Operação Lava Jato
Em setembro de 2012, o publicitário mineiro Marcos Valério, condenado a 37 anos de prisão, deu um depoimento ao Ministério Público Federal. Na ocasião, falou de contas no exterior destinadas a saldar dívidas da campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Referiu-se a uma conta específica, no banco francês Crédit Lyonnais, atual Crédit Agricole, que, segundo Marcos Valério, movimentou R$ 7 milhões...
Ainda de acordo com Marcos Valério, a história de tal conta envolvia o próprio Lula, o ex-ministro Antonio Palocci e o português Miguel Horta e Costa, ex-presidente da empresa Portugal Telecom. Em investigação conjunta com autoridades internacionais, a Polícia Federal brasileira descobriu que essa conta efetivamente existe. Seu número é 01-00685-000. Confirmadas as suspeitas, seria a primeira conta descoberta no exterior a servir campanhas do PT.
Inquérito contra Lula é de 2013
A denúncia de Marcos Valério levou a Polícia Federal a instaurar, em abril de 2013, o inquérito sigiloso 0431/2013 – o primeiro a investigar a existência de uma conta secreta associada à campanha de Lula e com conexão com o mensalão (leia acima). Ao longo das investigações, a PF tomou uma série de depoimentos. Foram ouvidos, por exemplo, os cantores Zezé Di Camargo e Luciano, que atuaram em shows na campanha de Lula em 2002, Palocci e, por três vezes, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
Segundo Marcos Valério, o PT passou a fatura da dívida com a dupla sertaneja para a Portugal Telecom pagar em 2005. Após acionar as autoridades suíças em busca de informações da conta secreta, a Polícia Federal recebeu neste ano uma informação nova. A correntista responsável pelas transações financeiras era uma empresa chamada Motil Partners.
Sediada apenas no papel em Londres e representada por laranjas, a Motil Partners já apareceu em relatórios de inteligência da PF associada a uma offshore que integrou a mesma estrutura de lavagem de dinheiro usada pelo doleiro Alberto Youssef no caso Banestado. Foram os primeiros indícios da veracidade dos relatos do publicitário Marcos Valério, operador do mensalão.
Em janeiro deste ano, o executivo português Miguel Horta e Costa, da Portugal Telecom, respondeu a diversas perguntas enviadas pelos investigadores brasileiros. A Polícia Federal o interrogou por meio de carta rogatória remetida às autoridades de Lisboa, conforme documento obtido pela reportagem de ÉPOCA. O ex-presidente da Portugal Telecom negou que tenha utilizado uma subsidiária em Macau para quitar débitos de campanhas do PT, usando a conta suíça. A partir desses primeiros indícios, as investigações continuam. Lula, Palocci, Dirceu e Miguel Horta e Costa negaram em depoimento as acusações de Valério.
A Lava Jato, agora, avança para o exterior
A vida dos corruptos mundo afora se torna cada vez mais difícil. A globalização – a mesma que abriu mercados, criou oportunidades de prosperidade e também de corrupção internacional – chega, aos poucos, à Justiça. Com isso, os agentes da lei de cada país podem caçar malfeitos além de suas fronteiras. O primeiro movimento nesse sentido ocorreu na Comunidade Europeia. Nos anos 1990, os Ministérios Públicos e as polícias dos diferentes países começaram um intenso intercâmbio. A integração foi crucial para uma investigação importante no início deste ano: o caso SwissLeaks, em que a filial de Genebra do banco HSBC esteve envolvida num escândalo internacional de sonegação de impostos. “Um funcionário que trabalhou no HSBC por oito anos pegou toda a movimentação financeira irregular e entregou a três MPs, o da Suíça, o da Itália e o da França”, diz o jurista Luiz Flávio Gomes, estudioso do assunto e doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madrid. Graças ao intercâmbio de depoimentos e provas entre os Judiciários dos países, o HSBC sofreu condenações na França, na Bélgica e nos Estados Unidos. Outro caso recente foi a prisão, na Suíça, de dirigentes da Fifa suspeitos de corrupção, após uma investigação levada a cabo pela polícia americana.
No Brasil, a Operação Lava Jato vem inovando não apenas ao empregar métodos inspirados na Operação Mãos Limpas – que desarticulou os esquemas de corrupção na Itália ao longo dos anos 1990. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República de Portugal anunciou que a força-tarefa da Lava Jato fez um pedido de cooperação internacional. Desde o tempo do mensalão, a polícia portuguesa investiga casos de corrupção envolvendo brasileiros, com ramificações em Portugal. Agora, a Lava Jato quer unir as duas pontas, mensalão e petrolão. E também tem operado em colaboração com o Ministério Público da Suíça. “A Lava Jato já virou um caso de estudo”, diz o advogado penal Mauro César Arjona.
Na semana passada, os procuradores suíços confirmaram que as investigações da Lava Jato estão no caminho certo. Elas rastrearam as contas da Odebrecht no exterior. “Pelo relato das autoridades suíças e documentos apresentados, há prova, em cognição sumária, de fluxo financeiro milionário, em dezenas de transações, entre contas controladas pela Odebrecht ou alimentadas pela Odebrecht e contas secretas mantidas no exterior pelos dirigentes da Petrobras”, afirmou o juiz Sergio Moro em seu despacho. Na sexta-feira, dia 24, os presidentes de duas das maiores construtoras do país, Marcelo Odebrecht, da Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez, foram denunciados à Justiça sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. A denúncia atinge ao todo 22 pessoas. Foi decretada também a quebra de sigilo das contas da Odebrecht no exterior.
Em uma das reportagens desta edição, ÉPOCA mostra, com exclusividade, as investigações em Portugal que revelam os primeiros indícios de uma conta no exterior que pode ter alimentado campanhas do PT. E mostra como as investigações sobre a Odebrecht, na semana passada, podem se desdobrar na Suíça. A colaboração entre a força-tarefa da Lava Jato e os investigadores europeus ainda tem muito o que render.
Fonte: Revista Época com foto de Andre Penner/ AP Photo - 25/07/2015 - - 00:20:06
Blog do Sombra
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