Calor e seca aumentam no Cerrado com o avanço do desmatamento
08.09.2022 • NotíciasPor Sara R. Leal*
A conversão de áreas nativas do Cerrado para pastagens e agricultura já tornou o clima na região quase 1°C mais quente e 10% mais seco. Os dados foram divulgados hoje, 8 de setembro, em artigo publicado na revista científica Global Change Biology. O estudo abordou impactos históricos e futuros da expansão agrícola sobre o clima regional do Cerrado, um hotspot global de biodiversidade.
O trabalho foi liderado por pesquisadores da UnB (Universidade de Brasília), em colaboração com outras universidades e instituições de pesquisa tais como o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia) e o Woodwell Climate Research Center.
Os resultados mostraram que não só a perda de florestas impacta o clima, mas também a perda de vegetação savânica – a mais abundante no bioma e uma das mais ameaçadas – e campestre. Essas duas últimas formações vegetais são menos representadas em estudos climáticos, apesar de exercerem funções importantes para a regulação do clima.
O estudo destaca que a conservação do Cerrado e sua biodiversidade tem importância vital para a estabilidade climática e hidrológica local e regional. Os efeitos do desmatamento podem se estender para outras regiões que dependem do Cerrado para a provisão de água, como o Pantanal e a bacia do rio São Francisco, que abastece boa parte do Nordeste.
Para a modelagem, o artigo utilizou os dados históricos de cobertura e uso da terra do MapBiomas, onde o IPAM é a instituição responsável pelo mapeamento pelos tipos de vegetação nativa do Cerrado, entre eles formações florestais, savânicas, campestres e áreas úmidas. Em agosto foi lançada a Coleção 7, revelando que de 1985 a 2021, no bioma, a vegetação savânica perdeu 25% da cobertura original, 15% das formações florestais e 20% das campestres.
“Ainda temos 53% da vegetação nativa remanescente no Cerrado, mas o desmatamento no bioma ainda segue e tem crescido nos últimos três anos, precisamos inserir o bioma nas políticas climáticas e de combate ao desmatamento para garantir nossa resiliência climática”, afirma a pesquisadora no IPAM e coordenadora científica do MapBiomas, Julia Shimbo.
As políticas ambientais adotadas hoje irão definir o futuro climático da região
Considerando possíveis reflexos das políticas ambientais, os pesquisadores modelaram três cenários futuros para o clima do Cerrado. O primeiro, chamado “Colapso do Cerrado”, modelou o clima com a continuação do desmatamento legal e ilegal na região até 2050, sem políticas de controle.
Um segundo cenário intermediário avaliou apenas o desmatamento permitido por lei – em um total de 28 milhões de hectares. Um terceiro cenário, mais positivo, modelou o que aconteceria com o clima da região sob uma política de desmatamento zero combinada com a recuperação de 5 milhões de hectares de áreas em propriedades privadas degradadas ilegalmente, que por lei teriam que ser preservadas.
Os resultados mostraram calor severo e seca até meados do século, se o desmatamento continuar. O aumento de temperatura foi de 0,7°C no pior cenário e de 0,3°C no cenário intermediário. A estimativa é referente apenas ao desmatamento na região e não inclui o aquecimento global esperado de mais de 1°C durante o período.
Já a política de desmatamento zero e restauração de áreas desmatadas ilegalmente é um passo no sentido oposto, para evitar o agravamento da crise climática. Porém, não é suficiente para contrabalançar as grandes transformações em curso.
Para Ariane Rodrigues, pesquisadora da Universidade de Brasília e primeira autora do estudo, é urgente colocar em prática metas mais ambiciosas de conservação, restauração e uso sustentável dos ecossistemas do Cerrado. “Os nossos resultados mostram que seguir o curso atual pode trazer consequências desastrosas para o clima, o regime de chuvas, a produção de alimentos e a biodiversidade, se estendendo além dos limites do bioma. Daí a importância de incluir o Cerrado em acordos climáticos internacionais e negociações para eliminar o desmatamento das cadeias de produção agrícola”, afirmou.
*Jornalista no IPAM, sara.pereira@ipam.org.br
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