Em artigo internacional, pesquisadoras brasileiras alertam sobre morte de araras-azuis envenenadas com pesticidas
O caso aconteceu em 2014, mas foi relatado agora, em um artigo científico em um das mais renomadas publicações mundiais, a Scientific Reports, da Nature. Naquele ano, um fazendeiro de uma propriedade no Pantanal, em Mato Grosso do Sul, se deparou com três araras-azuis; uma delas morta e outras duas bastante debilitadas, que acabaram morrendo logo em seguida. Como o proprietário também era veterinário, decidiu enviar as carcaças das aves para o Instituto Arara-Azul para que fosse realizada uma investigação sobre a causa das mortes.
Durante a necropsia foi verificado um quadro compatível com envenenamento. Diante disso, órgãos viscerais como fígado, baço e estômago foram encaminhados para o Centro de Serviço Toxicológico Ceatox, Unesp Botucatu, um centro de referência em análise de pesticidas e agrotóxicos no Brasil.
O resultado da análise apontou que a morte das araras se deu por envenenamento por componentes químicos presentes em agrotóxicos, principalmente organofosforados.
“Este trabalho é um alerta sobre o uso deste produto nas fazendas do Pantanal”, diz a bióloga Neiva Guedes, fundadora do Instituto Arara Azul e uma das autoras do artigo da Scientific Reports, ao lado da também bióloga, Eliane Vincente.
“A toxicidade dos organofosforados e outros pesticidas indica o quão potencialmente agressivos eles são para o meio ambiente e a vida selvagem. Portanto, recomendamos que o uso de qualquer organofosforado não seja aplicado nas reservas ambientais ou adjacentes, especialmente em ecossistemas aquáticos como o Pantanal”, escrevem as biólogas ao final do artigo.
Espécie ameaçada de extinção
As cientistas acreditam que o ocorrido possa ter sido pontual, por nunca terem encontrado nenhum caso semelhante no Pantanal e pelos componentes responsáveis pela intoxicação serem presentes em agrotóxicos de usos constantes na região. “Provavelmente a aplicação do veneno foi local e de maneira inadequada, resultando nessa terrível perda para a biodiversidade”.
As pesquisadoras ressaltam ainda que a intenção do estudo e de sua publicação não é a de denúncia e sim fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas que envolvem a biodiversidade. “Os perigos estão aí, cabe a nós identificá-los antes que seja tarde demais”, afirmam.
Na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), que avalia as condições de sobrevivência de milhares de espécies de animais e plantas no planeta, a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) aparece como “vulnerável” à extinção.
Araras-azuis se alimentam basicamente das castanhas de acuris e bocaiúvas, dois tipos de palmeiras comuns no Pantanal
Os perigos dos organofosforados
A classe de pesticidas chamada de organofosforado (organophosphate – OP – , em inglês) é proveniente de uma substância química, desenvolvida nas décadas de 1930 e 1940, originalmente como um agente de gás nervoso humano, mas depois adaptada, em doses menores, para ser utilizada como inseticida.
Estudos já demonstraram que o uso indiscrimado deste tipo de agrotóxico compromete a saúde mental de crianças do mundo inteiro, sobretudo, em países em desenvolvimento e que a exposição, mesmo em doses baixas, acarreta em redução de QI e de memória, assim como aumenta os riscos do déficit de atenção.
Só na Europa, estima-se que mais de 10 mil toneladas de organofosforados sejam empregados na lavoura por ano e um volume ainda maior nos Estados Unidos. Todavia, muitos desses produtos já foram banidos nesses lugares, entre eles, o terbufó, o qual foi associado com o aparecimento de leucemia, câncer de pulmão e linfoma de non-Hodgkin. No continente europeu, os principais fabricantes de organofosforados são Bayer-Monsanto, Syngenta e DuPont.
Em seu site, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pelo controle e liberação de agrotóxicos no Brasil, afirma que apenas os organofosforados com ingredientes ativos F15 – Forato, M10 – Metamidofós e T21 – Triclorfom não têm seu uso permitido no país.
Uma pesquisa realizada na Bélgica, em 2019, encontrou 36 tipos diferentes de pesticidas em ninhos com filhotes de aves mortas.
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Fotos: Carlos Cézar Corrêa (abertura) e Neiva Guedes
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