domingo, 1 de março de 2015

A importância de Joaquim Barbosa para a operação Lava Jato




As pesadas (e criticadas) penas defendidas pelo ex-presidente do STF contra os mensaleiros facilitaram o uso de delações premiadas no Brasil.

joaquimbarbosa
Naquela terça-feira, 5 de março de 2013, Joaquim Barbosa perdeu a paciência (e a elegância) de forma inesperada, principalmente para um ministro da suprema corte. Quando um jornalista quis saber a visão do presidente do STF sobre críticas de algumas entidades jurídicas, foi interrompido aos berros:


“Não estou vendo nada! Me deixa em paz! Me deixa em paz! ! Vá chafurdar no lixo como você faz sempre! (…) Estou pedindo, me deixe em paz. Já disse várias vezes ao senhor! (…) Eu não tenho nada a lhe dizer. Não quero nem saber do que o senhor está tratando.”

(Joaquim Barbosa)


Na mesma data, o ministro pediu desculpas e atribuiu o destempero a dores que sentia ao final de uma longa sessão do CNJ. Mas havia grandes chances de a verdade residir numa mágoa do presidente do STF para com Felipe Recondo, repórter do Estadão alvo dos desaforos. Um ano depois, em coluna para o mesmo veículo, revelou que 3 anos antes, em 2011, já havia vazado para a imprensa um momento em que Barbosa não imaginava estar sendo observado:


Piorava a situação a passagem do tempo. Disse então o ministro: em setembro daquele ano, o crime de formação de quadrilha estaria prescrito. Afinal, transcorreram quatro anos desde o recebimento da denúncia contra o mensalão, em 2007. Barbosa levava em conta, ao dizer isso, que a pena de quadrilha não passaria de dois anos. Com a pena nesse patamar, a prescrição estaria dada. Traçou, naquele dia em seu gabinete, um cenário catastrófico.


Quando, no dia seguinte, o Estadão deu a manchete e o Brasil inteiro já debatia a preocupação, Barbosa se surpreendeu:


Novamente, Joaquim Barbosa, de pé em seu gabinete, pergunta de onde saiu aquela informação. A pergunta era surpreendente. Afinal, a informação tinha saído de sua boca.


De JB a SM
Para entender a importância daquele março de 2011 – quando ainda só se falava em Mensalão – para a Operação Lava Jato, é preciso voltar quase uma década no tempo. Foi em 2004 que Sérgio Moro tornou públicas suas considerações sobre a Operação Mãos Limpas, tida por muitos como a inspiração para o trabalho investigativo realizado sobre o Petrolão. 


Em meia dúzia de laudas de fácil leitura – ou seja, com quase nenhum “juridiquês” –, o juiz federal discorre sobre a Itália dos anos 90. Hoje, chama a atenção como em muitos pontos lembra o Brasil dos anos petistas.


Em dado momento, Moro reserva alguns parágrafos para defender o uso da delação premiada como método para se fazer justiça contra nomes tão poderosos.


“Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio.”

(Sérgio Moro)
Mas mais interessante ainda é a leitura que faz do uso deste recurso no Brasil até aquele momento:


“A reduzida incidência de delações premiadas na prática judicial brasileira talvez tenha como uma de suas causas a relativa ineficiência da Justiça criminal. Não há motivo para o investigado confessar e tentar obter algum prêmio em decorrência disso se há poucas perspectivas de que será submetido no presente ou no futuro próximo, caso não confesse, a uma ação judicial eficaz.

(Sergio Moro – grifos nossos)


É quando voltamos ao março de 2011, com Joaquim Barbosa descobrindo que vazou por Felipe Recondo a preocupação de prescrição de crimes do Mensalão caso a pena por formação de quadrilha não passasse de 2 anos. Perguntou o ministro:

“E se eu der (como pena) 2 anos e 1 semana?”

(Joaquim Barbosa)
Anos depois, JB viria a ser extremamente criticado por defender penas muito acima das esperadas para o Mensalão. Mesmo com todo o esforço de Lewandowski e Dias Toffoli pela redução das condenações da maioria dos 25 acusados, vários mensaleiros cumpriram algum tempo de cárcere em regime fechado. No caso mais grave, Marcos Valério foi condenado a 40 anos, 4 meses e 6 dias. Com algumas artimanhas das defesas sendo aceitas, a pena foi reduzida a  37 anos, 5 meses e 6 dias. Mesmo que finde no preso mais comportado da história, o publicitário terá de passar mais de uma década atrás das grades.



O que mudou
Entre o Brasil de 2004 e o de 2014, há todo o desenrolar, da denúncia à condenação, do Mensalão. Dez anos após a leitura de Sergio Moro da Mãos Limpas, o brasileiro sabe que a justiça brasileira é capaz de condenar a 17 anos de prisão a ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello. 


Se antes a delação premiada, como bem observou o juiz federal, não soava interessante aos investigados, pois sempre apostavam na incapacidade do poder judiciário brasileiro, agora temos Agenor Medeiros, diretor internacional da OAS, aos 66 anos de idade, gritando na carceragem da polícia federal em Curitiba: “Se tiver de morrer aqui dentro, não morro sozinho”.


Nada disso estaria acontecendo se Joaquim Barbosa não acrescentasse “uma semana” à pena de 2 anos por formação de quadrilha para os mensaleiros. Se não pesasse a mão contra 25 corruptos, a despeito de qualquer crítica acadêmica que lhe dedicaram desde então.


Na já mencionada coluna do ano passado, Felipe Recondo registrou a confissão do hoje alegado “cidadão livre“:


Barbosa, por sua vez, nunca admitira o que falava em reserva. Na quarta-feira, para a crítica de muitos, falou com a sinceridade que lhe é peculiar. Sim, ele calculara as penas para evitar a prescrição. “Ora!”

(grifos nossos)
Na última sexta-feira, dois executivos da Camargo Corrêa aderiram à delação premiada na Operação Lava Jato. Com isso, já são 15 os investigados a assinarem acordos semelhantes. Pelas regras do benefício, terão suas penas não perdoadas, mas reduzidas se e somente se: falarem a verdade; tenham como provar essas verdades; e essas verdades representem fatos ainda desconhecidos dos investigadores. Aguardemos ansiosamente o que eles têm a acrescentar.

Nenhum comentário: