União recorre contra decisão da justiça que devolveu cargo a servidor do Ibama que denunciou irregularidades na importação de girafas do Bioparque
*Atualizado em 08/07/22
A União recorreu contra a decisão da Justiça Federal que havia reintegrado o fiscal do Ibama, Roberto Cabral Borges, ao seu cargo. Quem irá analisar o caso é o desembargador Rafael Paulo Soares Pinto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Segue abaixo o texto original da reportagem:
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Em meados de maio, o servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Roberto Cabral Borges, foi transferido, contra a sua vontade, da Coordenação de Operações de Fiscalização (Cofis) para a Coordenação de Controle e Logística de Fiscalização (Conof), um cargo meramente burocrático. A mudança de função ocorreu após o profissional ter assinado alguns dos relatórios que denunciavam irregularidades na importação de 18 girafas da África do Sul pelo Bioparque do Rio de Janeiro (três delas morreram durante uma fuga logo após a chegada ao país).
Na época, a Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema Nacional) divulgou uma nota de repúdio contra a transferência de cargo à revelia do servidor.
Mas ontem (28/06) a Justiça Federal emitiu um parecer em que suspende o ato de mudança de posição de Borges. Cópia do documento foi obtida pelo jornalista André Trigueiro, que a compartilhou em suas redes sociais. Segundo o mandado de segurança impetrado pelo advogado José da Silva Moura Neto, “o servidor estava sendo perseguido no Ibama”.
Já faz sete meses que as 15 girafas sobreviventes vivem em baias de metal, chamadas tecnicamente de “recintos”, no Resort Safari Portobello, em Mangaratiba, no sul do Rio de Janeiro. São três girafas dividindo um espaço de 31 metros quadrados, quando pela normativa do Ibama seriam necessários 600m2 para dois animais, além de enriquecimento ambiental, como vegetação abrigo.
A assessoria de imprensa do Bioparque reitera constantemente que os animais estão “muito bem” e passando por um processo de “aclimatação” que não tem prazo definido para acabar. Na verdade, aclimatação significa domesticação para que essas girafas de vida selvagem possam a partir de agora viver em zoológicos.
Parecer da 22a Vara Federal Cível do Distrito Federal
(Imagem: André Trigueiro)
Relatório do Ibama aponta inúmeras irregularidades
O Conexão Planeta teve acesso ao relatório de 187 páginas, que tem o selo da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama (veja imagem mais abaixo). Logo no início o documento cita como assunto: “Maus tratos, morte e importação irregular de girafas para o Zoológico do Rio de Janeiro”.
Datado de 15 de março de 2022, o relatório começa afirmando “Três girafas mortas e 15 ainda sob maus tratos desde novembro de 2021. Isto por falta de local adequado a recebê-las e a possíveis erros de manejo. Estes são os fatos e o prelúdio do alegado projeto de conservação de girafas que possui apenas duas páginas. O projeto serve de pretexto para importação, por empreendimento comercial, o RioZoo, dos animais que nasceram em liberdade”.
Ao longo das próximas páginas, os servidores do Ibama relatam uma série de erros e incongruências. Menciona, já na chegada no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, o estresse dos animais e a falta de condições para a abertura das caixas onde eles viajaram para que se pudesse ser feita a leitura de microchips.
A investigação aponta ainda que dificilmente seria possível adquirir 18 girafas de apenas um local, como o Bioparque alega ter comprado de um criatório de manejo sustentável. “Adquirir animais de vida
livre, além de serem mais baratos, propiciou uma facilidade logística”, denuncia o relatório. “A origem na natureza dos animais, comprados de um comerciante de fauna, certamente deveu-se a razões financeiras em detrimento à alegada proposta de conservação. Esta análise, responde a diversas questões que, de outra forma, restam ilógicas ou incoerentes. Por exemplo, a retirada de animais da natureza (in situ) para compor programa ex situ, contrariando todas as diretrizes da biologia da conservação”.
Ao final das quase 200 páginas, conclui-se que as mortes das três girafas e “os maus tratos aos quais estão submetidas as outras 15 decorreram dos interesses comerciais do Bioparque e, possivelmente, dos demais zoológicos envolvidos” (alguns dos animais seriam revendidos para outros zoológicos brasileiros).
Além disso, os especialistas afirmam que os indivíduos trazidos para o Brasil seriam da subespécie Giraffa camelopardalis giraffa, a segunda com o maior número populacional na natureza e apresentando tendência de aumento, ou seja, não seria a melhor opção para um programa de conservação.
O relatório recomenda ainda a autuação dos responsáveis pelas mortes da girafas, manutenção inadequada e importação irregular e por último, a repatriação das mesmas.
Imagem do relatório do Ibama
Em nota enviada hoje, a assessoria de comunicação do Bioparque declarou o seguinte:
“Reiteramos a responsabilidade com as girafas e com o programa de conservação e informamos que repudiamos qualquer caluniosa ilação sobre a prática de maus-tratos aos animais. O parque reitera que as girafas estão bem e evoluindo positivamente a cada dia. Toda a área de cambiamento e recinto atende a normativa – IN 07/15 e possui acesso às áreas externas de até 900 metros quadrados, com progressão de acordo com o comportamento de cada indivíduo. A aclimatação é conduzida por uma equipe técnica especializada e com ampla experiência e validado por especialistas em manejo dessa espécie para que os animais possam conviver em amplos espaços com segurança, acompanhado pelos órgãos competentes.
O BioParque do Rio reforça sua absoluta responsabilidade com o manejo de fauna e com projetos de longo prazo de restauração da natureza, amparados em educação, pesquisa e conservação de espécies.”
Algumas das recomendações feitas pelos servidores do Ibama
Sociedade civil se une para defender o servidor do Ibama
Além da nota de repúdio da Ascema Nacional, o perfil do Instagram liberdade_para_as_girafas está conclamando a sociedade civil a protestar. A recomendação é que seja mandado um e-mail ao desembargador Rafael Paulo Soares solicitando que o recurso da União seja negado.
No e-mail deve constar o número do processo: 1023240-64.2022.4.01.0000. O endereço é gab.rafael.paulo@trf1.jus.br
Sugestão de texto:
“Prezado Desembargador relator,
Vimos nos manifestar contra a perseguição que o funcionário do IBAMA, Roberto Cabral Borges vem sofrendo em razão da sua firme atuação no combate ao crime de maus tratos contra animais em todo Brasil.
Não podemos aceitar tamanha injustiça contra quem só quer cumprir seu dever funcional.
Pedimos que o recurso da UNIÃO seja negado”.
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Foto de abertura: divulgação Bioparque
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