Proteger a democracia - MERVAL PEREIRA
O GLOBO -10/03
Parece haver um quase consenso, que conta curiosamente com a participação da própria presidente Dilma, de que ainda é cedo para um processo de impeachment. É preciso haver um motivo, disse a presidente, e nem mesmo a sensação da maioria da população de que ela acobertou as falcatruas da Petrobras é bastante para um processo desse tipo.
As investigações continuarão, e é precipitado achar que alguma coisa surgirá para demonstrar a culpa da presidente. Mas não implausível, e só o tempo dirá. Há quem considere que a solução menos traumática para os impasses institucionais em que o país está atolado seria a renúncia da presidente, assim como os que acreditam que, diante da apatia com que lida com a situação, Dilma na verdade já renunciou ao cargo.
Nesse sentido, o discurso que fez na noite de domingo, a pretexto do Dia Internacional da Mulher, é típico de quem está fora da realidade e acha que ainda pode, com truques antigos, contornar uma situação política que a coloca no córner.
Assim como Dilma insiste no erro de tentar convencer o cidadão comum de que a situação econômica mudou repentinamente da eleição para cá, e não está tão ruim assim como ele está sentindo, ou que são temporários os problemas que enfrentamos, também as lideranças do PT tentam manipular a realidade como se pudessem apagar da fotografia os fatos que incomodam.
Ora, dizer que o panelaço foi um fracasso chega a ser patético, diante do que as redes sociais estão mostrando desde o momento em que a cara de Dilma surgiu na televisão. Nunca antes na história do país houve um movimento espontâneo como aquele panelaço, semelhante às manifestações de 2013, se não propriamente na extensão, certamente na surpresa da movimentação de caráter nacional: nada menos que 14 capitais aderiram aos protestos organizados pelas redes sociais.
Como uma medida provisória em que o governo coloca uma série de penduricalhos para ludibriar a legislação, também o discurso de domingo estava cheio de temas que nada tinham a ver com a data que estava sendo comemorada. E mesmo quando fazia menção indireta aos problemas que as sequelas de seu primeiro governo estão criando para a população, Dilma tergiversou.
O melhor exemplo da enrolação que tentou passar como verdade é dizer que no final do 2º semestre os primeiros sinais de recuperação começariam a aparecer. Isso quer dizer no final de 2015, e nada indica que 2016 será um ano glorioso para a nossa economia, que estará, ao que tudo indica, no seu segundo ano de recessão.
Todas essas razões justificam passeatas e panelaços de oposição ao governo, mas não uma "ruptura democrática", como classificou o impeachment a presidente. Neste momento, forçar um processo no Congresso seria mesmo, mas sair à rua protestando contra as mentiras governistas não é uma tentativa de realizar um terceiro turno, como acusou o ministro Mercadante.
Fez bem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao reafirmar ontem na Associação Comercial do Rio que a esta altura impeachment é golpe, e ele não colaborará com tal iniciativa. Demonstra que não atuará oportunisticamente pelo menos nesse caso, o que dá uma aparente estabilidade às nossas instituições.
O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, classifica de "Brasil pirata" uma série de atitudes e medidas que está surgindo nesse momento brasileiro, entre elas a devolução, por parte do presidente do Senado, Renan Calheiros, da medida provisória de desoneração fiscal.
Os mesmos defeitos apontados corretamente por ele para justificar a atitude estão presentes em centenas de MPs que o Congresso aceitou nos últimos anos, e mudanças radicais significariam uma "privatização do Congresso" por parte de quem está interessado em criar problemas para o governo que considera ter colaborado para sua inclusão na lista dos investigados.
Da mesma maneira, a chamada PEC da Bengala, que amplia a aposentadoria dos ministros do Supremo para 75 anos, mesmo podendo estar correta devido ao aumento da expectativa de vida, se aprovada, como parece, será como uma retaliação a Dilma, e padeceria de um erro de origem que coloca em risco o vigor de nossa democracia. Joaquim Falcão chama de "canibalização institucional" medidas que, aprovadas de acordo com circunstâncias, acabam por colocar em xeque a credibilidade de nosso sistema democrático. É nessa linha frágil entre o permanente e o circunstancial que se dará a disputa pela manutenção da estabilidade institucional do país.
Parece haver um quase consenso, que conta curiosamente com a participação da própria presidente Dilma, de que ainda é cedo para um processo de impeachment. É preciso haver um motivo, disse a presidente, e nem mesmo a sensação da maioria da população de que ela acobertou as falcatruas da Petrobras é bastante para um processo desse tipo.
As investigações continuarão, e é precipitado achar que alguma coisa surgirá para demonstrar a culpa da presidente. Mas não implausível, e só o tempo dirá. Há quem considere que a solução menos traumática para os impasses institucionais em que o país está atolado seria a renúncia da presidente, assim como os que acreditam que, diante da apatia com que lida com a situação, Dilma na verdade já renunciou ao cargo.
Nesse sentido, o discurso que fez na noite de domingo, a pretexto do Dia Internacional da Mulher, é típico de quem está fora da realidade e acha que ainda pode, com truques antigos, contornar uma situação política que a coloca no córner.
Assim como Dilma insiste no erro de tentar convencer o cidadão comum de que a situação econômica mudou repentinamente da eleição para cá, e não está tão ruim assim como ele está sentindo, ou que são temporários os problemas que enfrentamos, também as lideranças do PT tentam manipular a realidade como se pudessem apagar da fotografia os fatos que incomodam.
Ora, dizer que o panelaço foi um fracasso chega a ser patético, diante do que as redes sociais estão mostrando desde o momento em que a cara de Dilma surgiu na televisão. Nunca antes na história do país houve um movimento espontâneo como aquele panelaço, semelhante às manifestações de 2013, se não propriamente na extensão, certamente na surpresa da movimentação de caráter nacional: nada menos que 14 capitais aderiram aos protestos organizados pelas redes sociais.
Como uma medida provisória em que o governo coloca uma série de penduricalhos para ludibriar a legislação, também o discurso de domingo estava cheio de temas que nada tinham a ver com a data que estava sendo comemorada. E mesmo quando fazia menção indireta aos problemas que as sequelas de seu primeiro governo estão criando para a população, Dilma tergiversou.
O melhor exemplo da enrolação que tentou passar como verdade é dizer que no final do 2º semestre os primeiros sinais de recuperação começariam a aparecer. Isso quer dizer no final de 2015, e nada indica que 2016 será um ano glorioso para a nossa economia, que estará, ao que tudo indica, no seu segundo ano de recessão.
Todas essas razões justificam passeatas e panelaços de oposição ao governo, mas não uma "ruptura democrática", como classificou o impeachment a presidente. Neste momento, forçar um processo no Congresso seria mesmo, mas sair à rua protestando contra as mentiras governistas não é uma tentativa de realizar um terceiro turno, como acusou o ministro Mercadante.
Fez bem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao reafirmar ontem na Associação Comercial do Rio que a esta altura impeachment é golpe, e ele não colaborará com tal iniciativa. Demonstra que não atuará oportunisticamente pelo menos nesse caso, o que dá uma aparente estabilidade às nossas instituições.
O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, classifica de "Brasil pirata" uma série de atitudes e medidas que está surgindo nesse momento brasileiro, entre elas a devolução, por parte do presidente do Senado, Renan Calheiros, da medida provisória de desoneração fiscal.
Os mesmos defeitos apontados corretamente por ele para justificar a atitude estão presentes em centenas de MPs que o Congresso aceitou nos últimos anos, e mudanças radicais significariam uma "privatização do Congresso" por parte de quem está interessado em criar problemas para o governo que considera ter colaborado para sua inclusão na lista dos investigados.
Da mesma maneira, a chamada PEC da Bengala, que amplia a aposentadoria dos ministros do Supremo para 75 anos, mesmo podendo estar correta devido ao aumento da expectativa de vida, se aprovada, como parece, será como uma retaliação a Dilma, e padeceria de um erro de origem que coloca em risco o vigor de nossa democracia. Joaquim Falcão chama de "canibalização institucional" medidas que, aprovadas de acordo com circunstâncias, acabam por colocar em xeque a credibilidade de nosso sistema democrático. É nessa linha frágil entre o permanente e o circunstancial que se dará a disputa pela manutenção da estabilidade institucional do país.
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