domingo, 26 de abril de 2015

É uma forma de gritar por nossos direitos', diz 1º índio brasileiro a correr maratona de Londres"Quero poder contribuir de qualquer outra forma para guardar esse nosso patrimônio, que é a Floresta Amazônica. E nós, povos indígenas, somos seus guardiões".

Survival International

  • 25 abril 2015








Nixiwaka deverá ser primeiro índio a participar da tradicional maratona de Londres

Nixiwaka Yawanawá vai correr uma maratona, mas diz que seus passos serão, na verdade, um grito.



Quando for dada a largada na corrida de Londres neste domingo, acredita-se que ele será o primeiro índio a participar da tradicional prova da capital britânica. E Nixiwaka acredita que isso dará destaque às questões indígenas no Brasil.



Leia mais: 'Político é como cobra grande: quer engolir todo mundo', diz líder yanomami



"É uma novidade para muitas pessoas (ter um índio correndo). É uma forma de gritar, de chamar atenção do público internacional para a causa indígena", diz ele, bem humorado, em entrevista à BBC Brasil.



Nixiwaka, de 28 anos, é integrante dos yawanawá, ou "Povo do Queixada", uma tribo de 900 membros que vive no oeste do Estado do Acre e cuja área foi demarcada em 1984.

Survival International

Mora em Londres há quatro anos, onde atua para a organização Survival International, que defende os direitos indígenas.



Leia mais: Foto de índio brasileiro vence concurso global



Sua participação na corrida de domingo servirá para levantar fundos para a entidade - da meta de 3 mil libras, diz já ter juntado 2 mil (cerca de R$ 9 mil).



E diz que fará todo o percurso sem tirar seu cocar da cabeça.



"Vou correr com um cocar pequeno, para me dar aquele apoio espiritual, como se eu estivesse voando . Vou estar voando, mas nos meus pensamentos."



Nixiwaka afirma estar preparado, após treinar por três meses, "correndo direto" no Hyde Park, um dos maiores parques de Londres.




Na verdade, diz que nem foi preciso tanto esforço: "Já tenho uma preparação natural. Quando era pequeno, jogava muito futebol. E também caçava muito. Subia terra, descia terra."

Do Acre para Londres

Passou grande parte de sua infância em Kaxinawa, considerada a área mais sagrada das terras dos yawanawá. Estudou na pequena cidade de Tarauacá até os 10 anos, quando voltou para a tribo.

Survival International

Sua rotina foi, então, de "estudar, caçar, pescar e dar aula de português".



"Mas sempre indo à cidade representar nossa cultura. Sempre estive presente no mundo moderno, na cultura branca. Acho isso importante - que nós, povos indígenas, tenhamos essa conexão", diz.



"A gente tem que usar também os instrumentos do branco para nosso benefício e contribuir com nossa forma de viver."




Nixiwaka tem participado de campanhas no Reino Unido de conscientização sobre causas indígenas
Diz que a vida dos yawanawá é simples - comem o que plantam, caçam e pescam. Nas aldeias, há casas tradicionais e também "no estilo moderno". Aprendem a língua da tribo e português.



A tecnologia também já chegou a eles, que usam telefones celulares e computadores e teriam até perfis no Facebook.



Leia mais: Brasil contesta críticas da ONU sobre aumento de índios presos
A mudança para Londres veio da vontade de "viajar e explorar o mundo e aprender inglês, um sonho desde criança" e uma influência do pai, diz.



"Ele sentia uma necessidade muito grande de alguém do nosso povo aprender inglês para ajudar na comunicação das questões indígenas."



As passagens foram pagas por um amigo. Outros deram abrigo em Londres.



Começou a trabalhar como garçom, antes de chegar à Survival, onde tem participado de campanhas e visitado escolas e universidades britânicas para divulgar causas indígenas.



"Minha primeira impressão foi de sentir o tempo muito frio em Londres. Venho do Acre, que é um lugar muito quente e úmido. Foi um choque físico e espiritual com a temperatura."


Leia mais: Desnutrição matou 419 crianças indígenas desde 2008



A diferença em relação ao clima passou. Vieram, então, as culturais.



"Depois, vi que Londres é uma cidade muito grande, muito agitada, muito barulhenta. Pessoas de vários lugares do mundo. A dificuldade de me comunicar era muito grande".


"Fiquei realmente perdido numa floresta de concreto. Foi um choque num primeiro momento. Mas, depois, o espírito foi se acalmando devagar e comecei a me adaptar."


"Mas, realmente, é uma mudança de vida muito grande para uma pessoa que vem da Floresta Amazônica e, no outro dia, acorda em Londres."

De volta para o Brasil?





Nixiwaka treinou por três meses em Londres, mas se disse preparado 'naturalmente'
Nixiwaka diz-se, agora, adaptado - um "índio brasileiro yawanawá britânico".
Em Londres, está acompanhado por uma filha de 3 anos. No Brasil, ficaram outros dois, de 5 e 9 anos, que moram na cidade. Diz planejar levar todos para a aldeia, para que aprendam sua cultura.



E planeja, ele mesmo, voltar. Ainda neste ano, deverá visitar a aldeia por um longo período. Mas acredita ainda ter uma missão a cumprir na capital britânica.



"O povo indígena está, em geral, correndo um grande risco. A terra é muito cobiçada pelas grandes companhias e multinacionais e pelo desenvolvimento do país. Sabemos que a floresta é o ponto principal de exploração", diz Nixiwaka.



"Sabemos que o direito indígena no Brasil hoje esta passando por um problema muito grande. A gente quer apenas que as autoridades respeitem nossos direitos, demarcando a terra. Alias, é só isso que a gente quer".


Sua missão em Londres, explica, é falar para o público internacional sobre os povos indígenas.


"Quero poder contribuir de qualquer outra forma para guardar esse nosso patrimônio, que é a Floresta Amazônica. E nós, povos indígenas, somos seus guardiões".

Nenhum comentário: