se posicionou contra a instalação de mais hidrelétricas nos rios paranaenses.

Em contato com o Observatório Justiça & Conservação, Mário Luís Orsi, pesquisador na área de Ictiologia, invasões Biológicas e conservação de espécies nativas, reforçou a posição do grupo. “O elenco de pontos negativos é enorme e sem um custo-benefício que possa se justificar à sociedade paranaense”.

A análise do grupo sobre o Projeto de Lei 179/2020, que autorizou a instalação de 15 hidrelétricas no estado, foi ainda mais taxativa. “O que está sendo proposto é a transformação de mais de 200 hectares de águas correntes, com variadas condições de matas ciliares, que abrigam diversidade biológica, inclusive com endemismo e oferecem serviços ecossistêmicos gratuitamente à toda a sociedade, em mais 200 hectares de água parada, pobre em biodiversidade, sem a capacidade de ofertar serviços e com potencial para promover danos à saúde. Isto tudo em um cenário de baixa cobertura vegetal nativa remanescente”.

Em participação recente na audiência pública da Assembleia Legislativa, Everton Souza, presidente do Instituto Água e Terra, garantiu que o órgão faz o possível para minimizar os impactos ambientais desses empreendimentos. “Qualquer empreendimento sempre traz impactos. O que fazemos aqui é minimizar esses impactos. E temos muitos exemplos de empreendimentos que foram alterados em função do processo de licenciamento conduzido por nós. Não queremos matar nossa galinha dos ovos de ouro”, disse.

Em maio, deputado votou a favor da instalação de hidrelétrica que beneficiará parentes

Esse mesmo projeto de lei criticado pelos especialistas da Universidade Estadual de Londrina foi alvo de outra polêmica. Votado no início de maio do ano passado, o texto autorizava a construção de 15 pequenas usinas hidrelétricas no estado. Uma delas atendia uma empresa que pertence à família do deputado Plauto Miró (DEM). Ele votou a favor do projeto.

A empresa Cavernoso III Energia Ltda é a responsável pela instalação de uma PCH na cidade de Virmond, com água do Rio Cavernoso, na bacia do Iguaçu. Daquela lista de 15 empreendimentos é a que tem maior potência entre as 15 previstas no projeto, com capacidade de gerar 6,50 MW. A empresa pertence a Plauto Miró Guimarães Neto, que é filho do deputado, além de economista e empresário. E a Ana Rita Slaveiro Guimarães, que é irmã do parlamentar.

Em nota enviada por sua assessoria à época, o deputado disse que não via imoralidade alguma, já que não tinha qualquer tipo de envolvimento com o empreendimento e nem fazia parte do quadro de sócios da empresa. Ele destacou que já votou favoravelmente a projetos semelhantes, em outras circunstâncias, quando não havia nenhum outro familiar envolvido.

*Texto elaborado em parceria com a Rede de ONGs da Mata Atlântica

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As informações desta reportagem são responsabilidade de seus autores

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Fotos: divulgação Rede de ONGs da Mata Atlântica

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