Lula e seu cliente Marcelo Odebrecht.
(O Globo) O atual diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Alexandrino
Alencar, levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um périplo
por Cuba, República Dominicana e Estados Unidos, em janeiro de 2013. A
viagem foi paga pela construtora e, oficialmente, não tinha relação com
atividades da empresa nesses países.
Lula foi a um evento da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre o clima, visitou o
presidente da República Dominicana e falou no congresso de trabalhadores
da indústria nos EUA. Na Operação Lava-Jato, Alencar é o dirigente da
Odebrecht acusado por três delatores de ser operador de pagamento de
propinas para a empresa no exterior.
A relação oficial de passageiros do voo, obtida pelo GLOBO, mostra
que ele era o único que não fazia parte do círculo de convivência de
Lula. Estavam na aeronave funcionários do Instituto Lula, o biógrafo
Fernando Morais e o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,
Rafael Marques.
O documento de solicitação do serviço, da Líder Táxi Aéreo, mostra
também que o contratante exigiu discrição. No campo “passageiro
principal” do formulário, o funcionário da Líder escreveu: “voo
completamente sigiloso”. Procurada, a Líder não comentou o motivo do
registro.
Para evitar que fosse vinculada ao fretamento, a Odebrecht usou uma
de suas parceiras para pagar a despesa: a DAG Construtora, da Bahia. O
dono da empresa, Dermeval Gusmão, primeiro negou ter pagado pelo voo.
Anteontem à noite, ligou para informar que localizou um pagamento de R$
435 mil à Líder e disse que um de seus diretores pode ter feito isso a
pedido da Odebrecht.
VIAGEM COM LULA EM 2011
Alencar já havia sido
convidado por Lula para acompanhá-lo em comitiva do governo brasileiro à
África, em 2011, quando ele já não era mais presidente. Na época, o
pedido causou constrangimento ao Itamaraty, porque o diretor não
trabalhava no governo nem tinha relação direta com atividades do
ex-presidente.
No mesmo ano, a Odebrecht pagou para que Lula viajasse à Venezuela,
também na companhia de Alencar, segundo a revista “Época”. Alencar foi
um dos principais interlocutores para viabilizar a construção do estádio
Itaquerão, antigo sonho de Lula, segundo o livro de memórias do
ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez.
O primeiro delator a citar o nome do diretor da Odebrecht na
Lava-Jato foi o doleiro Alberto Youssef. Ele disse que a Braskem, do
grupo Odebrecht, obteve vantagens na compra de insumos da Petrobras,
graças a uma renegociação de preços conduzidas na estatal pelo então
diretor Paulo Roberto Costa. Em troca, a Braskem teria aceitado pagar
US$ 5 milhões em propinas, a serem divididos entre dirigentes do PP e
Costa, com intermediação de Youssef.
O doleiro mencionou o local onde se reunia com o diretor da Petrobras
e Alencar: nos hotéis Hyatt e Tivoli, em São Paulo, entre 2006 e 2012.
Segundo os depoimentos, a construtora depositava os valores em contas
fora do país; os recursos eram internalizados em operações de fachada.
Youssef disse que marcava encontros com Alencar por telefone. O
número do diretor da Odebrecht consta da lista de ligações realizadas ou
recebidas por um dos aparelhos de Youssef, conforme relatório sigiloso
da empresa Blackberry, enviado aos investigadores da Lava-Jato e
localizado pelo GLOBO.
Funcionário do doleiro e também delator, Rafael Angulo disse ao
Ministério Público ter se reunido com Alencar na sede da Odebrecht, em
São Paulo, para lhe fornecer o número de contas bancárias no exterior
que deveriam ser usadas para depósitos. Também aparecia para recolher
comprovantes de pagamentos realizados.
Ao depor, Costa confirmou o pagamento de propina pela Braskem, mas
negou que tenha discutido a parte que cabia ao PP com a empresa,
limitando-se “à parte da propina que cabia ao próprio depoente”.
CONSTRUTORA ALEGA TER PAGADO POR PALESTRA DO EX-PRESIDENTE
A
Odebrecht informou ter pagado pela viagem do ex-presidente por três
países em função de agenda complementar cumprida por ele na República
Dominicana, que não foi divulgada pelo Instituto Lula. Segundo a
construtora, além de se encontrar com o presidente do país, Lula
realizou uma palestra “para empresários, investidores, políticos e
formadores de opinião”.
Ao GLOBO, o Instituto Lula confirmou a palestra e disse que “às vezes
sim, às vezes não” a organização divulga na agenda oficial do
ex-presidente a sua participação em eventos privados.
Por meio da assessoria da Odebrecht, O GLOBO perguntou a Alexandrino
Alencar se conhecia o doleiro Alberto Youssef e qual era seu
posicionamento sobre as acusações feitas por ele, no âmbito da Operação
Lava-Jato. O diretor negou o que chamou de “alegações caluniosas feitas
por réu confesso” e preferiu não responder se conhecia Youssef.
Quando O GLOBO informou à assessoria da Odebrecht que o número do
diretor constava de relatório da Blackberry em posse dos investigadores
da Lava-Jato, Alencar mudou o posicionamento e disse ter conhecido o
doleiro “por intermédio de José Janene”, na condição de assessor do
deputado, que morreu em 2010.
Perguntado sobre o motivo do contato telefônico que teve com o
doleiro, mesmo depois de Janene já ter falecido, Alencar respondeu
lacônico: “agendamento de reunião”. Sobre a viagem de janeiro de 2013, a Odebrecht informou que Alencar
teria acompanhado o ex-presidente apenas no trecho que incluiu a
República Dominicana e Cuba, onde a empresa construiu o Porto de Mariel.
Segundo a assessoria, o dirigente não teria acompanhado o ex-presidente
na viagem ao Estados Unidos, apesar do trecho também ter sido pago pela
construtora.
Perguntada sobre o motivo de pedir à DAG Construtora que pagasse pelo
fretamento, em vez de ela própria efetivar a despesa, a Odebrecht disse
ter solicitado o favor à sua parceira comercial “por uma questão de
logística”.
O GLOBO perguntou a Alexandrino Alencar sobre a relação dele com o
ex-presidente Lula. O dirigente afirmou que “conhece o ex-presidente
Lula e sempre teve com ele uma relação de cordialidade e respeito”.
Por meio de nota, a Braskem, que é controlada pela Odebrecht, negou
que tivesse pagado propina ao PP e a Paulo Roberto Costa para obter
vantagens em compras da estatal. “Todos os contratos e os pagamentos
seguiram os preceitos legais e foram aprovados de forma transparente, de
acordo com as mais rigorosas regras de governança corporativa”, disse a
empresa, que completou, na nota: “Além disso, é importante ressaltar
que os preços praticados pela Petrobras na venda de matérias-primas
nunca favoreceram a Braskem e sempre estiveram atrelados às referências
internacionais mais caras do mundo, com notórios efeitos negativos para a
competitividade da Braskem e da petroquímica nacional”.
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