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Justiça Federal determina suspensão de todas as licenças do complexo eólico da Voltalia, perto de único refúgio da arara-azul-de-lear
Exatamente um mês após o Ministério Público Federal (MPF) ter se posicionado pela anulação do licenciamento ambiental do complexo eólico da multinacional Voltalia, no município de Canudos, na Bahia, agora foi a vez do juiz federal Marcel Peres de Oliveira se pronunciar sobre o assunto e decidir pela suspensão de todas as licenças concedidas anteriormente para a empresa.
No documento ao qual o Conexão Planeta teve acesso, o magistrado da 3ª Vara Federal Cível e Criminal de Feira de Santana, estabelece a suspensão “dos efeitos da Licença Prévia, da Licença de Instalação e da Licença de Operação, concedidas em favor da requeridas EOLICA CANUDOS II SPE S.A., EOLICA CANUDOS III SPE S.A. e VOLTALIA ENERGIA DO BRASIL LTDA, até que seja apresentado e aprovado o competente EIA/RIMA, inclusive com realização de audiência pública, na forma da legislação ambiental pertinente”.
Na decisão, Oliveira estabelece ainda que os réus sejam intimados por mandado, “inclusive para o imediato cumprimento da medida de urgência ora deferida”, e que se dê “ciência da presente demanda ao Ibama e à União”.
Há quase dois anos há uma batalha judicial entre comunidades locais, organizações ambientais do Brasil e do exterior e a multinacional francesa da área de energia. Em questão está a construção, que já começou, do referido complexo eólico, próximo ao único refúgio da arara-azul-de-lear do Brasil.
A companhia pretende instalar 80 turbinas perto do principal habitat dessa espécie, considerada em perigo de extinção. Pelo último censo, realizado em 2022, estima-se que sejam apenas 2.500 indivíduos ainda em vida livre (leia reportagem completa aqui).
Acontece que uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em “áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito”.
Apesar disso, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) aprovou o projeto do complexo eólico da Voltalia somente com a apresentação do licenciamento simplificado.
Desde então, o Ministério Público da Bahia já tinha recomendando a suspensão da obra, assim como os Conselhos Regionais de Biologia do Nordeste. Todavia, de acordo com a investigação realizada pelo Ministério Público Federal, a Voltalia “se expressou pelo não atendimento da recomendação” e defendeu que as “licenças apresentadas são válidas, ainda que não tenham adotado o rito legalmente previsto”.
Protestos internacionais contra o complexo eólico
No final do ano passado, 70 organizações civis e associações comunitárias denunciaram ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos o projeto da Voltalia na Bahia. Assinaram a petição entidades como a American Bird Conservancy (ABC), WWF e Re:wild.
“A arara-azul-de-lear voltou da beira da extinção por meio de esforços intensivos de conservação nos últimos 35 anos e agora enfrenta o risco de colisões mortais com turbinas e linhas de transmissão”, alertou Amy Upgren, diretora da Aliança para Extinção Zero e Programa de Áreas Chave para a Biodiversidade da ABC.
O complexo eólico de Canudo tem custo estimado em R$ 500 milhões. O empreendimento contará com uma rede de transmissão de energia de 50 km, adentrando o município de Jeremoabo. Toda a eletricidade produzida será vendida para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), num contrato já fechado pelos próximos 20 anos.
A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é uma espécie endêmica do Brasil, ou seja, só existe em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo. Infelizmente, ela é considerada em perigo de extinção, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).
A região conhecida como Raso da Catarina, na Bahia, é considerada área prioritária para a proteção da espécie. Um primeiro censo, realizado em 2001, apontou a existência de 228 indivíduos.
Graças aos esforços de conservação, eles já são mais de 2 mil, observados em seus cinco dormitórios: Serra Branca, Estação Biológica de Canudos, Fazenda Barreiras, Baixa do Chico (Terra Indígena Pankararé) e Barra do Tanque. Por causa da melhora nos números da população, a arara-azul-de-lear passou da categoria “criticamente em perigo” da IUCN para “em perigo”, em 2011.
Mas desde que organizações de proteção ambiental tomaram conhecimento do projeto da Voltalia, em 2021, teme-se pela segurança das araras.
A espécie tem o hábito de realizar longos voos diariamente, cerca de 60 a 80 km. Sai do dormitório ao amanhecer, se alimenta em áreas vizinhas à sua morada, basicamente dos cocos da palmeira licuri, e no final da tarde, pode ser vista, aos bandos, chegando de diversas direções.
Localização do Complexo Eólico de Canudos está indicada com a seta vermelha, onde aparecem linhas finas laranjas. A mancha clara, em verde, apresenta a área de uso da espécie na região do Raso da Catarina
O que a Voltalia diz
Em março, quando o MPF decidiu pela anulação dos licenciamentos, o Conexão Planeta procurou a assessoria de imprensa da Voltalia para ter uma declaração da empresa. Infelizmente, não tivemos nenhum retorno.
Mais uma vez, hoje, entramos em contato com a área de comunicação da multinacional, e desta vez recebemos o posicionamento abaixo:
“Até o momento a Voltalia não foi notificada sobre os desdobramentos da ação civil pública proposta pelos Ministério Público Federal e Estadual. Os Parques Eólicos Canudos I e II são objeto de processo de licenciamento ambiental conduzido pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA/BA, que, após avaliar os estudos e projetos apresentados pelo empreendedor, concedeu todas as licenças ambientais necessárias para a sua implantação e operação.
As possíveis consequências ambientais e sociais da implementação de tais projetos foram exaustivamente estudadas, tendo sido previstas as medidas necessárias para evitar e mitigar potenciais impactos negativos, assegurando a viabilidade ambiental dos empreendimentos, conforme reconhecido pelo órgão ambiental competente.
A Voltalia reforça seu respeito e compromisso com o meio ambiente, com o desenvolvimento das regiões onde atua e com toda a sociedade demonstrados durante toda sua trajetória de mais de 15 anos de atuação no Brasil, e seguirá aberta ao diálogo para eventuais questionamentos das autoridades, comunidades, ambientalistas e sociedade civil, colocando-se inteiramente à disposição”.
*Texto atualizado às 15h23 para corrigir a informação sobre o número atual de araras-azuis-de-lear, estimado pelo censo realizado em 2022
**Texto atualizado às 20h para incluir a declaração da Voltalia
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Foto de abertura: Fábio de Paina Nunes, CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons
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