Humor Político
Todas as conspirações levam a Roma
Alejandro Borensztein
Se tem uma coisa que a gente vai sentir saudade quando a 'década ganha', como o governo diz, acabar e tivermos atingido o desenvolvimento, são as viagens da Chefe Cristina Kirchner para Nova York para participar da Assembleia Anual nas Nações Unidas.
E desta vez, ainda por cima, ela até deu um pulinho em Roma no sábado para almoçar com o Papa. Um luxo. Só faltou uma escala em Barcelona para ver o Messi no domingo e teria sido perfeito.
No entanto, o clima era muito mais tenso do que de costume. A tradicional paranoia do kirchnerismo está atravessando um dos seus piores momentos: eles estão com delirium tremens político e veem abutres voando até na cozinha. Se geralmente eles costumam ver conspirações por tudo quanto é canto, agora eles simplesmente só veem isso.
“Olá”, – disse o chanceler argentino Héctor Timerman a uma vendedora do free shop do aeroporto –, “eu sou o Excelentíssimo Senhor Chanceler da República Argentina e quero um bom vidro de perfume “Tocade” de Madame Rochas para dar de presente para a minha presidente”.
“Não tem mais, não entregam”, respondeu a vendedora. O Chanceler se enfureceu.
“Olha aqui sua abutra ressentida, eu não tenho culpa de você ter que passar a vida neste free shop do caramba enquanto eu mostro o meu talento pelo mundo afora para que as proletárias de merda como você tenham uma vida melhor, cê tá me entendendo?? Então vai lá e me traz um vidro agora mesmo ou eu vou te aplicar a lei de abastecimento, ok??!! A garota olhou fixo para ele e disse: “Eu vou te trazer todos os perfumes que você quiser quando você me trouxer todos os iranianos para depor, tá ok? Falando nisso, como vai aquela história do memorandum, hein cara?”.
O Chanceler recuou na hora e tudo ficou por isso mesmo porque naquele momento chegou o pessoal de La Cámpora ( ala jovem do kirchnerismo) que pela primeira vez estava acompanhando a Chefe em uma viagem daquelas. Apareceram os apoiadores do governo, que integram a linha política chamada La Campora, “el Cuervo” Larroque, “Wado” de Pedro, José Ottavis e Hernán Reibel, todos de coletes “azzurros”. Eles andavam pelas gôndolas do free shop com suas cestinhas cheias gritando “Cristina, Cristina, Cristina coração, aqui estão os rapazes com os cremes da Lancôme!!”.
Aos poucos todos foram chegando. Os assessores presidencial Carlos Zannini, Oscar Parrilli, Scoccimarro, funcionários de todas as hierarquias, prefeitos da Grande Buenos Aires e convidados de todos os tipos. Na última hora apareceram três freirinhas que andavam grudadinhas e que antes de entrar no avião tiraram uma selfie.
Uma vez a bordo, não demorou muito para que a Chefe se tocasse de que as três freirinhas eram os políticos da base governista no Congresso, Julián Domínguez, Aníbal Fernández e o também cristinista Mariotto, que entraram de penetras para conseguir uma foto com o Papa e a bênção presidencial para suas respectivas candidaturas para presidente e governador. Bênção que, pelo visto no discurso de Máximo Kirchner, filho de Cristina,, ELA não vai dar nem se eles se fantasiarem de Perón, Evita e John William Cooke.
A Chefe olhou para eles de lado e falou: “Não sejam ridículos, pelo menos tirem a touca e o véu que em Roma está fazendo um calor danado”.
Decolamos, cantamos “sou soldado do pinguim”, comemos e, para dormir rápido, colocaram o vídeo de uma entrevista do Jorge Coscia com o Ricardo Forster. Cinco minutos depois todo mundo já estava roncando.
Em Roma, em vez de aterrissar no Aeroporto de Fiumicino, nós fomos para o Aeroporto Militar de Ciampino para que a Chefe não tivesse que encontrar os aviões da American Airlines.
Timerman desceu rapidinho do avião e assim que viu o primeiro cara de uniforme, botões dourados e boné chegou perto e disse: “Io sono il Eccellentísimo Cancelliere della República Argentina in missione ufficiale per la causa popolare” e esticou a mão para cumprimentar. O cara deu a mão para ele e disse: “E aí meu velho, eu sou o motorista da embaixada. Os da delegação oficial italiana são aqueles ali atrás”.
E cochichou: “Eu trampava na Salada para uma pequena fábrica que falsifica tênis da Nike e agora trampo aqui porque o Guillermo Moreno, ex-secretário de Comércio Interior, e agora morando em Roma, me trouxe”
.
E justamente a primeira pessoa que apareceu foi o 'Guille' (polêmico ex secretário de Comércio Interior) , que é adido econômico da embaixada em Roma, distribuindo camisetas com a inscrição “Corriere della Sera Mente”. Ele estava furioso porque a notícia da chegada da presidente não tinha aparecido nem na página 20 do jornal. Outro jornal abutre.
Logo depois chegamos no Hotel Eden. Incrível. A suíte presidencial custava 2.500 euros mais tax (sem café da manhã), mas por causa do risco argentino de calote queriam cobrar 4.000.
“Tá tudo bem”, disse o Aníbal, “você usa o cartão e paga em pesos com um dólar a 8,50 mais 35%. Ou seja, a 11,50, quando na verdade o dólar está a 15 pesos. E se Deus quiser, quando a gente voltar na semana que vem os abutres já vão ter subido o dólar para 16 ou 17. Um puta dum negócio. Eu adoro o Kicillof. A gente tem que começar a viajar mais”.
Parrilli resolveu o assunto pagando adiantado em dinheiro e passando uma conversinha no concierge para ver se conseguia não pagar o tax: “Non precisamos de notinha, capisci?”. A Companheira Chefe foi recebida com flores. Ainda bem que ELA não viu a placa que tem na entrada do hotel lembrando a reinauguração de 1995 e que diz: “L’albergo è stato ufficialmente riaperto dalla baronesa Margaret Thatcher il 25 marzo 1995”. O Zannini não se conformava: “Puta que o pariu, justo neste hotel… estamos com um azar do abutre!”.
No dia seguinte de manhã o ambiente era pura ansiedade e emoção. O Larroque comentava feliz: “Ainda bem que o Papa argentino que escolheram é o Francisco, imagina se tivessem escolhido o Bergoglio, que era nosso inimigo!”.
A delegação queria chegar logo no Vaticano para tirar fotos com o Papa. A foto mais interessante foi uma de Francisco com o núcleo duro do governo kirchnerista: a Chefe, Zannini e os rapazes de La Cámpora. Uma freirinha comentou: “È raro… In questa foto, l’ unico veramente peronista è il Papa”.
A foto com toda a delegação parecia um escanteio de um jogo segunda divisão. Todos dando cotoveladas e se agarrando para ficar mais perto do Papa. Em um momento dado Francisco se virou e gritou: “Parem de se agarrar ou eu apito pênalti, ok?” O almoço deles foi muito tranquilo. ELA explicou para o Papa o que ele tinha que fazer para que o mundo funcionasse melhor e o Papa explicou para ELA que uma coisa são os fundos abutres que tentam receber dinheiro da Argentina e outra coisa é o resto da humanidade e do Planeta Terra.
Foi tudo muito rápido. Logo depois, todos nós já estávamos de novo a bordo do avião. Musiquinha militante, comidinhas e um videozinho do Orlando Barone contando a vida dele e a relação dele com a poesia, para que todo mundo dormisse rápido.
Em silêncio atravessamos o Atlântico rumo a Nova York. Nos esperava o luxo do Mandarim Oriental Hotel, bem na esquina sudoeste do Central Park, no Columbus Circle, ali onde se ergue, desafiante, a estátua de Cristóvão Colombo em Manhattan.
Conhecendo a comitiva, eu imagino que alguém do governo já deve ter pedido para tirarem a estátua de lá. Não sei se os americanos entenderam. Esses abutres conspiram em tudo quanto é lugar. (continuará)
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