O procurador-geral Frederico Paiva, da Operação Zelotes. |
A estrutura
do CARF, órgão da Receita Federal - entidade que esfola os assalariados
para fazer caixa para o Estado monstro -, favorece a corrupção, segundo
reportagem publicada na Veja.com:
A
Operação Zelotes, que apura um esquema de corrupção no Conselho
Administrativo de Recursos Federais (Carf), órgão ligado ao Ministério
da Fazenda responsável pelo julgamento dos recursos de grandes
contribuintes em débito com a Receita Federal, veio a público na última
quinta-feira e causou espanto pelo valor potencial da fraude: 19 bilhões
de reais em 70 processos - um escândalo cujas cifras são comparáveis
aos desvios investigados no petrolão.
Com 41
mandados de busca e apreensão, a Polícia Federal (PF) iniciou a operação
para desarticular uma organização suspeita de fraudar julgamentos no
órgão, que é composto por 200 conselheiros - metade deles auditores
fiscais indicados pelo Ministério da Fazenda e outra metade de
representantes do setor produtivo.
Segundo a
PF, os conselheiros suspendiam julgamentos, alteravam votos e aceitavam
recursos para favorecer empresas. Investigadores também constataram
tráfico de influência. Até agora, 24 pessoas e 15 escritórios de
advocacia estão sendo investigados.
Bancos
como Bradesco, Santander, Safra e BTG Pactual foram alvos da Operação,
segundo o jornalFolha de S. Paulo. Já o jornal O Estado de S. Paulo
afirma que empresas ligadas ao petrolão também são investigadas, como a
Petrobras e a Camargo Corrêa.
Para o
procurador do Ministério Público Federal (MPF) Frederico Paiva, que
participa das investigações, a atual estrutura do órgão pode ter
facilitado as práticas criminosas. "O próprio sistema, a pretexto de ser
democrático, propicia que pessoas mal intencionadas ocupem esses
cargos", afirmou ao criticar as indicações pelo setor privado e a
ausência de remuneração dos conselheiros. Leia trechos da entrevista
concedida ao site de VEJA.
Como começaram as investigações da Operação Zelotes?
Já havia
comentários sobre corrupção no Carf há algum tempo. Alguns processos
estavam sendo monitorados pela Receita Federal, onde se levantaram
algumas suspeitas. Mas, a partir de uma denúncia, em 2013, o Ministério
Público Federal (MPF) decidiu instaurar um inquérito policial. A partir
daí a PF fez uma série de diligências e passou a colher indícios que
confirmavam algumas das suspeitas. Depois, o MPF pediu à Justiça algumas
medidas de investigação, que levaram um certo tempo. Isso foi
analisado, e, então, decidiu-se partir para as buscas e apreensões,
nesta semana.
Mas o MPF recebeu uma representação anônima em 2013?
Sim, mas não foi a representação anônima que motivou o início das
investigações. Na verdade, foram feitas diligências pela PF e, depois,
surgiu a denúncia. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) impede que você
parta de uma denúncia anônima unicamente. Esse cuidado foi feito. Várias
diligências foram feitas, inclusive para respeitar o entendimento do
STJ.
Como foi o trabalho de identificar contratos com potenciais fraudes, considerando as dificuldades impostas pela área tributária?
A
legislação tributária brasileira dá margem a diversas interpretações.
Leis são editadas a cada mês mudando o que valia anteriormente. Alguns
setores têm incentivos fiscais; outros não. Toda essa barafunda
tributária que vivemos no país propicia que haja diversas interpretações
para a lei. Mas temos todo o cuidado de separar o que é advocacia
tributária legítima do que é consultoria ilícita, que, na verdade, é
fachada para lavar dinheiro. Nós conseguimos identificar alguns
pagamentos que não tinham justificativas. Detectamos situações em que o
objetivo era dar a aparência de legalidade a um serviço que é corrupção,
que corrompe conselheiros do Carf. Óbvio que isso ainda está sob
investigação.
Qual o grau de dificuldade para identificar esse tipo de fraude?
É
dificílimo. À medida que os pagamentos são feitos em dinheiro vivo, você
tem uma dificuldade enorme de rastrear o destinatário final. Por isso é
preciso ter cautela em publicar nome de empresas, porque, por enquanto,
são apenas investigadas. Na verdade, são pessoas físicas que estão
sendo investigadas, que terão de esclarecer à Justiça alguns pontos.
Foram 70 processos que despertaram suspeitas, com uma fraude potencial
de 19 bilhões de reais.
Deste total de processos, qual o rombo nos cofres públicos que já foi confirmado?
O verbo
"confirmar" é muito forte. A Receita Federal e o MPF ainda estão
analisando os casos. O valor de cinco bilhões de reais se relaciona a
suspeitas fortes. Há indícios fortes que apontam, de alguma maneira, que
esses julgamentos teriam sido manipulados no Carf. Há suspeitas fortes
sobre cinco, até seis bilhões de reais. Mas isso não quer dizer que esse
valor será anulado. Nossas provas, na verdade, são indícios, porque não
existe "recibo" de corrupção. Eu não tenho fotografia, uma prova
direta, de corrupção. Isso requer um aprofundamento.
Há uma previsão de quando será concluída a análise de todos os 70 processos?
Não,
qualquer previsão é chute. Há muitos detalhes a serem analisados. Toda a
documentação que foi apreendida nesta quinta-feira terá que ser
analisada. Há uma diversidade de informações muito grande. A nossa
estrutura é pequena. Temos poucos servidores para fazer isso. Então, é
imprevisível o tempo que isso irá demorar. Também por isso é que o
processo corre em segredo de Justiça.
Em seguida à análise dos processos, os nomes dos envolvidos virão a público? Naturalmente,
após o fim das investigações, o MPF, a partir de elementos suficientes,
pode oferecer a denúncia criminal. E a ação penal, em regra, é marcada
pela publicidade.
O
rombo potencial, de R$ 19 bilhões, chama atenção pela cifra. Onde está o
problema no Carf que facilitou uma fraude deste tamanho?
A própria
estrutura do Carf é uma experiência única no cenário mundial. Porque
quem indica metade dos conselheiros do Carf são as confederações
nacionais da indústria, do comércio, do transporte, enfim, do setor
privado. E tem mais uma particularidade que chama atenção: ser
conselheiro do Carf indicado pelas empresas não rende remuneração. Que
advogado experiente, vivido, vai aceitar assumir o Carf para ficar três
anos sem receber remuneração? É uma carga imensa de processos que eles
têm que julgar. Então o próprio sistema, a pretexto de ser democrático,
propicia que pessoas mal intencionadas ocupem esses cargos.
O senhor, portanto, defende uma revisão do atual sistema do Carf?
Acredito
que sim. Acredito que o Ministério da Fazenda deve fazer estudos e
propor alteração. Mas isso é uma opinião do cidadão Frederico. Como
procurador, não posso emitir juízo de valor. Apenas acho que o sistema,
como é composto atualmente, favorece o tráfico de influência.
A investigação pode arranhar a imagem da Receita, órgão reconhecidamente técnico?
Primeiro,
deve-se lembrar que o Carf está vinculado ao Ministério da Fazenda. O
que está sendo arranhado é "agora". Porque o auditor vai à empresa,
constata um descumprimento de lei, celebra um auto de infração - isso
leva um tempo enorme. Depois vai ao Carf e isso é simplesmente
cancelado. Eu acho que o maior desgaste para a Receita é que o trabalho
que os auditores estão fazendo na ponta está sendo todo derrubado no
Carf. Ou os auditores estão fazendo um trabalho errado ou é preciso
aprimorar o Carf. Porque os auditores são obrigados a seguir a lei,
fazendo um trabalho técnico, de qualidade, e não autuar as empresas sem
motivos. É óbvio que alguns temas são polêmicos e suscitam discussão
jurídica. Mas é inadmissível que a Receita faça um trabalho de um, dois
anos, e depois, sem justificativas convincentes, alguns processos sejam
anulados.
Quais os próximos passos a serem tomados após a conclusão dos processos? Uma
denúncia criminal, possivelmente. O MPF, por questões estratégicas, não
pode antecipar os próximos passos da investigação. O que tem ser feito
agora é analisar todo o material apreendido na quinta-feira, que é
bastante vasto. Há computadores, anotações, contratos. Após essa análise
é que o MPF decidirá o próximo passo.
A
investigação também envolve a Receita Federal, o Ministério da Fazenda e
a Polícia Federal. Como funciona esse trabalho conjunto?
O juiz da
Décima Vara Criminal autorizou o compartilhamento da investigação.
Então, a Receita vem de um caráter técnico, fornecendo subsídios para a
investigação. Isso sem quebrar nenhum tipo de sigilo bancário ou fiscal.
O que interessa a ela é que esse foco de corrupção seja revelado.
Receita, PF e MPF estão atuando na mesma linha: de maneira coordenada.
Até porque, se não fosse assim, não chegaríamos a lugar nenhum. Porque é
um volume muito grande de informações, e muitas delas são bastante
técnicas e o MPF nunca viu. A Receita, como tem uma expertise tributária
maior, está nos auxiliando.
O recorte do número de processos, 70, e o intervalo de tempo, de 2005 a 2013, foi definido a partir de quais critérios?
Foi uma decisão estratégica de separar um período temporal de oito anos.
Mas foi aleatória?
Não, foi baseada nos elementos que tínhamos. Havia indícios de que a suposta organização criminosa estaria atuando desde 2005.
Como o senhor acredita que a população, pagadora de impostos, assimilará essa investigação?
Acredito
que o brasileiro está cansado de tanta corrupção. E "pagador de
impostos" é uma expressão muito mais leal do que contribuinte. Ninguém
contribui por livre e espontânea vontade. Ele é obrigado, trabalha cinco
meses por ano para pagar impostos. O poder judiciário tem a missão de
aplicar a lei com rigor. As provas nunca serão diretas, mas indícios.
Mas é preciso encarar a realidade.
É possível detalhar mais os setores econômicos que essas pessoas físicas estão inseridas?
A PF divulgou que o setor automobilístico e o setor bancário estão entre os principais investigados.
O fato de ter ocorrido buscas e apreensões no banco Safra confirma que ele é um dos alvos?
Temos de
ter cautela. O fato de ter tido uma busca no Safra não quer dizer que o
banco esteja envolvido. Pode ser que alguém, de dentro do Safra, que
esteja participando. É preciso muita cautela com o nome das empresas,
até para depois isso não ser questionado.
Alguma empresa do grupo Gerdau está envolvida?
De onde
partiram as supeitas? Do MPF não foi. Porque é prematuro falar em
Gerdau. É de conhecimento público que a Gerdau tem contencioso no Carf.
Até pelo processo de reestruturação que o grupo passou e que foi
questionado pela Receita. O grupo criou outras empresas e depois fez uma
reorganização societária e pôde compensar o prejuízo de algumas
empresas que foram criadas, o chamado ágio interno. Isso foi questionado
pela Receita e é de domínio público. Há um processo no Carf que não foi
julgado ainda. Está muito cedo. Infelizmente sei que o tempo da
imprensa é mais curto, mas as investigações, assim como a Lava Jato,
demorarão mais um pouco. (Veja.com).
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