domingo, 12 de janeiro de 2014

“Parte da responsabilidade pelo caos do sistema carcerário é do Congresso Nacional."


Quatro anos depois da CPI do Sistema Carcerário, nada avançou no Congresso. Sem a reformulação do setor, episódios violentos repetem-se no país

Renata Mariz -
Étore Medeiros
Publicação: 12/01/2014 06:00 Atualização: 12/01/2014 07:14

Detento ferido é retirado da penitenciária de Pedrinhas durante rebelião em outubro: omissão do poder público (Honório Moreira/OIMP/D.A Press - 9/10/13)
Detento ferido é retirado da penitenciária de Pedrinhas durante rebelião em outubro: omissão do poder público

Brasília – Depois de 38 reuniões, visita a 56 unidades prisionais de 18 estados e audiência com dezenas de autoridades, a CPI do Sistema Carcerário traçou a mais completa radiografia do setor, cujo principal resultado foi a apresentação de 12 projetos de lei.

Quatro anos depois, nenhum deles está nem perto de ser aprovado na Câmara dos Deputados.

A proposta mais robusta, que cria o Estatuto Penitenciário Nacional, demonstra bem a disposição dos parlamentares de se debruçarem sobre o tema: a comissão especial para analisar o projeto nunca chegou a ser criada. Aspectos hoje apontados como causas do colapso no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, estão contemplados na matéria esquecida nos escaninhos da Casa – como restrições para a superlotação, separação de presos, criação de ouvidorias e assistência mínima a direitos básicos.

Entre muitos pontos fundamentais para garantir a boa gerência de um sistema tão complexo como o prisional, a separação obrigatória dos presos por tipo de crime é um dos aspectos previstos no projeto de lei em questão. Ocorre que somente 31% das unidades prisionais do país cumprem essa medida.

Em quase 70% dos estabelecimentos, detentos com perfis distintos são colocados lado a lado, de acordo com dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A falta de critérios na hora de alocar os detentos é uma das causas de rebeliões, motins e mortes, problemas que assolam Pedrinhas. Lá, presos de facções diferentes brigam entre si, bem como os da capital e os do interior. Não há uma separação racional pela natureza do delito.

Para o relator da CPI, deputado Domingos Dutra (SDD-MA), além de todos os órgãos envolvidos na execução penal e na administração do sistema, os parlamentares têm a sua parcela de culpa.  “Parte da responsabilidade pelo caos do sistema carcerário é do Congresso Nacional. Quando se faz uma lei endurecendo as penas ou criando tipos de crime, a União não pergunta se o governador tem orçamento, vagas e pessoal”, critica.

Mesmo com a comoção nacional e as repreensões internacionais devido ao caso Pedrinhas – vindas da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos (OEA) –, Dutra não acredita em avanços no Parlamento. “Vamos voltar em fevereiro, um mês depois tem carnaval, logo depois vem a Copa do Mundo, em seguida as eleições, e aí já é Natal de novo. Quem vai se preocupar com preso? Até porque, só tem colarinho preto. Só se lembram do problema nas tragédias, como no Maranhão, ou quando se prende quem é amigo de ministro, governador”, diz o deputado.
 Além de pontos mais genéricos que já deveriam ser cumpridos pelos estados, como assistência à saúde do preso ou oferta obrigatória de educação, o projeto de lei oriundo da CPI prevê a instalação de ouvidorias exclusivas do sistema penitenciário em cada unidade da Federação, com canal telefônico próprio. A medida é considerada importante para combater a tortura e os maus-tratos, apontados como motivos corriqueiros de rebeliões em presídios – como a que parou Santa Catarina há cerca de um ano. Mas só 15 estados têm ouvidorias direcionadas ao setor prisional, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Ex-ouvidor nacional dos Direitos Humanos, o procurador federal Domingos Sávio Dresch da Silveira diz que tão importante quanto criar órgãos para receber denúncias é dar suporte para que funcionem. “Nenhuma das ouvidorias do país, sem exceção, trabalha com independência e autonomia. Não adianta só ouvir se você não pode falar e apurar para calar as injustiças”, diz Silveira. Segundo ele, integrantes de órgãos dessa natureza precisam ter mandatos. “Mesmo que sejam indicados por governadores ou secretários, devem ter a garantia de que ficarão até determinado tempo. Hoje, o que chamamos de ouvidoria só carrega um rótulo, não é a ouvidoria clássica que se vê em diversos países.”

Nenhum comentário: